O impeachment de
Bolsonaro, na visão dessas lideranças, seria uma forma de romper a
polarização entre o incumbente e o ex-presidente Lula da Silva. De fato,
em que pese o tempo que falta para a eleição, recentes pesquisas de
intenção de voto indicam que o cenário mais provável de um eventual
segundo turno em 2022 é o que consagra o mutualismo entre os dois
pré-candidatos. Há projeções que indicam até mesmo a vitória de Lula já
no primeiro turno, a ser mantida, é evidente, a atual conjuntura
política, claramente desfavorável a Bolsonaro.[a conjuntura atual tem a solidez das nuvens... ainda que de forma lenta, Bolsonaro começa a ter os meios para retomar o controle da situação... as acusações feitas contra ele, não passarão de acusações sem provas e serão desmontadas uma a uma... o fim da pandemia... a recuperação da economia, ainda que lenta, consolidará a popularidade do presidente.... pesquisas encomendadas, realizadas consultando algumas centenas de pessoas nada valem - não são confiáveis ainda que realizadas às vésperas das eleições, possuem VALOR ZERO.]
No cálculo
eleitoral de algumas lideranças de partidos de centro, centro-direita e
direita, o impeachment teria o condão de tornar Bolsonaro inelegível por
oito anos, tirando-o da corrida presidencial do ano que vem. E entre
Lula e um candidato da que se convencionou chamar de “terceira via”,
apostam essas lideranças, o antipetismo – que embora tenha arrefecido
ainda é forte em segmentos expressivos da sociedade – mais uma vez
definiria o resultado da eleição, mas agora em favor de um candidato
moderado, ligado à política tradicional, [que tal o relator Calheiros? o presidente Omar? e outros do mesmo naipe?] na melhor de suas acepções.
Do
ponto de vista tático, a avaliação não é de todo descabida. Ao analisar
o atual quadro político para o Estado, o cientista político Fernando
Abrucio, professor da FGV-EAESP e um dos mais argutos observadores da
conjuntura nacional, ressaltou que, “se os partidários de um candidato
centrista não abraçarem logo o impeachment, perderão a relevância
política na eleição de 2022”.
Decerto o tempo é inimigo da
viabilidade eleitoral de uma candidatura do chamado “centro
democrático”. Quanto maior for a demora na definição de uma ou mais
chapas que congreguem agendas minimamente comuns – notadamente a
inarredável defesa da democracia e dos valores republicanos, a retomada
do crescimento econômico, a eficiência do Estado, o aprimoramento do
Sistema Único de Saúde (SUS) e a valorização da educação pública como
política de desenvolvimento humano –, menor será a competitividade
dessas candidaturas, tão ansiadas que são por milhões de brasileiros que
não querem ser reféns de duas opções conhecidas e sabidamente ruins
para o País, ainda que em diferentes graus.
Enquanto Bolsonaro e
Lula já estão em franca campanha eleitoral, pré-candidatos afastados
desses dois polos patinam para conquistar os eleitores. De acordo com
uma pesquisa do Ipec realizada recentemente, a soma das intenções de
voto em Lula e Bolsonaro, hoje, é quase cinco vezes maior do que a soma
das intenções de votos em Ciro Gomes, João Doria e Luiz Henrique
Mandetta, os “centristas” mais bem colocados. Como se vê, a missão do
centro não é trivial e, de fato, o impeachment de Bolsonaro aliviaria a
faina.
A grande questão é que a cassação do pior presidente da
História do Brasil deve ser abertamente discutida pelas forças
representativas da sociedade não por mera tática eleitoral, mas porque o
governo de Jair Bolsonaro, em todas as suas expressões, representa a
subversão dos próprios ideais da República Federativa consagrada desde o
preâmbulo da nossa Constituição. Vale dizer, não apear Bolsonaro do
poder diante das imoralidades e da profusão de crimes de
responsabilidade que ele comete dia sim e outro também, além de
desmoralizar o instituto do impeachment, emite um perigoso sinal para as
gerações futuras. Mantê-lo no cargo diante desse rol de infâmias
sinaliza que tudo é permitido no exercício da Presidência da República a
depender das acomodações políticas de ocasião, das quais a Nação seria
nada mais que reles prisioneira.
A República está fundada no
princípio da isonomia, que significa que todos os cidadãos são iguais
perante as leis. Para Bolsonaro, no entanto, uns são mais iguais do que
os outros, sobretudo quando trazem vínculos de sangue, próprios do
regime monárquico, em boa hora superado. Bolsonaro já deu
incansáveis mostras de que não respeita a alternância de poder. Não
concebe a Presidência como o exercício temporário do poder. Em seus
obtusos devaneios, uma eventual derrota eleitoral só pode ser explicada
por fraude.
[este parágrafo e os dois anteriores deveriam ser lidos por integrantes de outros poderes da República, especialmente o Poder Judiciário - especialmente no tocante aos principios da isonomia, da independência entre os poderes da República.] A independência entre os Poderes e a autonomia dos
entes federativos são outros pilares de nossa República que Bolsonaro
tenta dinamitar. A deliberada confusão entre questões de Estado,
perenes, e de governo, transitórias, também é parte de seu plano
malévolo para subverter os valores republicanos. Por fim,
Bolsonaro promove a discórdia entre os brasileiros. Não admite
contraditório. Os que não comungam de seu credo nem brasileiros, a
rigor, podem ser considerados. Em sua torpeza, todos são livres para
concordar com suas ideias.
O impeachment, pois, impõe-se como
linha de corte civilizatória, um marco do triunfo da República sobre um
de seus mais perigosos agressores.
Itamar Montalvão, jornalista - O Estado de S. Paulo