Todos
os anos, o Big Brother Brasil ajuda a popularizar carreiras que até
então não eram tão conhecidas do grande público.
Foi assim com os DJs,
sushimen, influencers, lutadores de MMA, designers de unhas, hipnólogos,
instrutores de crossfit, drag queens, etc. Em 2023, a participante de
Osasco (SP) Sarah Aline trouxe à tona uma atividade em franco
crescimento no país: ela é analista de diversidade.
O
nome parece retirado de um esquete de humor, mas a possibilidade de
ingressar na nova profissão vem atraindo um número cada vez maior de
psicólogos, educadores jornalistas, publicitários e toda a sorte de
ativistas e militantes. Só no LinkedIn, rede social de buscas por
empregos, são mais de seis mil vagas abertas na área – que, em resumo,
consiste em incluir e promover grupos minorizados e sub-representados
nas organizações.
Nos Estados Unidos, no entanto, a
chamada indústria de DEI (diversidade, equidade e inclusão) passa por um
momento de reavaliação e desconfiança. Inclusive por parte dos
próprios especialistas desse mercado, que movimenta mais de U$ 8 bilhões
por ano, segundo a consultoria McKinsey. Para os críticos, a maioria
dos programas de DEI são apenas performáticos e não funcionam na
prática. E o pior: podem estimular um pensamento homogêneo e conflitos
internos nas empresas e instituições.
Autora de
livros como ‘DEI Deconstructed’ e ‘Reconscruting DEI’, a analista e
estrategista Lily Zheng se tornou uma das principais vozes dissonantes
emergidas das entranhas do setor. Em entrevistas e artigos divulgados na
imprensa e nos meios acadêmicos norte-americanos, ela destaca o rápido
crescimento da área nos últimos três anos (impulsionado por
acontecimentos como a pandemia e a comoção em torno do assassinato de George Floyd) e garante que as consultorias criam um impacto momentâneo, mas não trazem resultados a longo prazo.
Para
a autora, organizações públicas e privadas, incluindo universidades,
estão gastando rios de dinheiro sem definir metas claras, planos
estratégicos e ferramentas para medir o sucesso dos programas de DEI –
implantados de forma arbitrária e oferecidos por empresas que prestam
serviços praticamente idênticos. Zheng ainda faz alertas com relação a
alguns efeitos colaterais causados por consultorias e treinamentos
desenvolvidos de forma apressada e com poucos critérios. Um deles dá
conta da reação negativa e da falta de envolvimento por parte de
funcionários pertencentes aos grupos ditos privilegiados. “Mesmo
entre os líderes brancos que se preocupam com o trabalho de DEI, há uma
parcela de 70% que simplesmente não participam dos processos porque
sentem que os consultores não os querem por perto. E sabemos que
atribuir culpa e vergonha às pessoas não funciona”, explica a analista
em um ensaio publicado no site da Harvard Business Review.
Também
chama a atenção o caso da pedagoga e professora negra Tabia Lee.
Contratada para ser a diretora de Equidade, Justiça Social e Educação
Multicultural da faculdade comunitária De Anza, na Califórnia, ela foi
desligada pouco tempo depois de assumir a função, por questionar a
“ortodoxia antirracista” adotada pela instituição. “Fui demitida por
fazer perguntas”, alega Lee, chamada (pasmem!) de “supremacista branca”
por colegas de um grupo organizado de docentes assumidamente
socialistas.
A pedagoga relata que seu calvário de
cancelamento começou com a recusa a usar termos de gênero neutro em
documentos e nas conversas cotidianas. Em outro desentendimento interno,
ela contestou a grafia da palavra “negro” sempre com a primeira letra
maiúscula – enquanto “branco” aparecia só com minúsculas. O estopim
aconteceu quando Lee não reconheceu o espaço do campus como terra
indígena pertencente a uma tribo da região.
Diante
de controvérsias como esta, governadores de estados como Flórida, Ohio e
Texas iniciaram um processo de interrupção de investimentos em
programas de DEI nas universidades públicas. Muitos dos cortes são
justificados a partir de estudos realizados por ONGs voltadas para a
defesa da liberdade de expressão – uma pesquisa recente da entidade
FIRE, por exemplo, mostra que mais de 80% dos alunos admitem se
autocensurar em sala de aula com medo de serem prejudicados por
professores com posicionamentos radicais de extrema esquerda.
Ou
seja: a reação à cultura do DEI nos Estados Unidos vai além das
críticas à falta de foco das organizações e dos bilhões desperdiçados em
ações de utilidade duvidosa. A preocupação, agora, é que programas
aparentemente inofensivos estejam servindo como porta da entrada para a
introdução de ideologias radicais até nas companhias mais tradicionais
do país.
