Após
ter os aparelhos hospitalares que a mantinham viva desligados – mesmo
com a Itália oferecendo cidadania, translado e tratamento sem onerar seu
país natal – a britânica Indi Gregory, de apenas oito meses, foi mais
uma vítima do sistema de saúde da Inglaterra.
Lançado em 1948, o NHS
[sigla em inglês para Serviço Nacional de Saúde], que se orgulha de ser
“o maior serviço de saúde com financiamento público do mundo”, tem um
histórico de idas ao tribunal para encerrar o tratamento de pacientes
menores de idade (na maior parte das vezes, bebês) considerados sem
possibilidade de cura por seus médicos. Como no caso de Indi, o NHS tem
vencido na justiça os litígios, ainda que os pais dos pacientes
“terminais” apelem, apresentando alternativas de tratamentos em outros
países.
De maneira simplificada, a legislação estabelece a superioridade da
decisão da justiça sobre a dos pais em decidir o que é de maior
interesse da criança.
Em outras palavras, o sistema
de saúde governamental seria capaz de discernir com mais clareza (entre
os motivos, por não ter o envolvimento emocional comum aos pais) o que é
melhor para o bem-estar de um menor.
O corpo médico do Queen's Medical
Center, onde Indi Gregory estava internada, argumentou que ela estava
morrendo e que o tratamento aplicado apenas causava dor a uma pessoa sem
consciência. “Morrer em paz”, portanto, seria a melhor alternativa na
visão dos especialistas. Embora os pais tenham discordado, a justiça
ficou do lado dos médicos.
Depois de um tribunal de
primeira instância decidir que a remoção do suporte vital era do
interesse de Indi, e que ela deveria morrer em uma instituição de saúde,
os pais e o governo italiano pediram permissão à justiça para que a
pequena fosse tratada no Hospital Infantil Bambino Gesu, em Roma. A
instituição, ligada ao Vaticano, se comprometeu a arcar com todos os
custos.
O
juiz Peter Jackson, do Tribunal de Apelação, disse que os médicos que
cuidam de Indi e de outras crianças com enfermidades graves foram
colocados em uma posição “extremamente desafiadora” nessas disputas
legais, e condenou o que chamou de “táticas de litígio manipulativas”,
cujo objetivo seria frustrar ordens judiciais.
“Tais ações não serão
toleradas”, afirmou Jackson.
Segundo a decisão,
a tentativa de intervenção italiana no caso é
“totalmente mal
concebida” e
“não está no espírito” da
Convenção de Haia, que tem Reino
Unido e Itália como signatários.
Pesquisadora do
Independent Women's Forum [Fórum Independente de Mulheres, uma
organização americana conservadora com foco em questões de política
econômica que preocupam as mulheres],
Madeleine Kearns admite
que
“os médicos podem estar em melhor posição para avaliar a condição
física de Indi. O juiz e o tutor nomeado pelo tribunal — um terceiro
interposto quando o interesse superior de uma criança está em disputa —
podem ser mais objetivos em sua análise dos fatos". Ainda assim,
Madeleine argumenta que “o julgamento clínico não deve ser dotado de
procuração. E a perícia médica não deve ser entendida como autoridade
moral. Os médicos podem fazer recomendações. Eles certamente podem se
recusar a fazer o que consideram uma má prática médica ou ética. Mas no
final, o paciente – ou, neste caso, a família do paciente – deve ser
livre para ir para outro lugar”.
Para ela, o fato de
os pais serem proibidos de levar a filha para receber tratamento em
outro lugar reforça um perigoso precedente no sistema de saúde
britânico. “Se os tribunais puderem intervir para usurpar os direitos
dos pais neste tipo de casos de fim de vida, é concebível que, no
futuro, o possam fazer quando os médicos de um paciente preferirem a
eutanásia”, diz.
Série de casos
Indi nasceu em 24 de fevereiro, com uma doença mitocondrial rara, sem cura conhecida até o momento, que afeta a produção de energia nas células de seu corpo.
Até mesmo a tentativa dos pais de que ela morresse em casa foi negada nos tribunais, que determinou a transferência da bebê para uma unidade de cuidados paliativos.
Na semana anterior
, o juiz do Supremo Tribunal inglês Robert Peel proibiu a transferência de Indi para Roma, alegando
que não havia provas de que o tratamento proposto pelo hospital do
Vaticano melhoraria a qualidade de vida da paciente. Segundo ele, a
tentativa, pelo contrário
, “perpetuaria um alto nível de dor e
sofrimento” para o bebê, que já tinha dores frequentes e uma
“qualidade
de vida extremamente limitada”. [oportuno lembrar que a conduta adotada com a bebê Indi Gregory é mais um passo rumo a liberação da eutanásia, que certamente alcançará muitos dos desumanos magistrados de agora e do futuro.E, certamente nos seus cérebros condenados, por inúteis, porém vivos, lembrem-se do quanto ajudaram na aceitação da eutanásia - sentença de morte que contra eles estará sendo aplicada.]
O caso Indi Gregory é
o mais recente de uma série de disputas legais entre médicos e
familiares de crianças e adolescentes no Reino Unido. Entre as batalhas
ganhas pelo sistema de saúde na justiça estão os casos de Archie
Battersbee, de 12 anos, que teve o suporte vital removido no ano
passado; de Charlie Gard, que sofria de uma doença mitocondrial, como
Indi, e morreu aos 11 meses, após seu tratamento ser encerrado em 2017; e
de Alfie Evans, que sofria de uma doença cerebral degenerativa rara e
teve os aparelhos desligados aos 23 meses, em 2018;
Em
setembro, Sudiksha Thirumalesh, 19 anos, que sofria de uma doença rara
causadora de fraqueza muscular crônica, morreu depois que o hospital de
Birmingham decidir interromper o tratamento de diálise e transferi-la
para cuidados paliativos. Sem danos cerebrais, ela pediu aos advogados
que conseguissem uma transferência para o Canadá, onde passaria por um
tratamento experimental, mas a justiça britânica negou a solicitação. Eu quero morrer tentando viver. Temos que tentar de tudo”, disse a menina.
Em
2014, os pais de Ashya King, de cinco anos, afetado por um tumor
cerebral, “sequestraram” o filho do Hospital Geral de Southampton, na
Inglaterra, para que a justiça não lhe aplicasse uma sentença de morte
como se fosse algo de “seu maior interesse”. O casal chegou a ser preso
na Espanha, mas conseguiu levar o filho para a República Tcheca, onde
uma terapia com prótons foi eficaz na cura do câncer.
“Em
alguns casos, as famílias optaram pela via de fato: levar diretamente o
menor sem esperar autorização, como aconteceu com Ashya King. É a
triste consequência da jurisprudência restritiva que parece estar
consolidada [no Reino Unido]”, afirma Guillermo Morales Sancho, advogado da Alliance Defending Freedom [Aliança em Defesa da Liberdade], que oferece apoio jurídico em casos do tipo.
Bruna Komarchesqui, colunista - Ideias - Gazeta do Povo
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