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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Prendam Cid e amotinados - José Nêumanne

[Conheça melhor  sobre as mutretas de Alcolumbre.]

O senador licenciado Cid Gomes, que tentou numa retroescavadeira atropelar PMs amotinados num quartel em sua cidade, Sobral, e estes, dos quais um atirou no frustrado invasor, já deviam estar presos, pois neste caso de truculência de ´parte a parte ninguém tem razão e ninguém pode alegar direito de legítima defesa.

Prendam Cid e amotinados

Mas neste país surrealista, que nem Franz Kafka nem Gabriel García Márquez seriam capazes de imaginar, o político se mantém livre porque tem foro privilegiado e os policiais fora da lei serão em breve anistiados. Afinal, depois de episódios similares ao de quarta-feira, nenhum agente da lei que a viola foi punido como deveria. Assim como não será feita a perícia exigida pela Justiça do cadáver do miliciano Adriano, porque, para perplexidade geral, o IML do Rio não dispõe de uma câmara frigorifica. Direto ao assunto. Inté. E só a verdade nos salvará.




sábado, 18 de maio de 2019

Governo, vamos ao que interessa!


 Há um desejo generalizado do povo brasileiro, já expresso inclusive nas redes digitais do excelentíssimo senhor presidente, para que o governo — ele pessoalmente e seus assessores mais próximos — deixe de dizer tantas bobagens e parta logo para fazer o que interessa. Qual seja: atacar de frente os problemas estruturais, o desemprego e a paralisia da economia, fundamentalmente, que castigam de maneira lancinante a população em geral. Mas a verdade nua e crua é que essa turma tem uma predileção por se enredar em baboseiras temáticas sem trégua e não cansa de estarrecer com seus destemperos verborrágicos. A ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, por exemplo — que ameaçou sair do cargo e voltou atrás recentemente —, ofereceu mais uma pérola de analise social ao chamar uma personagem infantil da Disney, do premiado filme Frozen, de lésbica. 

Não foi a primeira dela, nem a única dentre o cipoal de cretinices de seus colegas de ministérios, mais atentos à autopromoção por meio de atos e palavras fora do que se convencionou chamar de politicamente correto. Também pudera! O presidente Bolsonaro, que comanda esse verdadeiro exército de Dom Quixote contra moinhos imaginários, é o primeiro a dedicar tempo para análises sobre a higiene do órgão sexual masculino e situações bizarras de golden shower. Em seus posts e mensagens, de cada duzentas citações apenas quatro se referem a questões candentes como a Reforma da Previdência. Ele não quer mesmo tratar do que importa. O ministro da Educação, em sua bagagem intelectual incomparável, cita a Kafta da culinária árabe para se referir ao escritor alemão Franz Kafka

E todos festejam alopradamente o desbocado guru Olavo de Carvalho que se refere a um general do primeiro escalão do Executivo como “bosta engomada”. Seriam pitorescas, insignificantes e até desprezíveis tantas ignomínias se o mandatário em pessoa não modelasse a administração federal por essa, digamos, pauta de costumes. [certamente os que elegeram o presidente Bolsonaro querem mudanças nos costumes, mas, não a pauta apontada e que atenta gravemente contra os BONS COSTUMES.] O tragicamente factual é que ele, ao menos nesses quatro meses de início, tem dado, sim, enorme valor e consequência às birutices virtuais que se transformam em ações tortas. O caso do decreto que ampliou consideravelmente as permissões para porte de armas é típico. Primeiro, ele falou em excluir de culpa produtores rurais que, deliberadamente, atirem e acertem invasores de terra. Note-se que não foi sequer tipificado de qual tipo de invasor está se falando. 

