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quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Top 10 das fake news que elegeram Lula - Revista Oeste

Flavio Morgenstern

O PT inovou nas mentiras, do fim do salário mínimo ao canibalismo. Enquanto isso, o TSE proibiu verdades do outro lado

De acordo com o excelentíssimo ministro do Tribunal Superior Eleitoral, Sua Excelência Alexandre de Moraes, “notícias fraudulentas divulgadas por redes sociais que influenciem o eleitor acarretarão a cassação do registro daquele que a veiculou”. No último dia de maio, o então vice-presidente do TSE afirmou que a Justiça Eleitoral está preparada para combater as milícias digitais”, e que os eleitos com notícias falsas “podem “ter o registro de suas candidaturas cassado, ou mesmo perder o mandato”.

 Foto: Shutterstock

Foto: Shutterstock 

Para ajudar a Justiça Eleitoral em tão gloriosa missão pelo Estado Democrático de Direito e contra as assim chamadas “milícias digitais”, elencamos um Top 10 das (muitas) mentiras que foram importantíssimas para eleger Luiz Inácio Lula da Silva.

1. Bolsonaro prometeu “entregar o Brasil a Satanás” na maçonaria
Percebendo o fiasco que era o voto de Lula entre cristãos, e que questões morais (trocadilho proposital) seriam a tônica no segundo turno, logo no primeiro dia de campanha pulularam fotos retiradas de uma reunião de Bolsonaro em uma loja maçônica. Algumas eram manipuladas e traziam a imagem do demônio Baphomet. Uma das mais divulgadas dizia que Bolsonaro havia prometido entregar o Brasil a Satanás caso fosse eleito.
Foto: Reprodução

Enquanto pessoas como o deputado André Janones apareciam o tempo todo dizendo-se cristãs, perfis de Twitter fingiam-se de evangélicos do dia para a noite para dizer que “eram cristãos, mas, agora que descobriram isso, vão votar no Lula”. Nenhum deles se preocupou em disfarçar os posts pró-Lula, ou com imagens pouco cristãs, de dois dias antes.

2. Bolsonaro é “canibal”
Uma das acusações mais grotescas já feitas em qualquer campanha eleitoral foi a de que Bolsonaro seria um “canibal”. Tudo graças a uma entrevista de 2016 em que o então deputado federal comentou sobre um ritual indígena que envolvia o consumo de carne humana. Para ser visto, o ritual exigia participação. Bolsonaro disse não ver problema no “preço”. O PT recortou a fala para espalhar que Bolsonaro “confessava” canibalismo. O mesmo PT que critica qualquer proibição de rituais indígenas alegando “multiculturalismo”. De tão bizarra, a veiculação do vídeo foi proibida por unanimidade pelo TSE. Foi talvez no único caso em que a Corte decidiu favorecendo o presidente. Mesmo assim, o UOL defendeu a veiculação.
 
3. Bolsonaro promete acabar com o feriado de 12 de outubro

As fake news do PT são claramente de nicho. Uma delas mirou o coração do catolicismo brasileiro: o Feriado de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil — embora tratado meramente como “Dia das Crianças” no imaginário popular. Após bispos esquerdistas tentarem impedir um discurso do presidente em Aparecida, perfis como o do influencer Bruno Sartori, divulgaram um post falso de Bolsonaro no qual o candidato teria afirmado que “nenhum padre ou bispo devem dizer onde posso ou não fazer campanha”.

Na mesma toada, apareciam posts como o do sociólogo Emir Sader afirmando que Bolsonaro tinha uma “demanda” para retirar o caráter de “santa” de Aparecida. Ou seja, da própria Nossa Senhora, que, apesar de não ser venerada por evangélicos, não tem sua santidade negada por 99% das igrejas. Afirmava também que Bolsonaro já estava pronto para rever o feriado do dia 12 de outubro.

Menção honrosa: o mesmo Bruno Sartori é famoso pela técnica de “deep fake” (sic), na qual se usa o vídeo de uma pessoa, sobreposto a um outro som. Nomen est omen. O influenciador perguntou se deveria criar vídeos de pessoas mortas pela covid pedindo voto no Lula com o macete. A proposta, de tão macabra, foi rechaçada pelos seus próprios seguidores.

4. Collor volta e vai confiscar as aposentadorias
As mentiras do PT têm um método maçante de tão repetitivo: retirar uma fala de contexto de um vídeo. Em um lance metalinguístico, usaram um vídeo em que Bolsonaro reclama justamente das fake news criadas contra ele, inventando de tudo, até de que Fernando Collor de Mello seria ministro e que “iria confiscar a aposentadoria dos aposentados”. Exatamente este trecho foi, então, recortado e colocado em destaque por André Janones (sempre ele). Para fingir que não estava espalhando “desinformação”, Janones só dizia “chequem antes de baixar e repassar”, o que foi, claramente, entendido como senha para baixar e repassar.

