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segunda-feira, 13 de junho de 2022

Cem dias de guerra - Revista Oeste

Flavio Morgenstern

A pior notícia para a Ucrânia é o alento para o mundo: ela hoje está sozinha, implorando ajuda 

Não é chocante dizer que o mundo mudou mais nos últimos dez ou mesmo cinco anos do que no período compreendido entre a década de 1910 e a Guerra Fria. O século 21, inaugurado em seu primeiro cataclismo no 11 de setembro de 2001, foi abalado por reiterados eventos que mudaram a configuração, a cultura ou ao menos o clima político de países bem afastados de seu epicentro: a crise de 2008, a Primavera Árabe se espalhando como fogo numa floresta seca, a eleição de Trump (e mesmo de Bolsonaro), a pandemia do covid e, agora, a guerra na Ucrânia.

Pessoas atravessam uma ponte destruída ao evacuar a cidade de Irpin, a noroeste de Kyev, durante bombardeios | Foto: Shutterstock
Pessoas atravessam uma ponte destruída ao evacuar a cidade de Irpin, a noroeste de Kyev, durante bombardeios -  Foto: Shutterstock

Algo une esses eventos: o quase integral desconhecimento dos formadores de opinião sobre seu desenvolvimento — ainda que a onda conservadora eleitoral só não tenha sido compreendida pelas elites. Se a crise do mercado financeiro era um assunto técnico, a guerra na Ucrânia se destaca pelo seu exotismo. É curioso pensar o que se sabia sobre a Ucrânia no Ocidente até o fim do ano passado, quando Vladimir Putin começou a ameaçar o país de maneira mais ostensiva. Passados cem dias de conflito, ainda é difícil a ocidentais aprender algo dos destroços, mas algo podemos tatear sobre o futuro geopolítico a partir destes cem dias de destruição.

Provokatsiya: dois métodos de guerra
Uma das palavras russas que se parecem com o português é a especialidade dos autocratas russos, sejam os tsares, os ditadores socialistas, sejam os autocratas da nova Rússia: a provokatsiya como gestão de vizinhos, negócios e, sobretudo, inimigos. 
A Rússia, imponente como território e de mentalidade militar desde as reformas de Pedro I, o Grande, e seus anseios por uma Marinha russa pujante, pode constantemente provocar seus inimigos a se moverem, apenas por defesa.

Foram exatamente mobilizações russas na sua imensa fronteira que esquentaram o clima militar na crise de julho, que culminou com a Primeira Guerra Mundial. Putin fez exercícios militares constantes na fronteira ucraniana, e na Geórgia, e em direção à Polônia, antes de finalmente invadir a Ucrânia.

E os movimentos militares russos ainda confundem o Ocidente: o equipamento militar russo do primeiro cerco a Kiev parecia obsoleto, mas ao mesmo tempo possui aviões supersônicos e um conjunto ofensivo de mísseis que rompe barreiras antimísseis com frequência assustadora (e os testes continuam, como na costa japonesa).

A forma russa de fazer guerra, até mesmo na Segunda Guerra Mundial, já envolveu mandar soldados aos pares para o front com apenas um fuzil: quando o primeiro morresse, o segundo tomava a arma e seguia adiante.  
Usar vidas humanas como peões de xadrez ainda é uma constante: contingentes terrestres de soldados aparecem aos montes, sem parecer haver muita preocupação com proteção. A ofensiva é pelo enxame, desnorteando a defesa — mas após destruição aérea e com amplo suporte.

O resultado parece confuso, com dois generais russos sendo mortos em um único dia, totalizando 52 coronéis mortos, ou com a perda de algumas cidades e muitas tropas (e dinheiro), dando a impressão de que Putin perde o controle em algumas ofensivas, ao mesmo tempo em que também parece ter uma vitória esmagadora em Donbass e domina o lado oriental da Ucrânia, já tendo domínio sobre 20% do país. A um só tempo, a Otan fica confusa em saber se retiradas são mesmo retiradas ou novas mobilizações que pareçam até contraditórias.

Se os carros, os tanques e, sobretudo, a munição russas não parecem em bom estado para as tropas terrestres, o mesmo não se pode dizer do armamento de ponta. No fim de maio, russos testaram o míssil hipersônico Zircon, de lançamento marítimo. O receio para o Ocidente é a utilização de armamento inédito, como bombas eletromagnéticas, nunca testadas contra alvos humanos, ou artefatos como a “maior bomba não nuclear” do mundo, o que poderia causar o efeito de uma bomba nuclear sem o risco de um ataque nuclear em um vizinho.