Uma criança que entre na propriedade para roubar uma manga do pé pode virar alvo e o ladrão de galinhas também. No limite da barbárie, Bolsonaro foi adiante com o decreto sem consultar o ministro da Justiça, Sergio Moro, que claramente era contra. Não aguardou pareceres jurídicos a respeito e mandou ver no seu desejo incontido, a despeito de tudo e de todos. Feriu constitucionalidades e o brio do próprio Congresso que, atropelado pelo “requerimento de urgência” da medida, reagiu falando em barrar a iniciativa. Resultado: o governo terá mesmo de voltar atrás. Tanto o Senado quanto a Câmara dos Deputados já levantaram inúmeras incongruências do decreto. [a própria utilização de um decreto para modificar uma Lei - ampliando seu alcance, entre outras mudanças incabíveis,  no âmbito de um instrumento que se destina mais a regulamentar e não a modificar o que deveria regulamentar  - é uma flagrante inconstitucionalidade, que qualquer pessoa capaz de somar 2 + 2,  pode perceber.

O mínimo que se espera do presidente Bolsonaro é que os que aprovaram o texto, e o uso, do decreto, induzindo-o a assiná-lo, sejam demitidos - não pelo conteúdo do documento, que é o desejo da maior parte dos brasileiros, e sim pelo uso indevido de um decreto.] - Na sexta-feira 10, o capitão reformado capitulou: “Se for inconstitucional, o decreto de armas tem que deixar de existir”. Parecem inevitáveis injunções nesse sentido. Perdeu-se tempo e discussão com algo que não seguiu os trâmites habituais. Há regimento, método e arbitragem de poderes — incluindo o Supremo Tribunal Federal na panela — que devem antecipadamente ser consultados pelo mandatário. [um decreto, desde que não seja inconstitucional - ponto que  pode ser atendido por um exame atento e prévio - pode ser editado sem tantas consultas - que devem ser realizadas mais para contemplar o aspecto político, desde que o texto não contenha inconstitucionalidades.
A palavra final sobre inconstitucionalidades é do STF, mas, qualquer  advogado de porta de cadeia sabe que aquele decreto é inconstitucional. ]
 
Ele não o faz. Corriqueiramente os despreza. Não monta uma tropa de choque para articulação. Não tem um grupamento mínimo e eficaz de parlamentares para chamar de seu. Os ministros, como Paulo Guedes, da Economia, e o próprio Moro vão a negociações nas plenárias completamente desprotegidos e viram foco de ataques da oposição sem clemência. 

Mesmo trazendo consigo projetos que realmente importam e transformam o status de paralisia e retrocesso da Nação. Como mover o desenvolvimento por essa trilha? Está evidente que não se vai a lugar nenhum assim. É necessário, vital, uma mudança de postura de Bolsonaro e dos comandados. Que deixem de lado as gracinhas, provocações e acintes. Transformem o anseio geral expresso nas urnas em realizações efetivas.

 Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três - Revista IstoÉ




segunda-feira, 11 de março de 2019

Quem governa melhor: Sancho Pança ou Dom Quixote?

A história se passa na Espanha do século XVI e os heróis parecem ter errado de século. Dom Quixote não realiza seus sonhos, a não ser em sonhos outra vez


Dom Quixote e Sancho Pança encantam leitores há mais de quatro séculos. O livro de Miguel de Cervantes foi eleito o melhor romance do mundo nos últimos 400 anos. A votação deu-se na Noruega, em 2002, e o júri foi composto por 100 respeitados autores de 54 países. Dom Quixote obteve 50% a mais de votos do que o segundo colocado, Em busca do tempo perdido. A pesquisa, realizada em 2002, integrou uma campanha dos editores noruegueses para incentivar a leitura dos clássicos diante das atrações da televisão, de vídeos e de jogos de computador.

Dez escritores tiveram mais do que um livro de sua autoria na lista, como foi o caso dos russos Leon Tolstói e Fiódor Dostoiéviski, do judeu-checo Franz Kafka, dos britânicos William Shakespeare e Virgínia Woolf, do alemão Thomas Mann, dos franceses Marcel Proust e Gustave Flaubert e do colombiano Gabriel García Márquez. Do total dos eleitos, 75% eram europeus, 50% foram escritos no século XX e 10% foram de autoria feminina. Os motivos para o sucesso multissecular de Dom Quixote são muitos, mas um dos principais é a corda bamba em que razão e loucura dialogam ao longo do livro por meio de curiosas proposições e tramas bem engendradas, temperadas pela sátira aos romances de cavalaria, em cartaz até o século anterior e que então desabaram para o terreno do deboche e do riso.