5. BOMBA! O celular de Bebianno
A baixeza de Janones atingia um novo patamar subterrâneo a cada segundo
. Nos dias de véspera do segundo turno, o deputado anunciava incansavelmente que “os mortos não falam, mas seus celulares sim” (sic). Dizendo possuir o celular de Gustavo Bebianno, que rompeu com Bolsonaro logo no começo do governo ao não ser indicado para nenhum ministério importante, o deputado anunciava o tempo todo que “algo” viria. Alguns eleitores de Lula que caíram na desinformação juravam até que seria durante o debate na Rede Globo. Janones, em linguagem histérica, marcava toda a família Bolsonaro, berrando: “Eu vou destruir vocês!!!!” Na verdade, tudo o que Janones possuía era uma declaração de Bebianno no Roda Viva, em que ele afirmava, sem nenhuma prova, que havia alertado Carlos Bolsonaro de que pegaria mal fazer fake news do Palácio do Planalto. Bebianno nunca demonstrou prova nenhuma da existência da conversa ou de qual notícia falsa havia sido criada (provavelmente por ele próprio). O clima de suspeita foi suficiente para abolir direitos como o de imprensa, de liberdade de expressão e de privacidade para criar um “Estado de exceção não oficial” no Brasil, no qual todos eram investigados por serem partes de uma “milícia digital” (seja lá o que for isso).

Janones publicou um vídeo com uma imagem de um celular qualquer e o áudio do Roda Viva por cima. Como os eleitores de Lula acreditavam na “bomba”, a manipulação eleitoral lograva êxito: dava-se a impressão de ser uma mensagem privada e “secreta” de Bebianno, e não um áudio público muito posterior, de quando já estava rompido. O empresário Paulo Marinho requentava as histórias. Nada da época de Bebianno como aliado nunca veio à tona.

Menção honrosa: este é o tipo de tuíte que o coordenador pouco oficial do PT postava sobre Bolsonaro. Um único do tipo vindo de qualquer apoiador de Bolsonaro a Lula seria provavelmente considerado motivo para impugnação da chapa.


6. Almoço com Guilherme de Pádua, amigo de Flordelis e goleiro Bruno como secretário
Enquanto dizia que seria “implacável” contra as notícias falsas, o TSE não parece ter se importado muito com notícias repetidas muitas vezes em uníssono pelo consórcio da mídia. Como a de que Bolsonaro havia “almoçado” com o assassino Guilherme de Pádua. O jornalista Valmir Moratelli, da Veja, noticiou “O encontro de Bolsonaro e Michelle com Guilherme de Pádua”. Logo depois, “Bolsonaro se pronuncia sobre encontro com Guilherme de Pádua”. Pelo título, o jornalista nem se preocupa em corrigir que não houve encontro nenhum (a informação só está na linha fina, após o clique). O jornalista nem se dignou a corrigir o primeiro texto, afirmando que não houvera encontro nenhum e que tudo não passou de uma notícia falsa.

Constantemente, e sem nenhum reparo do consórcio da mídia, Bolsonaro também era acusado de ser amigo de Flordelis, envolvida no assassinato do próprio marido. Flordelis era do PSD, um dos principais rivais de Bolsonaro.

Menção honrosa: no mesmo ritmo, até o ex-governador de São Paulo Márcio França (por ser vice de Alckmin) afirmou que o goleiro Bruno ganharia uma pasta na Secretaria de Esporte de São Paulo, caso o aliado de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, ganhasse a eleição.

7. Os 107 imóveis em “dinheiro vivo”
Uma das notícias mais repisadas no consórcio da mídia e que enganou um porcentual enorme de eleitores do Lula foi que a família Bolsonaro havia negociado 107 imóveis em “dinheiro vivo”. Na verdade, tratava-se de dinheiro em espécie, a forma como toda transação bancária normal ocorre: na moeda do país. Nem seria possível rastrear o dinheiro se ele tivesse sido em espécie, como eram os dólares na cueca, os envelopes de dinheiro embolsados por mensaleiros e apaniguados do PT. É como a escritura de todo imóvel registra. Bastou descrever com outras palavras para dar a impressão manipulada de que os imóveis tinham dinheiro sem passar pelos bancos — quando toda a “descoberta” foi feita, justamente, pelos bancos. Até um livro foi escrito sobre a desinformação manipuladora.

Na verdade, foram 107 transações por mais de três décadas. Envolveram até ex-esposas, ex-cunhados etc. Só um dos ex-cunhados é dono de uma rede de lojas de imóveis e compra e vende pontos comerciais. É separado da irmã do presidente há mais de 20 anos. Tudo foi catalogado — e, mesmo que tenha sido confirmado pelos tribunais, jornalistas até hoje insistem na maciota. É irônico que o imaginário de malas de dinheiro de Bolsonaro seja inspirado nas célebres malas de dinheiro do PT, como no Mensalão, escândalo dos aloprados, casa do Geddel etc.

8. Bolsonaro iria acabar com o SUS, o salário mínimo e o Auxílio Brasil
Ao contrário do que se pensa, o Nordeste votou muito mais em Bolsonaro do que em qualquer adversário do PT. Era preciso fazer algo para conter o avanço. A propaganda do PT mirou os nordestinos, principalmente nas últimas semanas. Sem nenhuma base na realidade, simplesmente macetavam no rádio, dia e noite, que Bolsonaro “iria acabar com o SUS”. Nenhum pedido da campanha do presidente para evitar a mentira foi aceito — enquanto toda fala ou foto real de Lula eram proibidos de ser veiculados pela campanha de Bolsonaro.

O que a esquerda hoje chama de “intelectuais” divulgavam a fake news sem nenhuma preocupação com a lei.

