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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

O conto do vigário - Revista Oeste

Ex-presidente Lula abraçando o ex-governador Geraldo Alckmin | Foto: Reprodução Instagram 
 
Acertos políticos, de um modo geral e segundo ensina a experiência, são tramoias entre quadrilhas e entre quadrilheiros para encher o próprio bucho; 
O perdedor, invariavelmente, é o povo extorquido o tempo todo por eles. Mas, desta vez, em termos de desastre moral em estado puro, estão dando um capricho poucas vezes visto neste país, num ambiente político onde já se viu de tudo. Não existe um átomo de sinceridade em nenhuma das preces que Alckmin está dirigindo a Lula. Até outro dia, ele dizia os piores horrores em relação ao seu possível futuro chefe — e de lá para cá não aconteceu absolutamente nada capaz de apagar nenhuma das realidades que provocaram cada um desses horrores. 
 
Os fatos que tornaram Lula o ex-presidiário que ele é hoje não sumiram; continuam todos aí, do mesmo tamanho, mas Alckmin decidiu que eles não existem mais. Lula não acredita em nenhum agrado que recebe do parceiro, mas aceita todos; para quem já foi pedir a obtenção de Paulo Maluf, esses poemas ao fingimento são a coisa mais natural do mundo. Eis aí, à vista de todos, o maior conto do vigário que está sendo aplicado no eleitor brasileiro na presente campanha eleitoral.

Alckmin, que já disse em público que Lula é ladrão, deixou 15 milhões de desempregados e quebrou o Brasil, está disposto agora, para ganhar uma vice, a se ajoelhar na frente de um criminoso condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em terceira e última instâncias. Está dizendo que aceita a volta das gangues que, segundo ele próprio, quebraram a Petrobras. Está dando o seu aval às invasões de terra do MST, que prega a destruição do agronegócio e já se vê governando o Brasil ao lado de Lula a partir de outubro de 2022. Está chamando de volta os empreiteiros de obras que confessaram crimes e devolveram dinheiro roubado — e que estão desesperados para poder roubar de novo. Está se colocando a favor da censura, que Lula promete implantar com o seu “controle social dos meios de comunicação.Está aceitando que a população pague os seus jatinhos de campanha, com os R$ 6 bilhões que a bandidagem política nacional acaba de roubar do Erário através do seu “Fundo Eleitoral”. Está fazendo de conta que é um devoto das causas femininas, negras, índias, homossexuais ou da “linguagem neutra” — em suma, está disposto a qualquer coisa. Desse jeito ainda acaba aparecendo na parada gay.

Na última vez que se candidatou a alguma coisa, nas eleições presidenciais de 2018, Alckmin ficou com 4% dos votos

Lula, nessa trapaça, não precisa dar nada, nem mudar nada — com Alckmin de vice, ou com qualquer outro, vai fazer exatamente o que quer. Se Alckmin (com o incentivo de sua turma) imagina a si mesmo como alguma espécie de contrapeso para o esquerdismo, a irresponsabilidade e o estilo Lula de lidar com o dinheiro público, está cometendo um ato aberto de megalomania. Lula, na verdade, anuncia em plena luz do sol, o tempo todo, que pretende piorar em relação ao que foi. 
Quer mais gasto do governo — para “os pobres”, é claro, mas quem vai se dar bem, como sempre, não tem nada de pobre. Quer mais estatal, mais obra tipo estádio-para-copa-do-mundo, mais Venezuela. Quer vender as reservas internacionais do país, para fazer, segundo diz, “distribuição de renda”. Quer uma economia parecida com a da Argentina, um dos governos que mais contam com a sua admiração no presente momento. Quer entupir o serviço público, mais uma vez, com empregos para a companheirada do PT e dos seus subúrbios. 
Quer mais invasão de terra. Quer voltar a distribuir diretorias da Petrobras — e por aí afora. Alckmin vai ter de querer tudo isso, também. Aliás, ao formar uma chapa com Lula e o PT, estará aceitando formalmente cada uma dessas coisas, e quantas mais vierem.
 