Dom Quixote enlouquece de tanto ler aqueles romances. E vive alucinado, em tudo contrariando a sabedoria popular do camponês que entretanto aceitou ser seu escudeiro porque tem o sonho de tornar-se governador de uma ilha. Quer dizer, os dois são alucinados, cada um a seu modo.  A história se passa na Espanha do século XVI e os heróis parecem ter errado de século. Dom Quixote não realiza seus sonhos, a não ser em sonhos outra vez. Mas Sancho Pança torna-se governador perpétuo de uma ilha de mil habitantes. Deveria ser uma brincadeira dos senhores locais, um duque e uma duquesa, mas os habitantes são mantidos na ignorância disso justamente para que Sancho Pança seja mais convenientemente enganado.
E o que acontece? O camponês rude e de modos simples governa com sabedoria e bom senso, resolvendo vários problemas, numa época em que o Legislativo, o Judiciário e o Executivo são poderes na mão de um homem só.

Seu governo dura dez dias. Seus atos, alguns dos quais muito rudes, são apoiados pelo povo. Muito satisfeito por ter realizado o sonho que o tirou da placidez e da rotina de seus dias na roça, Sancho escreve para a mulher Teresa Pança contando as boas notícias. Escreve é modo de dizer, porque o governador é analfabeto. Ele manda escrever…  Tudo vai bem, mas de repente rebenta uma guerra. Tal como sua investidura no governo, também a guerra é falsa. Sancho, então, toma uma decisão muito sábia, como, aliás, foram as anteriores para resolver problemas de assédio sexual e calote de dívidas. Ele reconhece que não saberá liderar seu povo numa guerra e renuncia.  Sua renúncia não é como a de Jânio Quadros, num simples bilhetinho. Ao contrário, faz um discurso dizendo que cada um deve fazer aquilo que sabe e não ambicionar o que não sabe fazer.

E como ele reconhece que não sabe governar, despede-se do duque e da duquesa com uma grandeza e um espírito público extraordinários. Diz ele em sua despedida: “Cheguei a esse governo por vossa grandeza, sem nenhum merecimento. Entrei pobre e pobre saio. Nada ganhei, ao contrário dos governadores de outras regiões. Enfrentei os inimigos com coragem e os venci pelo valor do meu braço. Reconheço que governar é uma carga muito grande para mim. Volto a servir a Dom Quixote”.
Fica demonstrado nas entrelinhas da renúncia e da despedida de Sancho que governar é naquela época um ofício da aristocracia que pessoas da condição de Sancho Pança não sabem exercer.
Quatro séculos depois, a sabedoria de um homem simples como Sancho Pança ainda é muito rara.

Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra



quarta-feira, 18 de julho de 2018

Guerrero pode jogar no Flamengo, diz Tribunal Federal da Suíça - Líder do Brasileiro, time volta à competição nesta quarta-feira, contra o São Paulo, no Maracanã

A estrela peruana Paolo Guerrero pode jogar no Flamengo – indicou o Tribunal Federal da Suíça, alegando que “o efeito suspensivo” do recurso interposto pelo jogador contra sua suspensão por um caso de doping ainda é “válido”.
“O efeito suspensivo acordado pelo Tribunal Federal em 30 de maio de 2018 é atualmente válido”, respondeu um porta-voz do Tribunal Federal questionado pela AFP.

No final de maio, o Tribunal de mais alta instância na jurisdição suíça havia estimado que o “recurso interposto pelo jogador de futebol peruano Paolo Guerrero contra a sentença não motivada ditada pelo Tribunal Arbitral del Deporte (TAS)”, suspendendo-a, deveria estar acompanhada de um “efeito suspensivo”, o que permitiria ao jogador disputar a Copa do Mundo-2018.