Fizeram o mesmo com o salário mínimo. Não importou que Paulo Guedes viesse a público explicar que isso nunca fora aventado, apresentar planos, inclusive mostrar a proposta de salário mínimo a R$ 1,4 mil no último debate: a propaganda petista repetia a desinformação, livre, leve e solta — e sem ter sido cassada pelo TSE.

9. Bolsonaro “confessa” pedofilia
Uma das últimas cartadas desesperadas da campanha petista, e mais uma vez seguindo o modus operandi de retirar falas de contexto, foi acusar Bolsonaro de “pedofilia”. Tudo pela sua mania de usar a expressão “pintar um clima” como metáfora para qualquer coisa. 
Em entrevista ao podcast Paparazzo Rubro-Negro, Bolsonaro denunciava justamente a situação degradante de venezuelanas que fugiam do regime socialista de Maduro, um dos aliados de Lula. Sendo muito novas e “bonitinhas”, arrumavam-se cedo, o que lhe levantou suspeita. Usando a expressão “pintou um clima” (que usou em outro contexto nada sexual na mesma entrevista, tal como falando sobre Tarcísio), disse que seria uma boa oportunidade de filmar a situação delas.

A filmagem foi feita com a equipe da CNN Brasil. Os vídeos mostrando como Bolsonaro entrou em suas casas com equipe já estavam nas redes no mesmo momento. As filmagens foram ignoradas pelo consórcio da mídia e pela militância, que dificilmente não teve acesso a elas: apenas preferiram manipular o resultado eleitoral e a democracia.

Até capas de revista foram feitas apenas com a frase. Como se Bolsonaro fosse “confessar” ser um pedófilo para todos verem. E como se o vídeo da filmagem não existisse – e não demonstrasse apenas um político preocupado com refugiadas venezuelanas. O que não parece ser muito bem o caso de Lula.

10. O “Orçamento secreto”, que é “pior do que o Petrolão”
É difícil contar a quantidade de vezes em que Lula e outros petistas foram refutados com a patacoada do dito “Orçamento secreto”. Que não é exatamente secreto, não foi criado por Bolsonaro, retirou poderes do Executivo sobre o Orçamento e é usado por pelo menos 11 petistas. Entre eles, os senadores Humberto Costa (PT-PE), Rogério Carvalho (PT-SE) e Fabiano Contarato (PT-ES), atuantes na CPI do Circo, além do líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (PT-MG).

“Orçamento secreto” foi como a mídia chamou as emendas de relator, que tiram o Orçamento das mãos do Executivo e transferem aos caciques do Legislativo sem muita transparência. Logo que Lula venceu a eleição com tantas fake news, o consórcio da mídia, sem corar, já passou a chamá-lo de “emendas de relator”.

Curiosamente, o próprio André Janones dizia não existir “Orçamento secreto”, além de garantir que “no governo Lula era uma roubalheira, e só a bandidagem do PT que tinha isso”. Janones disse ainda que não se vende “para a quadrilha do PT” antes de notar como poderia manipular o Estado Democrático de Direito e a democracia com a logorreia… e trabalhar para a citada “quadrilha do PT”, que teria “aparelhado a máquina pública por 16 anos” para se manter no poder.

Menção honrosa final
E não poderíamos deixar de citar um tuíte muito “civilizado” da Barbara Gancia, que só não é “fake news” por não ser “news”. Nele, a jornalista afirma que, quando a filha de Bolsonaro se arruma, ela parece uma… Bem, é melhor conferir a classe do seu post:

Isto, é claro, noves fora a censura ao outro lado, com canais de rádio e TV sendo censurados, proibidos de usar as palavras “ladrão, ex-presidiário, descondenado e amigo de ditadores”. Sendo obrigadas a soltar a fake news de que Lula seria “inocente”. Sendo proibido de mostrar as ligações de Lula com o ditador Ortega, e de mostrar que Lula se declarou a favor do aborto ainda em 2022, de mostrar imagens da ONU, de mostrar imagens no funeral da rainha Elizabeth II.

Também foi proibido de mostrar a fala do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (!) e do Tribunal Superior Eleitoral (!!) Marco Aurélio Mello sobre Lula nunca ter sido inocentado. E houve a censura prévia ao documentário Quem Mandou Matar Bolsonaro?, da Brasil Paralelo. (Censura prévia só não é inédita porque era praticada durante a ditadura militar). Proibido de mostrar a fala de Lula agradecendo a natureza por ter criado a covid. Proibido de mostrar fotos (!!!) de Lula com o boné CPX enquanto agências de checagem afirmam erroneamente que CPX não significa “cupincha”.

boné CPX de lula
O ex-presidente Lula, durante caminhada no Complexo do Alemão, 
com boné polêmico que teria relação com o trafico – 12/10/2022 - 
 Foto: Carlos Elias Junior/FotoArena/Estadão Conteúdo

Foi proibido também de dizer que o PT foi contra o Auxílio Brasil. Proibido de dizer que Lula foi campeão de votos em presídios. Proibido de exibir o áudio de Marcola sugerindo voto no Lula. Proibido até de adesivar carros ou fazer desconto de 22%…

Ah, claro, e teve o senador Randolfe Rodrigues mandando a militância desrespeitar ordem do TSE. O que, pelos termos atuais, é crime contra a democracia, ato antidemocrático e enseja prisão, busca e apreensão, quebras de sigilo e, claro, cassação da chapa e impugnação da candidatura. Lembrando que nunca foi feito pelo outro lado, que obedeceu a lei.