O ex-governador já teve voto em São Paulo, principalmente no interior — sempre surrando o PT, por sinal. 
Hoje seu verdadeiro patrimônio eleitoral é um mistério. 
Na última vez que se candidatou a alguma coisa, nas eleições presidenciais de 2018, ficou com 4% dos votos. 
Quantos eleitores vai trazer para Lula, se for agora o seu vice? 
Os analistas políticos garantem que sua posição terá, para a candidatura de Lula, a mesma importância do movimento de rotação da Terra. 
Vamos ver. Ele precisa entrar na chapa, primeiro, e depois mostrar serviço. De qualquer forma, sendo ou não sendo o candidato a vice, o que vai sobrar dessa salada é a espetacular farsa que ele, Lula, e as forças que o apoiam montaram para bater a carteira de votos do eleitor brasileiro.

Leia também “Lula está sem promessas”

J. R. Guzzo, colunista - Revista Oeste

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Bolsonaro perderá (de novo) a chance de indicar magistrado de verdade ao STF - VOZES - Gazeta do Povo

J.R. Guzzo

Supremo

Bolsonaro planeja indicar ministro terrivelmente evangélico ao STF, mas que critério é esse?

O Brasil e os 220 milhões de brasileiros só têm uma oportunidade na vida uma só de se livrar de um ministro do Supremo Tribunal Federal: quando o calendário, na sua marcha para frente que nem o STF pode parar, mostra que um dos onze bateu nos 75 anos de idade. Aí o cidadão tem de ir para casa, por mais que não queira; do ponto de vista do interesse público, é quase sempre o único momento realmente positivo de sua carreira.

Está para acontecer de novo, pela segunda vez no governo do presidente Jair Bolsonaro, e pela segunda vez o que se prevê é um desastre com perda total. Em vez de aproveitar essa oportunidade preciosa de se livrar de uma das onze calamidades que dão expediente na nossa “corte suprema”, e colocar em seu lugar um magistrado de verdade, o presidente, pelo que se anuncia, tomou o rumo de colisão frontal contra a coisa certa.

É trágico, porque não é todo dia que um ministro faz 75 anos de idade e tem de pedir as contas. Ou se tira proveito desses momentos raríssimos para melhorar alguma coisa, ou o Brasil continua tendo um dos piores tribunais superiores que existem no mundoo que está aí, pela espantosa coleção de decisões perversas que tem tomado, é o pior que este país jamais conheceu. Na primeira oportunidade que teve de nomear um ministro, Bolsonaro a jogou no lixo. Nomeou, e o Senado aprovou com entusiasmo, uma nulidade absoluta tirada do Piauí – e cuja única credencial, além de tomar tubaína com o presidente, é servir ao “centrão” político que manda no Brasil velho.

O presidente, pelo que indica no momento o cheiro da brilhantina, vai repetir a dose na segunda indicação que o destino lhe reservou; parece decidido a colocar lá dentro, no lugar a ser aberto com o desembarque do ministro Marco Aurélio, mais um nome absurdo. É o que se chama “100% de aproveitamento”. Teve duas chances de dar ao Brasil um STF um pouquinho melhor. Vai conseguir, nas duas vezes, tornar a coisa ainda pior do que já é.

Pode ser difícil de acreditar, mas o critério de Bolsonaro para nomear o novo ministro não tem absolutamente nada a ver com a qualificação do sujeito como juiz, ou sua competência profissional. Pior: o presidente diz na cara de todo mundo, sem nenhuma tentativa de qualquer disfarce, que vai indicar o próximo ministro pela única e exclusiva razão de que ele é evangélico”.

Que raio tem a ver a religião de um indivíduo com a sua capacidade de ocupar uma vaga que vai durar até os 75 anos de idade, ou pelo resto da vida em termos práticos no tribunal que hoje manda e desmanda no Brasil?  
Não é que está sendo indicado um subprocurador do Instituto de Pesos e Medidas. 
É um ministro do STF, e um ministro do STF pode fazer tudo desde proibir helicópteros da polícia de sobrevoarem as favelas do Rio de Janeiro, até anular de uma vez só todos os processos penais contra o ex-presidente Lula, inclusive sua condenação em terceira e última instância pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, com o único propósito de colocar o homem de novo na presidência da República.