“Esta é válida enquanto o Tribunal Federal não autorizar outras medidas, ou até que se dite uma decisão final”, explicou o porta-voz do Tribunal.  Durante a Copa do Mundo na Rússia, Guerrero, maior artilheiro da história do Peru (36 gols em 91 seleções), marcou um gol na vitória de sua equipe sobre a Austrália (2-0) e deu uma assistência.

Fla relaciona Guerrero, mas pode ter que escalar Uribe ou Lincoln

De posse de uma liminar que suspende sua punição por doping, Guerrero quer enfrentar o São Paulo, nesta quarta-feira, às 21h45. A Justiça suíça, que concedeu decisão favorável a ele, não vê impedimentos, assim como a Corte Arbitral do Esporte (CAS), que, inicialmente, o afastou do futebol. Ainda assim, a presença do atacante é a grande incógnita da partida. Enquanto ninguém sabe explicar por que o peruano não pode jogar,  o Flamengo se vê prejudicado por uma burocracia quase kafkiano.

Ao contrário de Josef K, protagonista de “O processo”, Guerrero até sabe do que é acusado. Mas sua situação lembra a irracionalidade denunciada no romance de Franz Kafka. O camisa 9 só voltou a atuar porque um tribunal na Suíça, onde seu caso de doping fora julgado, suspendeu a pena. Consultada na semana passada, a CBF não soube dizer ao Flamengo se a decisão valeria também para jogos no Brasil. A indefinição durou até terça-feira, quando a Justiça do país europeu disse que sua decisão ainda é válida. O CAS emitiu opinião semelhante.

As respostas, no entanto, não fizeram com que a CBF se posicionasse. A confederação, que antes sugeriu aos rubro-negros consultar a Justiça Suíça, agora espera a Fifa, entidade máxima do futebol, dar seu aval. Tanto receio se deve ao fato de que, mais à frente, a presença de Guerrero pode ser questionada por algum clube no STJD. Na súmula prévia do jogo, o atleta ainda consta como suspenso por doping. O aviso tem mero caráter de observação. O Flamengo até poderia escalá-lo, mas não quer fazê-lo sem ter segurança jurídica.
— Guerrero está liberado 100%. Temos uma liminar. Se o caso for parar no tribunal da Justiça Desportiva aqui no Brasil, a gente vai lá e ganha. Porque ele tem respaldo legal para atuar — defende seu advogado, Bichara Neto.

Opiniões divergentes
Segundo o advogado Leven Siano, especialista em Direito Internacional, a preocupação do Flamengo é pertinente. Isso porque, em sua interpretação, a Justiça brasileira precisa reconhecer a decisão da Justiça suíça, via Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou, esportivamente, a Fifa comunicar a CBF de que a pena do atleta está suspensa.
O advogado explica que o clube, diferentemente da Fifa, cuja sede é na Suíça — assim como o CAS —, não participou deste processo e precisaria ser comunicado de forma oficial desta decisão judicial.

— A Justiça suíça é soberana na Suíça e não no Brasil. Sem uma liberação do órgão maior do futebol ou da Justiça brasileira, a condição de jogo de Guerrero pode ser impugnada, acarretando penalidade para o Flamengo — explicou.

Desde que se reapresentou após a Copa do Mundo, Guerrero tem treinado no Ninho do Urubu. Inclusive, entre os titulares. O técnico Maurício Barbieri é cauteloso ao falar da escalação do peruano. Mas deixa claro que quer contar com essa opção. O atacante foi relacionado para a partida.
— Estamos esperando o posicionamento oficial da CBF, que é a quem cabe responder, para que possamos ter uma conclusão sobre essa questão. Ele vem trabalhando bem, assim como o Uribe — disse Barbieri, fazendo mistério, contudo, sobre quem será o titular. — O que posso dizer é que ele é uma das opções, contanto que haja um comunicado oficial. Temos outras opções também, não descartando até jogar com dois atacantes. Mas isso eu ainda vou avaliar.

