O Globo
Todos os textos da prova revelam clara orientação de esquerda, não raro de uma esquerda velha [esquerda corrupta, criminosa, vencida no tempo e espaço.]
A prova seria neutra, portanto. Mas, sendo assim, parece razoável que os testes, principalmente quando tratam de política, sociologia, economia ou História, tragam diferentes visões teóricas. Dupla neutralidade. Não é o que se viu no último Enem. Todos os textos revelam clara orientação de esquerda, não raro de uma esquerda velha.
A questão 61 da prova branca apresenta um texto de Michel Foucault, filósofo francês, sofisticado pensador de sucesso nos anos 1970 e 1980. Difícil leitura, mesmo para universitários. Mas a frase do Enem não é das mais complicadas. Afirma que o capitalismo introduz ilegalidades em todas as camadas da sociedade. Mas as classes privilegiadas desfrutam ilegalidades mais proveitosas, digamos assim. De qualquer modo, capitalismo é igual a ilegalidade.
Seguem-se questões com base em textos de outros dois filósofos franceses do século passado, Sartre e Merleau-Ponty. Foram pensadores de esquerda, mas na prova do Enem as frases não têm contexto político direto. A questão 46, do filósofo marxista alemão Theodor Adorno, também do século passado, não deixa dúvidas sobre a orientação. Sustenta que, no capitalismo, a diversão é o prolongamento do trabalho. E, se o trabalho é explorado pelo capital, como entender a diversão?
De novo, sei que não se pede ao aluno que concorde com o texto. Mas certamente deixa o estudante embaraçado topar com algo tão distante da realidade. Dificulta responder se conhece o ambiente da tecnologia ou se pretende trabalhar nele.
A menção a camponeses chamou a atenção. Mesmo no pensamento de esquerda, não se usa mais esse conceito. Fala-se de trabalhador rural, pequeno produtor familiar. A fonte é um ensaio publicado na Revista de Geografia da UEG, que começa pela discussão do conceito de camponês. Baseado em teorias de Marx e Lênin!
Para entender o agronegócio do século XXI.
O aluno não é obrigado a concordar. Mas imaginem o desconforto de um jovem que more numa das tantas áreas do Brasil onde o agronegócio gera riquezas e intensa atividade econômica. Ele lê aquele texto e vai procurar onde está a pegadinha. Imagine o desconforto de um aluno que pretende frequentar alguma escola de agronomia, pois vê no noticiário que o Brasil sabe produzir alimentos para o mundo.
Há também questões que comentam positivamente a agricultura urbana no Rio. As hortas de apartamento no lugar da enorme produção do agro? A orientação da prova se mostra também pelo que não traz. Nada sobre democracia, liberdade de imprensa, direito de voto, valores individuais.
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