Na bolsa de apostas e de palpites sobre o novo ministro, cita-se como “pontos a favor”, por exemplo, o fato de um cidadão rezar todo dia às 6 horas da manhã junto com Bolsonaro, ou de ter a simpatia de sua mulher Michelle, ou de ser o preferido do “bispo Rodovalho” e de sua igreja “Salva Nossa Terra”. Outro nome estaria forte por ter nascido em Alagoas — e, como tal, ser próximo não apenas do deputado Arthur Lira como também do senador Renan Calheiros. Que tal?

O presidente Bolsonaro não é responsável pelas aberrações que o STF comete a cada vez que um ministro assina um pedaço de papel. 

Mas tem 100% da culpa pelo ministro que já indicou, e outros 100% pelo que vai indicar.
Se você fosse Bolsonaro, quem indicaria para novo ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga de Marco Aurélio Mello?
Augusto Aras, procurador-geral da República
André Mendonça, advogado-geral da União
William Douglas, desembargador do TRF-2
Humberto Martins, ministro e presidente do STJ
Ives Gandra Martins Filho, ministro do TST
João Otávio de Noronha, ministro e ex-presidente do STJ

J.R. Guzzo, colunista - VOZES - Gazeta do Povo 

 

domingo, 6 de dezembro de 2020

Júnior conhece a caixa-preta da saúde - Elio Gaspari

 Folha de S. Paulo - O Globo

Ministro Luís Roberto Barroso poderá homologar a papelada da colaboração do empresário José Seripieri Júnior, da Qualicorp, feita à Procuradoria-Geral da República (PGR)

Nesta semana, o ministro Luís Roberto Barroso poderá homologar a papelada da colaboração do empresário José Seripieri Júnior, da Qualicorp, feita à Procuradoria-Geral da República (PGR). Há mais de uma semana, a repórter Bela Megale revelou que Júnior, como ele é conhecido, concordou em pagar R$ 200 milhões à Viúva pelas transações em que se meteu, alimentando caixas de políticos. Em julho, ele passou três dias na cadeia, e sua colaboração foi antecedida pela de um sócio.

Chegando a valer cerca de R$ 4 bilhões, a Qualicorp tornou-se uma campeã organizando planos coletivos de saúde. Como uma jabuticaba, ela nunca foi uma operadora, mas Júnior tornou-se um bilionário trabalhando num mercado onde se misturam capilés para políticos que colocam jabutis nas leis e azeitam-se promiscuidades com as agências reguladoras.

Finalmente, o Ministério Público acercou-se desse mercado. A Lava-Jato chegou perto, mas distraiu-se. Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa, recebeu pelo menos R$ 580 mil fazendo palestras para plateias da Unimed. Ele explicou que repassava os valores a entidades filantrópicas.

Quando a colaboração de Júnior for conhecida, será possível avaliar a sua profundidade. A operação Lava-Jato começou com muito menos, pois nela o fio da meada foi puxado a partir de um posto de gasolina que lavava dinheiro. A memória da Qualicorp, ou de qualquer grande operadora, guarda muito mais que isso. Os procuradores de Curitiba puxaram os fios e deu no que deu. A PGR está com o novelo na mão. Sabe-se que negociou uma multa milionária, mas a questão está também em outro lugar: na máquina desse mercado.

Pode-se dar de barato que a colaboração de Júnior levará para a mesa alguns políticos, provavelmente figurinhas fáceis de outros escândalos, alguns confessos, ou notoriamente mentirosos. Pelo cheiro da brilhantina, cairá na roda um doutor que queria cobrar os serviços do SUS.

O valor da colaboração de Júnior poderá ser avaliada se ela tratar do funcionamento da porta giratória pela qual maganos saem do mercado e vão para as agências reguladoras, ou fazem o caminho inverso, sempre enriquecendo. Noutra vertente, pode-se vir a saber como se enfiou um jabuti numa Medida Provisória de 2015. Ele reduzia o valor unitário das multas aplicadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar quando o volume passasse de certos limites. Em bom português: quem delinquir muito pagaria menos que quem delinquiu pouco. Dilma Rousseff vetou o jabuti. Trata-se de perguntar, ouvir, anotar o nome do magano e chamá-lo a depor. Se for o caso, remetê-lo à carceragem.

Seripieri Júnior fez todo o caminho do mercado, conheceu suas vísceras e no ano passado começou a montar uma empresa fechada. Nela, ao contrário das operadoras que cobrem despesas com centenas de médicos, laboratórios ou hospitais, as operadoras fechadas têm suas listas e, sobretudo, seus hospitais. Graças a isso, controlam seus custos e acabam cobrando menos.