Leia também “A origem da ilegalidade”

Flavio Morgenstern, colunista - Revista Oeste

 


quinta-feira, 13 de outubro de 2022

Polícia e ladrão - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo

Neste feriado de Nossa Senhora Aparecida, os dois candidatos que disputam o segundo turno escolheram agendas bem distintas. 
Bolsonaro foi a uma igreja evangélica em Belo Horizonte e depois seguiu para uma missa no Santuário Nacional de Aparecida, em SP. Já Lula subiu o Complexo do Alemão, comandado pelo Comando Vermelho.
 
Claudio Dantas questionou: "Quem autorizou o comício de Lula no CPX do Alemão?
O antagonista questionou a campanha lulista também, mas esperou em vão uma resposta. 
As cenas de Lula usando um boné com a sigla CPX, a mesma impressa nos fuzis dos traficantes locais, circularam pelas redes sociais. André Porciúncula resumiu: "O PT não é um partido, é uma facção!"
 
Vale lembrar que o Comando Vermelho não tem esse nome em homenagem ao vermelho das rosas.  
Será que o PCC e o CV deixaram suas diferenças de lado para aderir a essa “frente ampla pela corrupção” liderada por Lula? 
O TSE quer nos impedir de falar sobre as "ligações cabulosas" entre PT e PCC, mas será que podemos falar do Comando Vermelho então, e explicar porque o nome não é Comando Verde e Amarelo?

 


 Além do feriado de Aparecida, foi Dia das Crianças nesta quarta. Quem teve infância boa lembra das brincadeiras de polícia e ladrão. A "brincadeira" virou realidade, e hoje cada eleitor pode escolher se quer estar ao lado da polícia ou dos ladrões.

Não custa lembrar que Lula já disse que Bolsonaro apoia a polícia, não gente. No Complexo do Alemão ontem, Lula voltou a atacar a polícia e pregar a ideia ridícula de que a criminalidade tem sempre uma causa socioeconômica. Diga isso a Marcola, que cita até filósofos em suas entrevistas.

Lula defende os "meninos" que praticaram sequestros, assim como sente pena dos "garotos" que "apenas" roubaram celulares. Marcia Tiburi, a filósofa petista, entende a "lógica do assalto". A esquerda radical sempre tomou o partido dos marginais, nunca das vítimas.

Já Bolsonaro representa a visão de quem cansou da impunidade, quer endurecer com criminosos, proteger a vítima inocente
Se Lula adota a mentalidade esquerdista do bandido como "vítima da sociedade", Bolsonaro incorpora quem quer punir de forma mais severa os meliantes que escolhem a criminalidade.

Eis a real divisão que se apresenta nessa eleição: você quer ser polícia ou ladrão? A alternativa nunca foi tão transparente!

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo  - VOZES

 

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Dia das Crianças - Nas entrelinhas

Passou da hora de as crianças terem uma vida quase normal, o confinamento doméstico prejudica o desenvolvimento infantil, ainda mais com o liberou geral do celular e eletrônicos

Vivemos tempos sem beijos nem abraços, entre amigos, familiares e até mesmo os amantes. A vida virou uma roleta-russa, todo dia chega uma notícia triste de alguém que morreu e, em maior número, para nossa alegria, das pessoas queridas que sobreviveram à Covid-19. O isolamento social está sendo quebrado à medida em que a taxa de transmissão da doença diminui e as pessoas ficam mais confiantes de que podem desenvolver certas atividades essenciais, com os devidos cuidados. Todos torcem pela vacina eficaz, chinesa, russa, inglesa ou norte-americana, e se arriscam um pouco mais.

Tempos darwinistas sob todos os pontos de vista: sanitário, econômico, social. A sobrevivência humana não está ameaçada, muitos tiram a doença de letra, como se fosse uma “gripezinha”, mas a capacidade de adaptação às contingências do momento é mais importante do que a resistência física de cada um para sobreviver à pandemia. Para isso servem a ciência e a consciência humana. Como diz o ditado, cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Depois de tanto tempo, as comorbidades começam a se tornar um problema muito grave, porque as pessoas deixaram de ir ao médico e ao dentista, reduziram as atividades físicas, alimentam-se por ansiedade, adiaram ou interromperam tratamentos, subestimam pequenos sintomas, enfim, não dão importância aos sinais que o corpo nos envia. E têm os nervos à flor da pele, o que agrava conflitos familiares e problemas psicomentais.

Mas, há muita esperança e fé. Amanhã é dia das crianças, os clubes estão abrindo para recebê-las em relativa segurança, apesar da pandemia. Os templos também promovem cultos, recebendo as famílias com maior ou menor distanciamento social, dependendo da fé na ciência de cada padre ou pastor. Criança é sinônimo de futuro. As escolas, porém, estarão fechadas. Desperdiçam a oportunidade de virar o jogo, jogar todos para cima. Por um desses mistérios da criação, desculpem-me o trocadilho, crianças têm menos vulnerabilidade ao coronavírus, quando não têm comorbidades, é claro; porém, podem ser agentes transmissores da doença, porque geralmente são assintomáticas quando contaminadas, dizem os especialistas. Por causa disso, os adultos estão com inconfessável medo das crianças, isso é um problema.

Azedo, você não vai escrever sobre as crianças?

