Imagine um círculo quadrado. Não conseguiu? Tente uma mistura homogênea
de água e azeite. Nada?
Quem sabe, então, o velho Karl Marx desfiando o
terço, piedosamente, numa procissão de Corpus Christi? Difícil, não é
mesmo?
Existem, de
fato, coisas inconcebíveis. Uma delas é ser cristão e comunista.
É
perfeitamente possível ser cristão, é perfeitamente possível ser
marxista ou comunista, mas resulta impraticável assumir, ao mesmo tempo,
as duas condições.
Cristãos-comunistas são um sincretismo tentado por
Teilhard de Chardin, que dizia adorar “em espírito e verdade o Deus para cima dos cristãos e o Deus para frente dos marxistas”,
como se os Evangelhos fossem uma espécie de minuta do Manifesto
Comunista, transformado em Pentecostes tardio.
E o Espírito Santo foi
pegar logo um ateu para completar a Revelação... Querer o comunismo e
não dar esse nome ao que querem – tipo utopia ou socialismo – tampouco
resolve essa encrenca.
Não deixa
de ser sintomático que tal mancebia espiritual acabe sendo assumida,
sempre, por alguns cristãos e jamais pelos marxistas.
Em vez de estes
encontrarem Cristo, são aqueles que se deixam seduzir por Marx, numa
espécie de perversão da conversão, ou, para dizer como os psicólogos,
padecendo de uma síndrome de personalidade dissociativa (dupla
personalidade).
Roger Garaudy, marxista, foi muito claro e honesto
quanto a isso ao proclamar “Non possumus”, ou seja, “não podemos” conciliar nossas esperanças.
Ademais,
não faz sentido aos cristãos se enfeitarem com o adjetivo marxista ou
abraçarem o comunismo quando o próprio Cristo e seus seguidores são
rejeitados como ópio do povo pelos discípulos do velho Karl.
Se não por
coerência, ao menos por dignidade e respeito a tantos mártires, essa
conjugação absurda deveria ser refugada pelos cristãos.
A obra de
Marx é um conjunto unitário que engloba uma política, uma economia, uma
antropologia e uma sociologia, num encarte filosófico totalmente
divergente do Cristianismo e que hoje domina o pensamento acadêmico.
Assim, por exemplo, o materialismo dialético, que leva ao materialismo
científico, é a base dogmática irrecusável do marxismo. Pode o cristão, à
luz de sua fé, aceitar o materialismo dialético: “tudo é matéria, a
matéria é eterna e não criada, a consciência é o grau superior da
matéria”?
Pode um cristão inteligente aceitar o materialismo histórico,
dito científico, que na verdade é apenas ideológico, antimetafísico e
enganoso, quando resultaram em equívoco todas as previsões feitas a
partir dele?
A mística
marxista afronta o cristão. Assim, a “salvação” é a construção da
sociedade sem classes; o “pecado original” é a propriedade; a “Igreja” é
o partido.
Parece-lhe pouco? Pois existem outras diferenças radicais
entre a caridade cristã e a praxis marxista, entre a ética cristã e a
justificação dos meios pelos fins (defendida por Lênin em Les taches des
unions de la jeunesse), sem esquecer o abismo que separa os respectivos
conceitos sobre trabalho, propriedade, luta de classes, liberdade e
justiça. Basta?
Apequenam sua fé os cristãos que se socorrem de Marx. Ou vestiram pele de cordeiro.
Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
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