A PGR está diante da oportunidade de abrir a caixa-preta dos planos de saúde. Basta expandir a operação abrindo um capítulo em que se fazem perguntas estranhas ao ritual, porém essenciais para o propósito da investigação. Assim foi com a Lava-Jato e assim foi com a investigação da Receita Federal e do FBI americano, que detonou as roubalheiras da cartolagem internacional do futebol.

A ideia segundo a qual se combate a corrupção com multas milionárias é pobre. Acaba criando uma espécie de pedágio, caro, porém imunizante. A turma dos planos de saúde, acossada pela perda de clientes e pela reação aos reajustes selvagens, já tentou dois saltos triplos. Num, no escurinho de Brasília, queriam mudar a lei que regula seu mercado. A elas, tudo, aos consumidores, nada. Noutro, querem privatizar serviços do SUS. Isso durante uma pandemia na qual tentaram negar cobertura para os testes de coronavírus.

Madame Natasha e o general
Madame Natasha não perde entrevistas do general Eduardo  Pazuello e admira os momentos em que ele fica calado. Outro dia, falando a parlamentares, o ministro da Saúde incomodou a senhora quando disse coisas assim: “Se o processo eleitoral nas cidades, com todas as aglomerações e eventos, não causa nenhum tipo de aumento da contaminação, então não falem mais em afastamento social.”
“Precisamos compreender de uma vez por todas que nós só aplicaremos vacinas no Brasil registradas na Anvisa.”

Com décadas de serviço nos quartéis, o general Pazuello aprendeu a falar como comandante. Como ministro da Saúde, deveria aprender que não manda nas suas audiências. Dizer a quem quer que seja que não deve mais falar em afastamento social é uma indelicadeza, se não for uma bobagem. Quando ele diz que “precisamos compreender de uma vez por todas” que o governo só patrocinará vacinas aprovadas pela Anvisa, diz uma platitude. O problema é outro: cadê a vacina federal? [preferimos perguntar: cadê uma vacina? vale de qualquer país.] 
 
Natasha recomenda gentilmente ao general entender que seu desempenho terá uma avaliação cronológica. A vacina chegará a diversos países em janeiro, inclusive à Inglaterra e ao México, cujos governos foram negacionistas. Pazuello não sabe precisar o mês do início da vacinação no Brasil e acha razoável que metade da população de Pindorama só consiga ser imunizada no segundo semestre do ano que vem. Em São Paulo, a vacinação vai começar em janeiro, a menos que Pazuello e Bolsonaro queiram atrapalhar, metendo-se numa ridícula Revolta da Vacina 2.0.

Quando Natasha era uma mocinha e os generais se metiam onde não deviam, ela teve que ir a Montevidéu para ver o filme “Último Tango em Paris”. (Achou-o muito chato.)
Natasha morre de medo de ter que viajar ao exterior para ser vacinada.
 
Coisas de Pindorama
Um marciano passou pelo Brasil em 1821 e gostou das gazetas que defendiam a independência da Colônia. Voltou em 1823 e soube que ela fora proclamada, com o filho do rei de Portugal coroado imperador.

Imortal, o marciano foi ao comícios das Diretas de 1984 e encantou-se. Voltou em 1985 e soube que a campanha havia resultado na eleição indireta de Tancredo Neves, mas quem estava na Presidência era José Sarney, presidente do partido do governo em 1982.

O marciano resolveu nunca mais voltar ao Brasil. Ele vive em Washington e soube que o doutor Sergio Moro é novo sócio-diretor da firma em cujo portfólio de clientes está a Odebrecht com seu processo de recuperação judicial. 
 
Kerry e os agrotrogloditas
A nomeação do ex-senador John Kerry para a posição de czar na política de meio ambiente do governo de Joe Biden deve acender um sinal de alerta no Planalto.

