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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

A força do Congresso - Congresso dominante - Merval Pereira

O Globo

Há uma Constituinte não declarada

Uma febre revisionista toma conta do Congresso, que vem ocupando o espaço decisório deixado vazio pelo Executivo, comandado por um Bolsonaro completamente sem apetite para as coisas grandes, e voltado diuturnamente para as pequenezas. [e sempre boicotado quando da análise dos projetos que apresenta.] Assim como a atuação do Congresso estabelece um parlamentarismo branco, também há em andamento uma Constituinte não declarada. Depois de anos de inação, dependendo do Executivo para tomar decisões, o Congresso parece estar gostando de assumir o protagonismo, o que tem sido bom para o país na maior parte das vezes.

Mas quando o Congresso resolve mudar a Constituição com objetivo político de se auto-blindar, mesmo as decisões corretas em si acabam sendo problemáticas. É o caso do juiz de garantias, figura existente em diversos países que poderia ser um avanço democrático se não fosse tirado do bolso do colete para travar o combate à corrupção pelos juízes de primeira instância, que têm tido papel preponderante na Operação Lava-Jato.

A prisão em segunda instância, que havia sido um avanço do Judiciário em direção ao fim da impunidade, foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e agora volta à discussão no Congresso. Uma proposta de emenda constitucional (PEC) está em discussão, sem que haja certeza nem de sua aprovação, nem se será considerada constitucional pelo STF. Duas outras mudanças estão em gestação no Congresso, uma com a intenção de barrar a entrada na política de juizes e procuradores, outra para controlar a nomeação de juízes para o Supremo, hoje dependente unicamente do Presidente da República. [depende unicamente do presidente da República, pelo fato de que o Senado da República, que tem a responsabilidade de referendar o indicado, se omite ou age de forma política, tendo caso de candidatos cujo histórico deixaria, no mínimo em dúvidas, sobre ser possuidor do notório saber jurídico.]

A quarentena de quatro ou de oito anos para um magistrado disputar cargo eleitoral tem endereço certo: impedir que o hoje ministro Sérgio Moro, indicado eventualmente para o STF por Bolsonaro para livrar-se dele como candidato à presidência da República, seja impedido de pensar na hipótese.  Assim, não apenas Bolsonaro, mas os políticos em geral, travariam uma possível carreira parlamentar de Moro, ou mesmo sua chegada à presidência da República. A outra PEC pretende tirar do presidente da República a exclusividade da escolha dos membros do Supremo, dando ao Congresso um poder maior.
A indicação seria feita a partir de uma lista tríplice, com nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Procuradoria-Geral da República e pelo próprio STF. Há outras propostas que incluem o Congresso entre os que indicariam os candidatos ao presidente. [o que mais se encontra no noticiário é menção a situação de deputados e senadores enrolados com as leis, por prática de atos  ilegais(a maioria, visto que ainda existe alguns que são honestos e conscientes das suas obrigações de 'representantes do povo') e dar a eles o direito de escolher/indicar ministros do STF seria, no popular: entregar o galinheiro para as raposas;

a OAB, representa a classe dos advogados - como em qualquer categoria tem os honestos, excelentes, competentes e os que usam as leis para protegê-los em sua ilegalidade - e qual o sentido daquela Orden indicar candidatos ao cargo de ministros do STF (que sequer precisam ser bacharéis  em direito - quanto mais advogados)?
o que justifica privilegiar uma categoria específica? se a OAB pode, o CRM pode, os militares podem, etc, etc.
O certo é o modo atual: o Presidente da República indica, conforme critérios da Constituição Federal e o  Senado da República aprova ou rejeita - cabe encontrar uma forma de impedir que o Senado aja de forma política.]
 
Outra PEC quer fixar um mandato de 10 anos para os ministros, mantendo a idade de 75 para a expulsória. [um mandato fixo, até mesmo menor que os dez anos seria o ideal;  permitir idade de 75 anos não parece ter sido uma medida adequada - o ideal é voltar a idade de 70 anos, com mandato de 10 anos - valendo o que ocorrer primeiro.] Há bons motivos para essas mudanças, não apenas dar aos parlamentares um maior poder de barganha e uma blindagem política. 

O Brasil segue o modelo dos Estados Unidos para a escolha de seus ministros da mais alta Corte, com diferenças a nosso favor a meu ver. Nos Estados Unidos, o cargo é vitalício mesmo, não havendo prazo fatal para aposentadoria. Há casos em que o juiz que já não tem condições de atuar é constrangido por seus pares a renunciar, numa ação delicada e cheia de sutilezas. Lá o presidente da República escolhe o presidente da Suprema Corte, cargo que também é vitalício. Alguns países têm mandatos: Alemanha, 12 anos, Portugal, 10 anos, Espanha 9 anos. A maior parte tem o Congresso como avalizador da escolha, não apenas por uma sabatina. Participam também da indicação. Na Alemanha, metade dos 16 integrantes é escolhida pelo Bundestag, que é o parlamento, e outra pelo Bundesrat, órgão constitucional. 

