Nada disso, claro, atingiu o funcionalismo público. Desde o início da pandemia, os servidores mantiveram vencimentos integrais e as regras privilegiadas que tornam uma demissão evento tão raro quanto as conjunções planetárias mais improváveis. A única restrição foi o congelamento de reajustes. Só isso já bastou para despertar reação nas castas privilegiadas do funcionalismo.
De acordo com reportagem do jornal “Folha de S.Paulo”, juízes, procuradores e outros representantes dessa elite deram um jeito de obter, em plena pandemia, a liberação de pagamentos por verbas extras a que fizeram jus no passado e, pela lei absurda que rege o trabalho no serviço público, tinham direito. Tais “passivos administrativos” incluem adicionais por tempo de serviço, exercício de cargos comissionados, licenças-prêmio e toda a barafunda de benesses escandalosas.
A manobra é ainda mais escandalosa se levarmos em conta a crise fiscal profunda que atinge o Brasil, e a dificuldade para encontrar recursos capazes de sustentar o auxílio emergencial aos necessitados. Deve ser aplaudida, por isso mesmo, a indagação da presidente do TST, ministra Maria Cristina Peduzzi, que se recusou a pagar a maior parte dos passivos que eram sugeridos: “A título de provocação à reflexão, caso não fosse pago nenhum valor de passivo administrativo, quantos auxílios emergenciais que se encontram em via de extinção, mesmo com a permanência da pandemia, poderiam ser pagos?”.
Infelizmente, atitudes como a dela são raríssimas nas corporações de servidores, sobretudo na casta mais alta, a elite do funcionalismo que está no topo da pirâmide da sociedade brasileira, uma das mais desiguais do mundo. A manobra revela a urgência de uma reforma administrativa que não poupe essa elite e acabe em definitivo com quinquênios, licenças-prêmios, auxílios isso e aquilo e todo o festival de privilégios abjetos que custam caríssimo e em nada contribuem para a qualidade do serviço prestado pelo Estado ao cidadão.
Editorial - O Globo
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