Ex-secretário de Estado, Kerry não conhece agrotrogloditas, mas tem boas relações com alguns ambientalistas brasileiros.Seria útil que os çábios do bolsonarismo parassem de pressionar empresas multinacionais que pararam de comprar soja plantada em áreas de conflito ambiental. As filiais comunicam essas pressões às suas matrizes. [Curioso é que Bolsonaro ao manter boas relações com Trump - tendo sempre presente que nações não possuem amigos e sim interesses, vale o mesmo para seus governantes - acusavam do nosso presidente adotar uma postura de submissão do Brasil. 
Agora já aceitam que os chamados ambientalistas fiquem de 'quatro' para Kerry.
As filiais das empresas americanas agem corretamente quando passam informações, ainda que desfavoráveis, as suas matrizes; já os inimigos do Brasil = os traidores brasileiros que traem o Brasil para ter boas relações com Kerry =  agem como 'judas' e sempre terão nosso desprezo e fiquem que são também desprezados pelos  norte-americanos.
De qualquer modo as empresas dos EUA façam o melhor para eles e deixem que os brasileiros façam o melhor para o Brasil.]

O Globo - Elio Gaspari, jornalista


segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Território ocupado - “Cidade Maravilhosa” perdeu a guerra contra o crime

Por J.R. Guzzo - Vozes - Gazeta do Povo 

Grupos de marginais ocupam cerca de 100 dos 160 bairros da cidade do Rio de Janeiro.

Um levantamento feito em conjunto por cinco organizações de pesquisa social, que acaba de ser divulgado na mídia, revela que existe uma parte do território brasileiro que muito simplesmente não pertence ao Brasil, nem está sujeita às suas leis e aos seus governos. É como se o país tivesse sido invadido por um exército estrangeiro, que derrotou o poder nacional e criou uma zona de ocupação na área conquistada – o que vale, ali, é a autoridade do invasor, e não a Constituição Federal. Nem é preciso dizer onde fica esse território, não é mesmo? Fica ali mesmo onde o leitor sabe: na cidade do Rio de Janeiro e em seu entorno.

Segundo o estudo, chamado de “Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro”, a maior arte da área física do Rio já está sob o controle de criminosos — as “milícias” e as quadrilhas “raiz”. Em conjunto, os grupos de marginais ocupam cerca de 100 dos 160 bairros da cidade. Já governam, também, a maioria da população: num total de 6,7 milhões de habitantes, 3,7 milhões, ou 55% de todos os cariocas, vivem hoje em áreas controladas pelo crime.

Qual a surpresa? Seria impossível na verdade, uma situação diferente dessa, levando-se em conta o que têm feito nos últimos 30 anos os governos locais, o governo central, deputados estaduais, deputados federais, senadores, prefeitos, vereadores e, acima de todos eles, os mais altos tribunais da Justiça brasileira. Têm o apoio declarado da mídia e daquilo que se chama a “elite” intelectual, social e política da cidade. No Rio, por decisão do ministro Edson Fachin, do STF, os helicópteros da polícia estão proibidos de sobrevoar as favelas. 
Por decisão do mesmo STF, os policiais também não podem patrulhar as vizinhanças das escolas; trata-se de áreas que, oficialmente, só podem ser frequentadas por criminosos.

Qualquer bandido capaz de pagar um advogado caro — por exemplo, um advogado que foi até outro dia assessor do ministro Marco Aurélio pode ser solto valendo-se das últimas leis aprovadas no Congresso Nacional. O ministro Ricardo Lewandovski acha que o grande problema do Brasil não é o crime, e sim o fato de haver “gente demais” na cadeia, segundo ele mesmo. O governador do Estado foi expulso do cargo, denunciado como ladrão — e pior ainda, ladrão de dinheiro que deveria ser gasto no combate à pior epidemia que o país já enfrentou.

Esse governador, aliás, terá o seu processo de impeachment julgado por uma Assembleia Legislativa onde cinco deputados foram diplomados na cadeia. Os últimos cinco governadores do Rio, na verdade, foram presos por corrupção, e soltos pelas mesmas trapaças legais que o alto judiciário utiliza para soltar bandidos; um deles continua na prisão até hoje, condenado a mais de 100 anos por corrupção. Nas próximas eleições municipais, a maioria dos candidatos a prefeito e vereador tem compromisso pelo menos implícito de colaboração com a bandidagem.

