Cuide-se Luiz Henrique Mandetta para que ao deixar o Ministério da Saúde possa, de fato, levar intacta a reputação do bom administrador que resistiu a todas as pressões e preferiu salvar vidas a satisfazer as vontades do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, interessado em salvar a Economia.
Amigos de Mandetta estão preocupados com dois passos em falso que ele deu nas últimas 48 horas quando escapou por pouco da degola. O primeiro:
- abrandou sua posição quanto às medidas restritivas impostas pelos governadores de Estados e, de resto, adotadas em quase todos os países do mundo.
O segundo passo: se antes
condenava com veemência a prescrição da droga Cloroquina para casos de
coronavírus, Mandetta passou a admitir o seu uso a critério de cada
médico. Não há fundamentos científicos que sustentem os efeitos
reparadores do remédio para infectados pelo vírus. Mas Bolsonaro quer a
sua liberação. Tem a ver com Donald
Trump. Um dos donos do laboratório que fabrica a Cloroquina foi um dos
maiores doadores de dinheiro para sua campanha. O Centro de Prevenção e
Controle de Doenças dos Estados Unidos removeu de seu website
orientações altamente incomuns que sugeriam o uso da droga contra o
vírus.
Bolsonaro caiu na lábia
do representante do laboratório no Brasil e, para agradar Trump, virou
um lobista do remédio. Tentou obter o consentimento de Mandetta para o
uso em massa da Cloroquina. O ministro negou. Mas em troca, para não
parecer tão intransigente, Mandetta baixou o tom do que vinha dizendo. Baixou também o tom a
respeito do confinamento social. Disse que técnicos do Ministério da
Saúde estudam a “transição para o distanciamento social seletivo”. Logo
agora que o distanciamento social obrigatório vai sendo relaxado em
várias partes do país à revelia ou não de governadores e de prefeitos.
E pensar que o pior ainda
nem passou. Que o pior ainda nem chegou. O pico da pandemia deverá
acontecer na última semana deste mês e na primeira de maio. E só depois
de um período cuja extensão ninguém se arrisca a calcular, o número de
casos de mortes por coronavírus começará a diminuir lentamente. O Amazonas é o primeiro
Estado onde o sistema médico entrou em colapso. Ali, onde já morreram 23
pessoas, o número de infectados subiu em um dia de 532 para 636. Já
passa de 95% a taxa de ocupação dos leitos disponíveis nos 4 principais
hospitais públicos de Manaus. O Secretário de Saúde deverá pedir
demissão hoje.
No Rio, é de 25% o índice
dos profissionais de saúde da rede pública infectados pelo vírus –
superior ao da Espanha e de Portugal (20%) e maior que o da Itália
(15%). Em São Paulo, 3.346 profissionais da rede pública e privada de
saúde foram afastados por doenças diversas – 737 deles vítimas do
Covid-19. Se respeitadas as
restrições baixadas pelo governo de São Paulo, estima-se que o número de
mortos pelo vírus ao cabo dos próximos 180 dias ultrapasse a casa dos
110 mil. Foram 371 até ontem. Na guerra contra o Paraguai, que se
estendeu de dezembro de 1864 a março de 1870, o Brasil perdeu cerca de
50 mil homens.
O inimigo desta vez é
muito mais poderoso, além de invisível, além de rápido no gatilho. E
ainda não foi descoberta uma arma capaz de matá-lo. Ou de mantê-lo à
distância.
Blog do Noblat - Ricardo Noblat, jornalista - VEJA
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