As outras opções, neste caso, são Fernando Uribe e Lincoln. Já Henrique Dourado cumpre suspensão. O centroavante colombiano foi regularizado ontem e está apto a fazer sua estreia pelo Flamengo. Ele não disputa uma partida desde 21 de maio. Mas Barbieri diz não ver problemas nesse hiato de 89 dias.
— O Uribe tem essa situação, mas entendemos que ele pode iniciar sim. Só não tenho como dizer se ele tem condições de terminar uma partida. Mas isso vale para o Guerrero também.

IstoÉ - O Globo

quarta-feira, 23 de maio de 2018

Ex-senador Luiz Estevão terá pena reduzida devido livros que leu na cadeia

Leitura reduzirá pena de Luiz Estevão, mas regra ainda não vale para todos

O senador cassado obtém na Justiça o direito de reduzir a pena a partir dos livros que leu na cadeia, mas o benefício só será estendido para os 15,4 mil detentos do Distrito Federal a partir de junho

Graças à leitura de obras de escritores como Machado de Assis, o empresário Luiz Estevão, condenado a 26 anos de cadeia, reduzirá o tempo atrás das grades. Nenhum preso do sistema penitenciário do Distrito Federal tem hoje direito a esse benefício, não regulamentado em Brasília. Mesmo assim, os desembargadores da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) decidiram, na última segunda-feira, assegurar a diminuição de pena ao ex-senador. O critério recomendado pelo Conselho Nacional de Justiça é a redução de quatro dias para cada livro comprovadamente lido pelo preso, até o máximo de 12 obras por ano. Com isso, é possível abreviar o tempo no cárcere em até 48 dias a cada ano. A partir da regulamentação do benefício autorizado a Luiz Estevão, a tendência é de que haja a liberação da benesse a outros presos.

Desde 2016, Luiz Estevão tentava conseguir o benefício na Vara de Execuções Penais. Ele recorreu, então, à segunda instância. No fim de 2016, a 1ª Turma Criminal manteve o entendimento da Vara de Execuções Penais de que Estevão não atendia aos critérios para a concessão. A defesa do senador cassado recorreu à Câmara Criminal, que, por maioria de votos, decidiu conceder a remição de pena ao empresário. Após a publicação do acórdão, a Vara de Execuções Penais terá de definir os detalhes da implementação do benefício e a possível extensão a outros detentos do Distrito Federal.
 
Até então, o entendimento do TJDFT era de que a redução para Luiz Estevão representaria um “um privilégio, uma ofensa ao princípio da isonomia”. Em uma das decisões que proferiu sobre o assunto, a juíza da Vara de Execuções Penais, Leila Cury, argumentou que as resenhas apresentadas pela defesa à VEP “não atendiam, ainda que minimamente, aos critérios estabelecidos pela portaria que determinou o direito à remição por leitura”. À época, a juíza destacou as dificuldades em implementar o benefício no sistema penitenciário do DF: “A análise deve ser feita de forma detalhada e responsável, levando em consideração, inclusive, a realidade atual do sistema penitenciário, em especial no que tange à superlotação das unidades prisionais e ao acentuado deficit de servidores nelas lotados. Tais circunstâncias têm gerado dificuldades relativas às atividades mais básicas dos estabelecimentos penais”.

Em uma das decisões da VEP sobre o assunto, fica clara a preocupação com possíveis irregularidades, capazes de desvirtuar a iniciativa. “A elaboração de resenha presencial é necessária para evitar possíveis fraudes. A entrada no sistema prisional de resenhas previamente elaboradas por terceiros não seria difícil, e o instituto perderia a função para a qual foi criado. Poderia transmutar-se em ‘moeda de troca’ nas penitenciárias”, diz um trecho da decisão.
 