A elite que arbitra o que é bom e ruim para o Rio está convencida, há anos, que “favela não é problema, é solução”, e que o crime faz parte do “patrimônio cultural da cidade”. Acha que os bandidos têm direito a usar armas pesadas em público para garantir sua “legítima defesa” – embora não admitam que o cidadão comum possa estar armado. Combater os criminosos, no seu entender, é “reprimir a população pobre”. Têm certeza de que os bandidos exercem o papel de “protetores sociais” nas favelas, e jamais incomodam qualquer dos seus moradores.

Aguarda-se, agora, o próximo “Mapa”. Pelo cheiro da brilhantina, os 55% dos cariocas governados pelas quadrilhas vão para 60% — ou sabe Deus quantos.

J.R. Guzzo, jornalista  - Gazeta do Povo - Vozes

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

As 41 perguntas de Eduardo Cunha

De Curitiba, o ex-chefão do PMDB mostrou-se curioso, até ingênuo, insinuando que pode dar as respostas

Pelo cheiro da brilhantina, as 41 perguntas de Eduardo Cunha a Michel Temer são o prenúncio do barulho que virá quando ele começar a colaborar com a Viúva, contando o que sabe. O juiz Sérgio Moro barrou 21, argumentando que o presidente da República está fora do alcance de sua investigação, mas isso tem pouca importância, pois na lista há perguntas marotas. 

Por exemplo: “Qual a relação de Vossa Excelência com o Sr. José Yunes?” O advogado Yunes é um bom amigo de Temer, já se classificou como seu “psicoterapeuta político” e foi nomeado para a assessoria especial da Presidência. A relação de Sua Excelência com ele seria comparável à de Donald Trump com Stephen Bannon. Na pergunta seguinte, o doutor Cunha quis saber se Yunes já “recebeu alguma doação de campanha” para Temer ou para o PMDB, “de forma oficial ou não declarada”. Só Temer pode responder, mas Yunes já foi deputado pelo PMDB.

De bobo, Cunha não tem nada. Ele lançou as perguntas sabendo que seriam rebarbadas por Moro e conseguiu o essencial: deixá-las no ar. Elas formam dois blocos; num há questões relacionadas com operações da Petrobras e no outro o doutor brinca de esconde-esconde com as tratativas do Planalto de Lula e Dilma Rousseff com o PMDB. 

No bloco petrolífero, 21 perguntas tratam diretamente dos negócios da diretoria internacional da empresa ao tempo em que foi ocupada por Nestor Cerveró e Jorge Zelada, sob a influência do engenheiro João Augusto Henriques. As traficâncias de Henriques são conhecidas desde 2013, quando o repórter Diego Escosteguy divulgou sua declaração (gravada) de que “do que eu ganhasse (nos contratos internacionais) eu tinha que dar parte para o partido, era o combinado.” Conhecido como “diretor dos diretores” na Petrobras, Henriques era o comissário do PMDB na área. Essa denúncia foi anterior ao surgimento da Lava-Jato. Falando à Polícia Federal, Henriques contou a trajetória de uma propina que caiu na conta secreta do deputado Eduardo Cunha. 

O ex-presidente da Câmara insinua que Temer encontrou-se com Jorge Zelada em sua casa de São Paulo. Uma das perguntas é um primor de malícia: “Vossa Excelência tem conhecimento se houve alguma reunião sua com fornecedores da área internacional da Petrobras com vistas à doação de campanha para as eleições de 2010, no seu escritório político na Avenida Antônio Batuira, nº 470, em São Paulo/SP, juntamente com o Sr. João Augusto Henriques? Caso esta reunião tenha ocorrido, quais temas foram tratados? A nomeação do Sr. Jorge Zelada para a Diretoria Internacional da Petrobras foi tratada?”

Doze perguntas de Cunha supõem um implausível desconhecimento das relações do PMDB com Lula e Dilma Rousseff. Lidas ao contrário, indicam a exposição de um loteamento de cargos sob a coordenação de três deputados. Ele, Cunha, ficou com a área do Rio de Janeiro. Os dois blocos de perguntas encontram-se num episódio de rebelião da bancada do PMDB, pacificada depois de uma discussão em torno de nomeações para a Petrobras. Em todos os casos, Cunha quer saber se Temer sabia o que acontecia. Cunha não fez perguntas. Ele usou o episódio para informar ao distinto público que, na sua cela de Curitiba, julga-se o Senhor das Respostas.

Por: Elio Gaspari é jornalista