A pergunta foi feita por um amigo querido, o pediatra carioca Ricardo Chavez,  parceiro de muitos blocos e passeatas, preocupado com o fato delas não estarem frequentando a escola. Entre os primeiros a defender o isolamento social, avalia que já passou da hora de as crianças terem uma vida quase normal, o confinamento doméstico prejudica o desenvolvimento infantil, ainda mais com o liberou geral do celular e outros equipamentos eletrônicos. Mandou-me um artigo excelente sobre o tema, da colega Ruth de Aquino, de quem foi um dos interlocutores, que recomendo. Repassei o texto e a pergunta para outro amigo querido, Luciano Rezende, prefeito de Vitória, que conclui o segundo mandato com reconhecido êxito administrativo e zero escândalos em oito anos. Médico também, respondeu-me dizendo a mesma coisa. Seu problema é convencer diretores de escola, professores e pais de alunos, na rede pública.

Pacto perverso
De memória, porque emprestei o livro e não me devolveram ainda, lembro de certa passagem de A quarta revolução (Portfólio/Penguin), de John Micklethwait e Adrian Wooldridge, sobre a desilusão da sociedade com os governos. O Ocidente está ficando para trás. Não se trata da chamada indústria 4.0, como o título induz, mas da necessidade de uma nova revolução política para reinventar o Estado. Vivemos uma corrida em busca de eficiência e eficácia, não apenas nas inovações tecnológicas. Estão em jogo os valores políticos que triunfarão no século XXI. Vem daí a tensão no mundo entre forças reacionárias e democráticas.

Quando o livro fala dos lobbies corporativos, cita dois exemplos da Califórnia. O dos agentes penitenciários, focado na luta contra a violência e a criminalidade, que conseguiu endurecer a legislação e multiplicar o número de presídios e a população carcerária, sem reduzir a violência, é claro. E o dos professores, que têm muito mais poder de pressão sobre os políticos, porque conseguem mobilizar os pais de alunos. Pesquisando, vi que em abril do ano passado, por exemplo, pais de alunos de São Francisco promoveram uma campanha para arrecadar fundos para uma professora, após descobrirem que ela, além de lutar contra um câncer de mama, pagava seu próprio substituto na escola. O relato do caso no San Francisco Chronicle gerou indignação em escala nacional, chegando ao Senado. Ao jornal The Washington Post, Eric Heins, presidente da Associação dos Professores da Califórnia, denunciou que o sistema de financiamento da educação sobrecarrega os professores e não os poupa, nem mesmo em momentos críticos, como períodos de doença grave.

Desde 1970, na Califórnia, o acordo coletivo dos professores garante 10 dias de folga para tratamento de saúde, que podem ser prorrogados por mais 100 dias, mas são descontadas do salário as despesas com o substituto, entre US$ 174 e US$ 240 a diária. Um educador infantil recebe por mês, em média, US$ 4.931,67; um professor primário, US$ 4.971,67; no ensino médio, US$ 5.138,33. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório de terça-feira passada, no ensino infantil brasileiro os professores receberiam por mês o equivalente a US$ 2.063,75; 
no primeiro grau do ensino fundamental, US$ 2.083,75; e no segundo, US$ 2.089,33. 

A alta do dólar, com certeza, distorceu esses números. O piso do Fundeb é de R$ 2.886,24, sendo que apenas 11 estados cumprem essa regra, segundo o Dieese. No câmbio oficial, isso equivale a US$ 521,04. Por isso, desconfio que as nossas escolas públicas já não estão fechadas por causa da pandemia; estão sem aulas por causa dos salários e, em muitos casos, das condições em que se encontram. Quem paga o pato são as crianças.

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo, jornalista - Correio Braziliense


quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Legislação penal faz piada com brasileiros - Anna Carolina Jatobá e Suzane von Richthofen deixam prisão durante feriado

Assassina dos pais é liberada no Dia das Mães e Dia dos Pais  - Suzane von Richtoffen 

 Anna Carolina Jatobá, assassina da enteada - uma criança de 5 anos - também sai no saídão do Dia das Crianças.

Madrasta de Isabella Nardoni ganha direito a saidão no Dia das Crianças

A presa informou à Justiça que pretende passar o período da saída temporária com seus filhos de 10 e 12 anos

Acusada de matar a enteada Isabella Nardoni, a detenta Anna Carolina Jatobá foi autorizada a deixar temporariamente a Penitenciária Santa Maria Eufrásia Pelletier, em Tremembé, no interior de São Paulo, para passar o Dia das Crianças fora da prisão. Anna Carolina foi condenada a 26 anos e 8 meses pela morte da menina - crime que ela sempre negou. Ela deve deixar a penitenciária, onde cumpre pena em regime semiaberto, na manhã desta quarta-feira (11/10) devendo retornar até as 17 horas da próxima segunda-feira (16/10).

A presa informou à Justiça que pretende passar o período da saída temporária com seus filhos de 10 e 12 anos que moram com os avós, na capital. Desde julho deste ano, a condenada conseguiu a progressão para cumprir a pena em regime semiaberto, o que possibilita o benefício das saídas temporárias. Esta será a primeira vez que Anna Carolina deixa a prisão. A Justiça atendeu a um pedido feito pela defesa dela. 