Resenhas
Segundo o advogado de Luiz Estevão, Wilson Sahade, o empresário “leu obras de renome, como Machado de Assis”. “Ele apresentou as resenhas junto com as obras e se colocou à disposição para fazer os relatos pessoalmente, caso houvesse dúvida sobre a autoria”, explica Sahade. Segundo ele, a defesa recorreu à Justiça para garantir a remição de pena pela leitura, porque faltava uma regulamentação pelo poder público.  Condenado a 26 anos de cadeia pelas fraudes na construção do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Luiz Estevão teve a punição aumentada em mais dois anos, em abril deste ano. A partir de uma denúncia do Ministério Público Federal de 2003, o senador cassado foi condenado novamente por sonegação fiscal. Entre as ações que ainda tramitam contra o empresário está uma de improbidade administrativa, ajuizada em agosto de 2016. Ele é acusado de pagar por uma reforma em uma das alas da Papuda, onde está preso.

Em nota, a Secretaria de Educação informou que seleciona professores para participar do projeto de remição de pena pela leitura, chamado de “Ler liberta”. A previsão é de que haja a implementação em junho. Em abril, a pasta e a Secretaria de Segurança Pública assinaram uma portaria conjunta para a execução da iniciativa. “Está previsto o atendimento para 10% dos custodiados de cada estabelecimento penal, considerando os níveis de escolaridade. Os critérios estabelecidos seguem o determinado na legislação vigente”, informou a Secretaria de Educação. A lista de 46 obras do projeto traz títulos de autores como Ariano Suassuna, Jorge Amado, Lima Barreto, Clarice Lispector, Liev Tolstoi e Franz Kafka.

O que diz a lei
A Lei Federal nº 12.433/2011, que alterou a Lei de Execução Penal, dispôs sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou por trabalho. O texto não menciona leitura. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça expediu a Recomendação 44, que “dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura”. No texto, o CNJ recomendou que as unidades da Federação procurem colocar em prática o benefício, com critérios objetivos. A entidade sugere que o preso tenha de 21 a 30 dias para a leitura da obra, apresentando, ao fim do período, uma resenha.

No DF, a iniciativa foi instituída pela Lei Distrital nº 5.386/14. A norma determina que a Fundação de Amparo ao Preso e a Subsecretaria do Sistema Penitenciário serão responsáveis pela coordenação das ações. “As obras escolhidas pelo reeducando devem integrar títulos selecionados. As resenhas serão elaboradas a cada 30 dias, conforme modelos fixados pela Comissão de Remição pela Leitura, individualmente, de forma presencial, em local adequado e perante funcionários do estabelecimento penal”, diz o texto legal. O preso receberá nota e deverá atingir o mínimo de seis pontos. Segundo a lei distrital, a comissão será composta por um professor de língua portuguesa e um pedagogo.
 
Mecânica e pedreiro
Além dos pedidos por remição de pena por leitura, Luiz Estevão pediu à Justiça autorização para fazer cursos profissionalizantes, como de inglês, mecânica e pedreiro. Com as aulas, ele também poderá abater dias na prisão.  

Correio Braziliense
 

sábado, 9 de julho de 2016

Mau conselheiro



Medo altera de tal modo a percepção da realidade, os sentimentos e o raciocínio que pode levar ao desastre

Um dos mistérios da arte está na capacidade que artistas têm para captar o que ainda vai acontecer, como se fossem antenas a que os sinais chegam muito antes. Um exemplo sempre citado está na obra de Franz Kafka, que parecia antever os horrores do nazismo e do Holocausto, nos enredos em que seus personagens vivem o pesadelo de serem acusados e perseguidos por autoridades inacessíveis, vistos como culpados sem que se saiba por que, reduzidos ao papel de vítimas indefesas que podem ser esmagadas a qualquer momento, como insetos.

O clima atual que a Europa vive, com pavor de ser invadida por estrangeiros, migrantes e refugiados, faz lembrar outras obras-primas da literatura do século XX. Uma delas, “O deserto dos tártaros”, de Dino Buzzati (transformada em filme com um fantástico elenco que incluía Vittorio Gassman e Max von Sydow), captou a atmosfera europeia de final da década de 30, em uma parábola sobre soldados de uma guarnição que deixam de viver sua vida plena para passar os dias em alerta contra eventual invasão de hordas inimigas. 

