Dossiê entregue ao governo denuncia esfacelamento de programa de proteção e como é descartável a vida de quem deveria ser protegido pelo Estado
Floresta Amazônica // (Mauro Pimentel/AFP)
Está na mesa do ministro Silvio Almeida (Direitos Humanos e Cidadania) – e também no gabinete do ministro Flávio Dino (Justiça e Segurança Pública) – um dossiê que denuncia o tamanho da fragilidade da vida de pessoas marcadas para morrer, e que estão sob a proteção do Estado. Ou deveriam estar.
O dossiê, assinado por advogadas e advogados da organização não governamental Rede Liberdade, escancara o esfacelamento e as limitações do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, o chamado PPDDH, criado em 2004 para garantir segurança a grupos que sofrem ameaça e estejam em risco em função do trabalho que exercem. Instituído em âmbito nacional, o PPDDH resultou na criação de programas locais em 11 estados – um deles é o Pará, foco principal do dossiê da Rede Liberdade.
Desde o fim de 2019, acompanho de perto o trabalho da Rede Liberdade, organização criada pelo advogado Beto Vasconcelos, ex-secretário Nacional de Justiça e presidente do seu Conselho. A organização atuou em casos emblemáticos de violações de direitos e liberdades. Casos como o massacre da favela de Paraisópolis, em São Paulo, e a prisão indevida das lideranças de moradia Preta Ferreira e Carmen Silva, e dos brigadistas de Alter do Chão – voluntários que, no fim de 2019, trabalhavam em conjunto com os bombeiros locais para apagar os incêndios na floresta e foram presos sob a falsa acusação de, justamente, atear fogo na mata. (Na mesma data, a ONG Saúde e Alegria, uma das mais premiadas e respeitadas organizações brasileiras, foi invadida pela polícia e teve computadores e documentos apreendidos.)
Sobre os defensores de direitos humanos, esqueça a imagem do homem branco, navegando por rios amazônicos num barco do Greenpeace, defendendo a floresta. Ou intelectuais brancos sudestinos intimidados por vocalizar críticas a governos autoritários. Estes têm seus muitos méritos, especialmente nos últimos quatro anos diante de um governo que criminalizou ambientalistas, disseminou o desprezo à ciência e estimulou o ódio aos opositores. Mas o problema aqui é de outra ordem.
Defensores e defensoras com vidas ameaçadas que estão no dossiê da Rede Liberdade são agricultores familiares, indígenas, pessoas negras das periferias mais fragilizadas, ribeirinhos e quilombolas – gente pobre e corajosa que defende a democracia e os direitos humanos com a própria vida. Lutam quase sozinhos para manter a floresta viva, em pé e como um bem público e coletivo, contra forças bem mais poderosas, e invariavelmente armadas.
(...)Viram de perto as precariedades descritas pelo documento da Rede Liberdade. Exemplo? “Uma das defensoras atendidas pelo programa foi encaminhada para o acolhimento devido ao problema de saúde após atentado contra sua vida, de modo que precisava de atendimento especializado e tratamento contínuo. Contudo, durante os três meses em que esteve no acolhimento, não houve o devido atendimento médico, mesmo após inúmeras solicitações.” Outra teve um bebê e sangrou, sem assistência devida, por um ano e meio.
(...)
Coluna Rodrigo de Almeida, ÍNTEGRA DA MATÉRIA, Revista VEJA
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