O marido da detenta e pai de Isabella, Alexandre Nardoni, também condenado pelo crime, cumpre pena em regime fechado, na penitenciária masculina de Tremembé. Condenado a mais tempo de prisão, ele ainda não tem direito à progressão de pena. 

A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que o processo da presa Anna Carolina Jatobá está sob sigilo de Justiça. "Ressalvamos ainda que a pasta somente cumpre decisões judiciais", disse, em nota. Procurado, o advogado da presa, Roberto Podval, não retornou as ligações.
Caso
A menina Isabella, então com 5 anos, foi jogada da janela do apartamento do casal, no sexto andar do Edifício London, na zona norte de São Paulo, na noite de 29 de março de 2008. Acusados pelo crime, o pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta da criança, Anna Carolina Jatobá, foram condenados, respectivamente, a 31 anos e 1 mês, e a 26 anos e 8 meses de reclusão. O pai recebeu pena maior pela agravante de Isabella ser sua descendente direta.


Já Suzane, condenada a 39 anos de prisão pela morte dos pais em outubro de 2002, tem direito ao regime semiaberto há mais tempo e, consequentemente, direito às saídas temporárias há mais tempo. Na saída do Dia das Mães deste ano ela não teve direito a sair por ter mentido para a Justiça.

Suzane não é mãe, nem criança, assim, não há justificativa para ser liberada no Dia das Crianças - talvez seja a Justiça 'fazendo' justiça, e a libera agora para compensar a não saída do Dia das Mães.

Fonte: Correio Braziliense e UOL/Notícias
Já Suzane, condenada a 39 anos de prisão pela morte dos pais em outubro de 2002, tem direito ao regime semiaberto há mais tempo e, consequentemente, direito às saídas temporárias há mais tempo. Na saída do Dia das Mães deste ano, ... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/10/11/anna-carolina-jatoba-e-suzane-von-richthofen-deixam-prisao-pelo-dia-das-criancas.htm?cmpid=copiaecola

 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Vida de PM no Rio: desprezados, doentes e com medo



Malvistos pela população e caçados pelos criminosos, os policiais militares do Rio de Janeiro estão abalados como soldados em guerras e mais suscetíveis a cometer erros fatais
Todos os dias, na hora de sair de casa para o trabalho, Bianca Silva ouve o apelo da filha, de 9 anos. “Mamãe, você vai morrer?”, diz Maria, que, invariavelmente, chora e abraça forte a mãe. “Por que você não escolhe outra profissão?” Bianca é capitã da Polícia Militar do Rio de Janeiro e, desde setembro de 2014, é toda a família que Maria tem. O pai, o capitão da PM Uanderson Silva, foi morto aos 34 anos durante um confronto com traficantes no Complexo do Alemão

Comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) de Nova Brasília, a mais violenta entre as favelas incluídas no programa, Uanderson foi morto pela bala de um de seus soldados ao ficar no meio do fogo cruzado. Bianca passeava em um shopping quando recebeu a notícia de que o marido havia sido baleado. Antes de ir ao hospital, passou no batalhão para trocar o vestido pela farda, temendo que o ciumento Uanderson reprovasse o traje de passeio. Uanderson morreu antes que ela pudesse vê-lo. “Os danos psicológicos são inevitáveis”, diz Bianca. “O tempo inteiro nós convivemos com o medo de morrer.” Bianca não cogita desistir da profissão, apesar da tristeza da filha, que toma tranquilizantes e é acompanhada por psiquiatras da Polícia Militar.


PERSISTENTE
A capitã Bianca no complexo do Alemão. O marido, também PM, morreu em tiroteio com traficantes. "O tempo inteiro nós convivemos com o medo de morrer", diz(Foto: Agencia Sincro)

Bianca e Uanderson se conheceram na academia de formação de oficiais da PM do Rio de Janeiro e trabalhavam na mesma região. Só no primeiro semestre do ano passado, policiais das UPPs do Complexo do Alemão e da Penha estiveram envolvidos em 260 tiroteios, mais de um por dia. Na favela Nova Brasília, o clima entre policiais e moradores é de animosidade. A polícia é tratada como mais um inimigo, não um aliado. Para amainar a situação, no passado Bianca considerou criar um programa de distribuição de presentes no Dia das Crianças. Mas o projeto minguou, segundo ela, pela resistência da população local. “Sentia o medo das crianças em falar comigo”, diz. “Elas crescem com a visão de que o policial é violento.” 

É comum entre os PMs a percepção de que a população sente medo, repulsa e até certo desprezo por eles, como mostra a pesquisa UPPs: o que pensam os policiais, feita recentemente pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes. Para a maioria dos policiais entrevistados, os sentimentos dos moradores em relação a eles são de ódio, raiva, aversão, desconfiança, resistência e medo. O cabo Rodrigo Cunha sentiu isso nas vielas do Morro São Carlos, onde uma UPP foi instalada em 2011. “Existem lugares em que o Estado está lá de intruso”, diz. “Você dá bom-dia à criança e a mãe vem correndo levá-la embora. ‘Não fala com polícia.’ Acham que seria melhor se nós não estivéssemos lá.” Comerciantes se recusavam a vender garrafas de água a Rodrigo e moradores cuspiam no chão quando ele e os colegas passavam.