Outro romance sobre o mesmo tema, transformado em ópera por Philip Glass, é do sul-africano J. M. Coetzee, Nobel de literatura de 2003. Trata-se de “À espera dos bárbaros”, livro em que o medo dos outros é tão intenso que vai além da simples cautela frente à imaginada possibilidade de invasão, e sinistramente mergulha na selvageria humana diante de quem é diferente, convertido então em ameaça. Um alerta sobre essa extrema-direita que cresce em países como França, Áustria, Holanda, apostando na desagregação.

O medo é mau conselheiro. Embora seja fundamental para a autopreservação, altera de tal modo a percepção da realidade, os sentimentos e o raciocínio que pode levar ao desastre, na medida em que, progressivamente, a sensação de insegurança vira angústia, se faz acompanhar da impressão de impotência, e pode evoluir para o pânico ou o terror. Rompe com qualquer racionalidade, transformando-se no que Guimarães Rosa descreveu tão bem, ao dizer que medo é uma espécie de pressa que chega ao mesmo tempo de tudo quanto é lado.

O crescimento da xenofobia e dos ultranacionalismos na Europa se insere nesse quadro. Acossadas de forma muito concreta pelo terrorismo (e o terror é a forma mais poderosa do medo), as pessoas confundem tudo. Enxergam ameaças por toda parte, principalmente de quem vem de fora, seja com medo de perder o emprego ou de que traiçoeiros atentados tragam a morte para dentro de casa.

Esse ambiente de insegurança e corrosão da solidariedade é ideal para a instauração da mentira. Líderes populistas sabem acentuar percepções equivocadas para se aproveitar dele, cevando ressentimentos, demonizando os outros ou se apresentando como defensores únicos da tranquilidade e do bem-estar. É conhecido o recurso de ditadores para unir a população em seu apoio: acenar com um inimigo externo ou ameaça de invasão estrangeira. Vimos isso aqui ao lado na Guerra das Malvinas. E a História da Europa no século XX está cheia de exemplos desse tipo, reforçando diferentes totalitarismos, de Hitler e Mussolini a Salazar e Franco.

Entre nós, há também os medrosos hesitantes, em cima do muro, sabendo o que é certo, mas temerosos do patrulhamento na própria trincheira. Arriscam-se a deixar de seguir a consciência para sair bem na foto. E há os desesperados com a Lava-Jato, a tramar um pacote legislativo que cerceie a ação da Justiça e a enquadre como abuso de autoridade, tentando salvar a própria pele.

A combinação de toda essa gama que vai de um leve receio ao mais deslavado pavor pode ter consequências desastrosas — como o Brexit acaba de comprovar. Com medo da arrogância e poder dos britânicos, a União Europeia se recusou a fazer concessões.

Com medo de negociar em Bruxelas e não ser compreendido em casa, receando o fogo amigo de seu partido se fosse flexível, Cameron bateu pé, fez birra e convocou o referendo irresponsável e desnecessário. Com medo de ser tachado de conservador, o líder trabalhista Corbyn fez só uma campanha morna contra o Brexit. Com medo de mudanças em relação a memórias nostálgicas, os mais velhos decidiram complicar a vida das gerações futuras. Com medo de dar força a esses políticos que aí estão, muitos jovens não compareceram para votar. Com medo de perder benefícios, sindicatos escolheram jogar a culpa nos estrangeiros (sobretudo da Europa do leste e do Mediterrâneo) e votar pelo isolamento. Com medo da concorrência, empresas locais entraram na onda. E foram insufladas por uma campanha que não explicou nada direito — quando não mentiu descaradamente, prometendo o que não podia entregar e apavorando os eleitores.

Péssimo conselheiro, o medo. Não apenas acaba de isolar a Grã-Bretanha, mas dividiu uma nação que sempre soube manter seu espírito de pé, com um povo avesso a extremismos, fortemente unido nos momentos difíceis. Mais uma vez confirmando Guimarães Rosa: o medo é a extrema ignorância em momento muito agudo.

Por: Ana Maria Machado, escritora - O Globo