Folha de S.Paulo - O Globo
Episódio envolvendo tornozeleira eletrônica reflete o artificialismo das crises que o bolsonarismo quer impor ao processo eleitoral. Não foi a primeira nem será a última
Foi o próprio ministro Alexandre de Moraes, que havia determinado o uso da tornozeleira, quem apontou a maluquice de situação: “Não só estranha e esdrúxula situação, mas também de duvidosa inteligência a opção do réu, pois o mesmo terminou por cercear sua liberdade aos limites arquitetônicos da Câmara dos Deputados, situação muito mais drástica do que àquela prevista em decisão judicial”. Elementar: com a tornozeleira o deputado podia ir à padaria. Entrincheirado no gabinete não podia ir nem à padaria e seus movimentos estavam controlados.
Alexandre de Moraes dobrou a aposta. Bloqueou as contas do deputado que desafiava o Judiciário, impôs-lhe uma multa de R$ 15 mil diários. Daniel Silveira foi para casa e no dia seguinte compareceu à Polícia Federal. Saiu de lá tornozelado.
Terminava assim o episódio circense que reflete o artificialismo das crises que o bolsonarismo quer impor ao processo eleitoral. Não foi a primeira nem será a última.
Pindorama é PindoramaSabe-se lá o que tinha na cabeça o deputado Daniel Silveira quando decidiu se entrincheirar na Câmara para descumprir a decisão do ministro Alexandre de Mores. Uma ideia parecida já ocorreu, teve triste desfecho e um momento ridículo.
Em 1966, o Brasil era presidido pelo marechal Castello Branco e a Câmara pelo deputado Adauto Lúcio Cardoso. Eles se respeitavam, e Castello havia prometido que não cassaria mandatos de parlamentares (o Ato Institucional nº 2 dava-lhe esse poder.)
No dia 12 de outubro, Castello Branco cassou os mandatos de seis deputados. Adauto recusou-se a aceitar a cassação, e alguns dos deputados cassados continuaram no prédio da Câmara. No dia 14, o presidente decidiu fechar o Congresso. O general Ernesto Geisel, chefe de sua Casa Militar, achava preferível cassar Adauto, mantendo o Congresso aberto.
No dia 20, foi desencadeada uma operação militar. A determinada hora da noite, seria cortada a energia do prédio do Congresso e uma tropa comandada pelo coronel Meira Mattos cumpriria a ordem de fechar o Parlamento. À hora prevista, hierarcas do Planalto foram para a janela para assistir ao apagão do Congresso. Pfff e apagaram-se primeiro as luzes do Planalto. O Congresso continuou iluminado até as 5h da manhã.
A segunda parte da operação foi em frente. Adauto e Meira Mattos tiveram o seguinte diálogo:
Adauto: “Estou admirado de vê-lo aqui, coronel, não para cumprir um decreto, mas para o cerco ao Congresso.”
Meira: “E eu, admirado por sua atitude anti-revolucionária.”
Adauto: “Eu sou, antes de mais nada, um servidor do poder civil.”
Meira: “E eu, deputado, um servidor do poder militar.”
O Congresso só foi reaberto em novembro.
Em janeiro de 1967, numa decisão típica de sua postura ambivalente, Castello Branco convidou Adauto Lúcio Cardoso para o Supremo Tribunal Federal e ele aceitou. [em nossa opinião efetuar o convite foi um dos raros erros cometidos por Castello Branco;
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