Barbaridades cometidas por alguns PMs ao longo dos anos, como tortura, agressões, execuções de inocentes e fraudes para camuflar assassinatos a sangue-frio, criaram essa rejeição em parte da população. Para ficar em um exemplo rumoroso, desde julho de 2013 não se sabe o que aconteceu ao pedreiro Amarildo, que desapareceu depois de ser levado para a sede da UPP da Rocinha. Vinte e cinco policiais da unidade são acusados de participar da tortura, morte e do sumiço do corpo. Nesta semana, oito PMs foram condenados. [Não existe a menor prova, o menor indício de que Amarildo está morto; só que em nome do maldito ‘politicamente correto’ ficou bem mais cômodo condenar policiais inocentes – esquecendo que com isso deixam um crédito de um cadáver com a PMERJ.] 

Chagas como essa não apenas não cicatrizam como contaminam a rotina dos policiais que trabalham direito. ÉPOCA entrevistou militares, levantou estatísticas e teve acesso a pesquisas inéditas sobre a situação-limite em que vivem os policiais do Rio de Janeiro, como mostram os quadros desta reportagem. Os policiais têm índices piores que a média da população de doenças causadas por sedentarismo, sentem-se desanimados, com medo, e usam álcool, remédios e drogas. Os policiais sabem que são malvistos, sentem-se ameaçados e têm muito, muito medo de morrer – justamente por serem policiais. 

O curso de formação de praças da Polícia Militar do Rio de Janeiro ensina os aspirantes a policial a agir, em todos os sentidos. Há algum tempo, entre as orientações eles aprendem a ocultar a profissão e sobreviver em uma cidade violenta, refratária a eles. Os policiais ouvem que devem usar o carro, em vez do ônibus, para ir trabalhar. Mais: devem esconder a farda no porta-malas ou no banco traseiro, sempre pelo avesso e dentro de um saco escuro. Todos os dias, o soldado Antônio Matsumoto, de 34 anos, passa cerca de três horas no trânsito para chegar ao quartel na Tijuca, na Zona Norte da cidade.  

Chegaria mais rápido se fosse de trem ou metrô, mas tem medo de assaltos: a farda na mochila pode ser uma sentença de morte, como foi em outubro para o sargento Fernando Monteiro, assassinado a tiros de fuzil quando assaltantes encontraram seu uniforme. Parceiro de Matsumoto no patrulhamento diário, Fábio Terto, de 33 anos, é obrigado a ir de trem para o trabalho. Depois de fardada e armada, a dupla vai de ônibus para o patrulhamento, uma novidade para aproximar os agentes da população. Matsumoto fica de pé na porta perto da catraca, com a mão na pistola, enquanto Terto se posta na porta traseira. A aflição é total. Ninguém olha para ninguém. Como eles, 81% dos policiais acham que vivem “em risco constante”.

TENSÃO CONSTANTE
A dupla Matsumoto e Terto em patrulha. Para eles transporte coletivo só com farda e arma na cintura (Foto: Agencia Sincro)

Além de alertar para a farda, os instrutores do curso de formação preparam os alunos para o pior em termos de autoestima. “Ninguém gosta de você, só seu cachorro!”, diz o instrutor, aos gritos. “A cidade vai odiar você: o porteiro te dá café, a moradora oferece um lanche à tarde, mas todo mundo te odeia, só dá porque você está de farda.” Em vez de aprender o convívio com a sociedade, o policial sai preparado para o confronto. “A PM não é feita para matar, não deve matar, a não ser em absoluta defesa pessoal ou de terceiros”, diz o coronel Robson Rodrigues, até dezembro chefe do Estado-Maior da corporação. “Mas morremos muito e matamos muito.” O Brasil é um dos países com o maior número de policiais mortos em confronto

 Em 2014, último ano disponível na estatística, 352 policiais foram mortos no país – só para comparar, foram 96 nos Estados Unidos e apenas oito no Reino Unido. Segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio de Janeiro  é o Estado com o maior número de policiais assassinados em confrontos, com 93 em 2013 e 95 em 2014um deles, sabe-se, foi o capitão Uanderson, pai de Maria, marido de Bianca.

De acordo com o coronel Robson Rodrigues, o nervosismo dos PMs “aumenta o risco de produzir ações desastrosas”, como a que ocorreu em outubro na Pavuna, bairro da Zona Norte. Um sargento matou a tiros Jorge Lucas Paes e Thiago Guimarães ao confundir o macaco hidráulico que eles carregavam numa moto com um fuzil. Em fevereiro de 2014, dois mototaxistas foram mortos da mesma maneira. Esses casos aconteceram nas áreas dos dois batalhões onde recentemente ocorreram mais confrontos com traficantes, o 41º (Irajá) e o 9o (Rocha Miranda).

O neurocientista mexicano Roberto Mercadillo, da Universidade Autônoma Metropolitana, aponta que o medo, a falta de sono e o enfrentamento constante causam perda de atenção e de memória, tornando as decisões mais lentas e o policial mais hostil e agressivo. “O PM convive com a criminalidade e tem uma arma na cintura. Se está em desequilíbrio emocional, não tem plenas condições de avaliar a situação. No caso dele, é letal”, afirma a psicóloga Patrícia Constantino, da Fiocruz, que conduziu uma pesquisa sobre hábitos e saúde dos policiais. Os estudos mostram, portanto, que um policial nessas condições é capaz de atirar em dois rapazes que carregam uma ferramenta por achar que eles são bandidos armados até os dentes. Infelizmente, há policiais assim nas ruas do Rio de Janeiro atualmente, como mostram as estatísticas expostas nestas páginas.

