Pablo Ortellado
Policiais estão sendo assediados de todos os lados
Um dos mais perigosos sinais da deterioração das instituições é a
politização das polícias. Forças políticas estão doutrinando e
disputando a lealdade das polícias para utilizá-las como salvaguarda do
poder, ameaçando, no limite, a rotatividade conferida por mecanismos
eleitorais. A história dos nossos vizinhos sul-americanos deveria servir
de alerta.
Na Venezuela, o controle político dos militares e das forças policiais e
a constituição de uma retaguarda civil armada não apenas deram respaldo
à progressiva ingerência do Executivo sobre o Judiciário, o Legislativo
e a imprensa como impediram a tomada do poder por forças adversárias
—de um lado, garantiram o crescente autoritarismo do regime bolivariano,
e, de outro, impediram um novo golpe como o que havia acontecido em
2002.
Na Bolívia, uma polícia politizada se aliou à revolta popular contra Evo
Morales e garantiu que a insurreição desse posse a um governo de
transição de extrema direita que perseguiu os apoiadores do regime
anterior e talvez não entregue o poder para o MAS caso ganhe as próximas
eleições. Evo, por seu lado, demonstrou arrependimento por não ter
seguido os passos de Chávez e armado os movimentos civis que eram seus
aliados.
Aqui no Brasil, policiais estão sendo assediados de todos os lados. Bolsonaro professa uma ideologia abertamente punitivista e a combinou
com uma postura corporativista pró-polícia que quer reduzir o controle
pelas corregedorias e pela Justiça e conceder reajustes salariais
extraordinários, além de conferir privilégios como aposentadorias
especiais. [Imagine o que é umser humano, com filhos, família, passar 30 anos, saindo diariamente de casa, sem saber se volta ou morre atacado por bandidos.
Grande parte deles fardado, o que os torna um alvo facilmente identificável.] Isso tem servido de base para uma ativa cooptação de
policiais para seu projeto político. Já a Igreja Universal, que controla o PRB, criou um programa de
orientação espiritual para policiais que alegadamente alcançou 980 mil
pessoas, entre agentes e familiares.
O principal intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, também tenta
ampliar sua ascendência sobre a Polícia Militar com um programa de
bolsas gratuitas para seu infame curso online de filosofia. Até mesmo a esquerda brasileira, que já teve penetração em associações
de praças, tenta agora uma politização menos disfarçada com a formação
do movimento de policiais antifascismo. Essa disputa tem uma dimensão mais ou menos legítima, que é a expressão
de diferentes concepções sobre a política de segurança pública; mas, em
momentos de profunda crise política e diante da experiência
internacional na região, seria ingênuo não vê-la também como uma
iminente ameaça à democracia.
Pablo Ortellado, professor da USP - Folha de S. Paulo
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