Vide o caso recente da Chick-fil-A, cadeia
de lanchonetes fundada em 1946 no estado da Georgia. Com cerca de 2, 5
mil unidades, a marca ficou conhecida não apenas por seus sanduíches de
frango produzidos à moda antiga e pela capacidade de se espalhar por
todas as regiões dos EUA. Sua imagem junto ao público sempre
foi associada às convicções cristãs do fundador da rede, Samuel Truett
Cathy, morto em 2014. Ligado à igreja batista, ele instituiu o
fechamento das lojas aos domingos e doava recursos para entidades
defensoras do casamento entre homens e mulheres, entre outras
iniciativas coerentes com suas crenças.
Mas os
valores de Cathy tendem a ser esquecidos rapidamente. No final de maio, a
companhia anunciou a criação de uma “vice-presidência de diversidade,
equidade e inclusão” – algo impensável nos tempos do velho Samuel e uma
prova de que as empresas estão sendo fortemente pressionadas a se
alinhar com o ideário esquerdista.
Uma
imposição que já chegou na Aeronáutica (que atualmente conta com quatro
consultores de diversidade remunerados com salários milionários) e até
na área da saúde (o Colégio Americano de Cirurgiões contratou a peso de
ouro um guru de DEI para ensinar os médicos a “combater o racismo nas
cirurgias”).
Mercado aquecido no Brasil
Sempre
atrasado no que se refere aos modismos corporativos, o Brasil ainda
está entrando na onda dos treinamentos e consultorias de DEI. “Já
superamos a fase em que as empresas viam a inclusão como algo
filantrópico, assistencialista. Muitas lideranças agora entendem que uma
equipe formada por pessoas diversas, com backgrounds diferentes, pode
oferecer soluções mais criativas para o desenvolvimento dos negócios”,
diz Tiago Alves Pereira, consultor de Diversidade e Inclusão do
Instituto de Identidades do Brasil (ID_BR).
Mas
Pereira reconhece que, por enquanto, a maioria das companhias busca
implantar esse tipo de programa para lidar com alguma crise de imagem
junto ao público (especialmente por conta de denúncias em redes sociais)
ou processo na Justiça. Há, ainda, empresas interessadas em abrir seu
capital na bolsa de valores – e, para estarem aptas a receber
investimentos, devem seguir regras voltadas para o aumento da
diversidade de gênero e da representatividade de grupos minorizados em
seus times.
Uma
das fundadoras da Diversifica, um “escritório de projetos em
diversidade, equidade e inclusão” com sede em Belo Horizonte, Samara
Barbosa reconhece que o setor ainda enfrenta problemas como a falta de
métricas para avaliar resultados. Também admite que há poucos
profissionais no mercado devidamente especializados. “Nossa equipe é
formada por pessoas que, de alguma forma, vieram do ativismo social. Mas
nossa regra é: não dá para militar dentro das empresas”, garante.
Com
um histórico de clientes que inclui mais de 40 organizações de todo o
país, a Diversifica e seus analistas atuam em várias frentes de trabalho
– de processos seletivos à mentoria de lideranças, passando por media training (preparação
de executivos para atuar como porta-vozes), mapeamentos, integração de
novos colaboradores, planejamentos estratégicos e até atividades de
“cliente oculto” (técnica em que profissionais treinados se passam por
pessoas comuns e testam a qualidade do atendimento de empresas e
instituições).
A gigante de tecnologia Intel
contratou a Diversifica há cerca de dois anos, após analisar propostas
de outras dez consultorias (uma prova de que o mercado está realmente
aquecido por aqui). Segundo Carolina Prado, gerente de comunicação da
companhia para a América Latina e coordenadora de um comitê interno de
DEI, a diversidade é um dos valores da multinacional, cuja estrutura
organizacional global inclui uma diretoria independente criada
exclusivamente para tratar das questões relacionadas ao tema.
Questionada
sobre a eficácia dos programas junto aos 100 funcionários da Intel no
Brasil, Carolina acredita que um dos caminhos para o sucesso é fazer que
os colaboradores egressos de grupos privilegiados também “se sintam
pertencidos”. E cita outra ex-BBB negra e militante, Lumena Aleluia,
como exemplo a não ser seguido. “Gosto da Lumena, mas ela usava uma
linguagem muito específica”, diz – fazendo, sem perceber, um contraponto
entre sua agressividade no estilo “dedo na cara” e o tom apaziguador
que marcou a participação de Sarah Aline no reality show.
Omar Godoy - Gazeta do Povo - Ideias