Arrimo da política de segurança pública do Estado, o projeto das UPPs parecia demarcar territórios onde a harmonia imperaria. Não mais. No decorrer do ano passado, traficantes de áreas em tese pacificadas mataram 12 policiais. Em setembro, bandidos balearam o soldado Bruno Pereira nas costas e arrastaram o corpo preso a um cavalo em Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense, uma área sem UPPs. No mês seguinte, Neandro Oliveira, há dois anos na PM, foi baleado e queimado vivo no Morro do Chapadão, na Zona Norte. 

Casos assim, obviamente, instauram o medo entre policiais. “Nas guerras no Afeganistão e no Iraque, o soldado fica lá um ano e volta para casa”, afirma o comandante do Comando de Operações Especiais, coronel René Alonso. “Aqui são anos sem mecanismo de descompressão ou alívio.” Uma pesquisa da própria Polícia Militar revela que os agentes que atuam nas zonas “vermelhas” das UPPs estão em alto grau de sofrimento mental, medido a partir de um teste da Organização Mundial de Saúde no qual se pergunta ao paciente, entre outras questões, se ele dorme mal, sente-se nervoso e assusta-se com facilidade.

Em setembro de 2014, diante do agravamento da violência, o comando das UPPs criou uma comissão com a incumbência de avisar as famílias de PMs mortos em serviço ou de folga. Foram chamados seis jovens soldados (três mulheres e três homens), com formação em psicologia e assistência social. Eles orientam os parentes das vítimas nas providências mais urgentes, como o velório e o enterro. Nas semanas seguintes, voltam a procurar a família para tomar nota do que ela precisa. “Queremos mostrar que o policial não é só um número em nossa estatística de vítimas”, diz a tenente Silvia Souza. Também faz parte da tarefa acompanhar a recuperação de feridos.

Recentemente, os integrantes da comissão estiveram com o soldado Alexsandro Fávaro, de 35 anos. “Coloque-se no meu lugar e imagine ver a pessoa que você mais ama tendo de trocar sua fralda”, diz ele a ÉPOCA, referindo-se à mulher, Lígia, sua companheira há 17 anos. Na cadeira de rodas, Fávaro se lembra de seu início na UPP. “Moradores nos aplaudiam e gritavam palavras de apoio”, recorda. Mas ele logo percebeu que os aplausos eram só uma forma de alertar os traficantes sobre a patrulha. Fávaro usava estratégias inusitadas. Banhou em ouro o anel de prata com a imagem de São Jorge, pois exibir joias reluzentes é uma característica dos policiais corruptos, os “arregados”, que recebem propina de traficantes. Fazendo-se passar por um deles, Fávaro conseguia se aproximar de criminosos e prendê-los. Em uma investigação, descobriu uma passagem secreta dos traficantes, ao lado de um bar numa das principais ruas do Morro do Fogueteiro.  

Num sábado, Fávaro e sete policiais montaram uma operação para prender os bandidos, mas foram surpreendidos por 15 homens armados com fuzis, em um beco estreito, sem ter para onde correr. Ele havia passado o fuzil para um colega e tinha nas mãos apenas uma escopeta com balas de borracha. Sacou a pistola, mas, já ferido, caiu no chão. “Quem chegaria primeiro aonde eu estava caído: minha equipe ou os bandidos?” Os policiais o alcançaram antes, mas um dos tiros atingira sua garganta e saíra pelo pescoço, rompendo-lhe as vértebras.


TIROTEIO NO BECO
O soldado Alexsandro Fávaro, tetraplégico após um tiroteio, com a mulher e colegas."Coloque-se no meu lugar e imagine a pessoa que você ama tendo de trocar sua fralda',diz (Foto: Agencia Sincro)

A PM tem 95 psicólogos que atendem policiais em 26 dos 45 batalhões fluminenses. Em 2014 foram 25 mil consultas, e a corporação pretende contratar mais profissionais em 2016 para atender seus 47 mil policiais. Os médicos e psicólogos trabalham de branco e pedem aos PMs que “troquem a ‘fantasia’ de Super-Homem pela de Clark Kent”, como explica a major médica Rosana Cardoso. Coletes à prova de balas, armas e até a gandola (a camisa da farda) ficam na antessala do consultório dos psicólogos e, em casos mais graves, dos psiquiatras.

Mas nem todos conseguem: um cabo do 41o Batalhão sob atendimento psicológico disse a ÉPOCA que não consegue acesso ao psiquiatra – carência admitida pela corporação. “Quase morri em tiroteio e o comandante nem me agradeceu”, diz. “Estou pedindo de joelhos para sair da rua.” Atualmente, 6% dos PMs estão afastados das ruas por problemas de saúde física ou mental. “Policiais não são máquinas de produzir segurança. Sua jornada é exercida em condições adversas e extenuantes. A impossibilidade de expressar e ver acolhido seu sofrimento se transforma em adoecimentos, disfunções cardíacas, insônia, irritação, depressão e outros agravos físicos e mentais”, afirma, em artigo, a pesquisadora Cecília Minayo, da Fiocruz. Obviamente, pessoas nesse estado não estão em condições de cumprir a contento a missão de proteger milhões de cidadãos.

Fonte: Revista ÉPOCA