Putin tem se saído um exímio vencedor, sem que o Ocidente consiga nem ao menos entender o que testemunha

Na Ucrânia, cidades foram cercadas, como Kiev, Slovyansk, Kramatorsk, seguindo-se tal paradigma. Com seu contingente, russos podem obrigar o inimigo a gastar tempo se movimentando, mesmo que de forma inútil ou contraditória, apenas para evitar o risco de serem atacados. 
O modelo de luta da Otan é quase invertido: intervenções pontuais, com o mínimo possível de baixas dos próprios exércitos, com retratações rápidas para reagrupamento e realocação. O que os russos consideram um modelo “marítimo” (talassocrático) de guerrear. Determinar quem está ganhando ou perdendo neste novo modelo é tarefa quase impossível.

Mudanças temporais
A mesma incompreensão se dá na dinâmica temporal.
O Ocidente já se meteu em guerras nas quais não fazia a menor ideia do que estava fazendo: Coreia, Vietnã, Afeganistão (crendo que armar um guerreiro muçulmano seria uma forma de enfraquecer o “inimigo ateu” soviético), Iraque. Putin, possivelmente com câncer, não pensa no tempo de sua vida: está em um conflito armado com a Ucrânia, a “Pequena Rússia”, há mais de três séculos, e não pretende resolvê-lo no tempo de sua vida. Valores como “defender o povo” valem mais para um russo do que nossa confusão entre esquerda e direita — e o legado que o autocrata pretende deixar com a guerra e com as mudanças no tabuleiro geopolítico não pode ser facilmente compreendido por nossa visão no máximo eleitoral, de quatro em quatro anos.

Putin pode enfraquecer a Ucrânia, criar governos de autóctones que possa controlar diretamente de Moscou em diversos países-satélites (já havia feito o mesmo com a Guerra Russo-Georgiana, em 2008, num país bem menor e mais facilmente controlável), demonstrar o poder russo para fazer a Otan se retrair e ganhar influência sobre a Europa, até começar a chegar à Polônia, à Alemanha e sabe-se lá mais onde. Em todos esses intentos, Putin tem se saído um exímio vencedor, sem que o Ocidente consiga nem ao menos entender o que testemunha.

Dois lados errados
Em relação à Ucrânia, a Otan vem testando os limites do poder de Putin desde pelo menos a era Obama — foi o ex-presidente que afirmou que convidaria a Ucrânia para a organização, o que nem sequer faz sentido: o estatuto da Otan impede o ingresso de países com conflitos territoriais.
 
Os membros da Otan não têm nenhuma clareza sobre a instituição, e seus dirigentes atuais são pouco instruídos sobre os problemas históricos que enfrentam. Exemplo paradigmático foi a exclusão da Rússia do sistema bancário Swift por Joe Biden. 
Ora, impedir que russos acessem o sistema bancário internacional parece ser uma medida tomada contra a Cuba de 1959, não contra um país patrocinado pela China, e que, ao transferir boa parte de suas reservas para o iuane, pode, pelo contrário, quebrar o dólar sem falar em criptomoedas e no mercado negro.

Mas a Suíça também é um novo paradigma do novo mundo, por aceitar o pedido — logo a neutra Suíça, que passou por duas Guerras Mundiais sem envolvimento, sendo usada quase como sinônimo de hospitalidade e não adesão. Caso este conflito escalone, além de mudanças em moedas, na balança comercial, na produção (na qual os fertilizantes brasileiros têm papel fundamental), veremos uma Europa que não reconhecemos, além de uma dependência cada vez maior das potências entre si, sem falar no risco de conflito com a também turbulenta China, que violou o espaço aéreo de Taiwan seis vezes na mesma manhã da declaração de guerra com a Ucrânia.

Vemos nesta guerra dois lados errados: a Otan com a instalação de bases militares, como a da Romênia, enquanto Putin quer instaurar um totalitarismo, com propaganda de ser um cruzado contra a “decadência” e a “nazificação” ucranianas.

As guerras mundiais começaram por fatores diversos, que entrelaçaram diversos países. A pior notícia para a Ucrânia é o alento para o mundo: ela hoje está sozinha, implorando ajuda. E o Ocidente não quer se comprometer. [Comentando: antes mesmo do primeiro disparo já antecipávamos que a Ucrânia seria a perdedora e alertávamos  que o ex-comediante que ainda preside aquele País, estava arrumando uma guerra na expectativa de seus 'aliados de discurso' aceitassem combater por eles e estes queriam testar o poderio militar russo sem se comprometerem - afinal, a última coisa que os 'líderes' da Otan querem é arrumar uma guerra contra a Rússia - ninguém tem dúvidas que se necessário a Rússia usará armamento nuclear, provavelmente tático, sem que a Otan revide = é bem mais fácil lançar bombas nucleares sobre um Japão moribundo - caso Nagasaki/Hiroshima - do que sobre uma Rússia com capacidade de revide = não esqueçamos que um revide levará a uma retaliação que resultará no fim do planeta Terra
Portanto,  é bem mais fácil dar corda a uma Ucrânia presidida por um 'estadista',  que pensa que uma guerra é uma comédia.]

Leia também “Luz em tempos de escuridão”

Flavio Morgenstern,m colunista - Revista Oeste


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