Na Espanha, o Congresso escolhe quatro dos doze membros do Tribunal Constitucional, o Senado outros quatro, dois são escolhidos pelo Judiciário e dois pelo governo. Na Franca, além dos ex-presidentes que são membros vitalícios, três são indicados pelo Parlamento, três pelo presidente da Assembléia Nacional, três pelo presidente do Senado.
Na Corte Constitucional da Itália, cinco dos 15 membros são indicados pelo Parlamento, outros 5 pelo presidente do país, e o outro terço pelas cortes superiores. Em Portugal, dez dos membros do Tribunal Constitucional são eleitos pela Assembléia da República, e três pelo próprio Tribunal. Como se vê, não há nada de mais em o Congresso querer participar da escolha dos membros do STF, embora o Senado, no modelo atual, já pudesse fazer uma sabatina mais rigorosa para sacramentar a escolha do presidente da República. 

Merval Pereira, jornalista - O Globo

 

 

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

Lula preso valia mais politicamente que Lula livre - Merval Pereira

O Globo

Chances renovadas

O novo ano começa como os últimos, com esperanças de que o país recupere sua capacidade de crescimento econômico. As perspectivas desta vez são melhores do que já foram, especialmente porque o governo, eleito pelo voto popular, mantém seu projeto reformista, avalizado pela aprovação da reforma da Previdência. O governo Temer, um intervalo entre o petismo e o bolsonarismo, chegou a ter o controle político do Congresso, mas perdeu a chance de aprovar a reforma da Previdência devido à crise desencadeada pelo diálogo gravado com o empresário Joesley Batista. [e as denúncias, até hoje não provadas, apresentadas pelo ex-PGR Rodrigo enganot;
a propósito, as delações dos açougueiros de Anapólis, irmãos Batista, já foram homologadas?]

Temer teve que trocar o apoio que tinha no Congresso pela manutenção de seu cargo, perdendo força para aprovar as reformas. Hoje, temos pela primeira vez um Congresso renovado que comprou a ideia de que é preciso reformar estruturalmente o país, e um governo que mantém o objetivo de aprovar as reformas tributária, administrativa, do pacto federativo. O parlamentarismo branco faz com que o Congresso module as reformas propostas pelo Executivo, às vezes avançando, principalmente na economia, em outras as adequa a seu perfil, como no pacote anticorrupção. Sempre, porém, tem havido progressos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu para si garantir a governabilidade do país, num estranho pacto entre os Três Poderes que não reflete obrigatoriamente o pensamento da maioria de seus pares.  Como quando seu presidente Dias Toffoli blindou a presidência da República sustando a investigação sobre o suposto esquema de lavagem de dinheiro envolvendo o hoje senador Flavio Bolsonaro quando era deputado estadual no Rio e tinha o famigerado Queiroz como seu assessor de confiança. O calcanhar de Aquiles do governo.  [2019 mudou para 2020, mas, o nosso presidente Bolsonaro continua tendo um CPF e o senador Flávio, seu filho, um outro CPF;
Também, até o presente momento, existe indícios contra um ex-assessor do hoje senador e a suspeita de envolvimento do parlamentar com possível, e ainda não provada, irregularidades.]
Toffoli teve que voltar atrás e aderir à decisão da maioria que avalizou a atuação do antigo Coaf e da Receita Federal. Apesar dos êxitos na área econômica e da popularidade do ministro Sérgio Moro, identificado pela opinião pública com o combate à corrupção e ao crime organizado, a presidência de Bolsonaro consegue reduzir suas próprias conquistas com a obsessão de aniquilar a esquerda e produzir embates quase diários para manter a polarização com o PT. [ o PT está em avançado processo de implosão e os seus pseudos líderes - combinando com os objetivos do partido perda total, os seus líderes são todos envolvidos com a Justiça:
- a cabeça da serpente é um duplamente condenado, em liberdade temporária, e com vários outros processos em curso e que resultarão em novas condenações;
- a vice líder responde a processos penais e é questão de tempo ser condenada.
Assim, o perda total é praticamente uma carta fora do baralho.

Quanto a esquerda o BEM COMUM impõe sua eliminação, aliás, um processo que está ocorrendo nas mais importantes nações do mundo.]
Assim como Lula já definiu como seus alvos principais os ministros Guedes e Moro, justamente as áreas mais bem sucedidas do ministério, também Bolsonaro empenha-se em colocar-se mais uma vez como o antiPT, na suposição de que esse é seu principal ativo político. As crises políticas que alimenta podem representar obstáculos intransponíveis a qualquer momento. Bolsonaro pode também estar equivocado, mantendo a chama acessa do lulismo, que até o momento não se mostra capaz de mobilizações populares como antes da prisão do ex-presidente.
Lula preso valia mais politicamente que Lula livre.         

Uma certeza
É impossível no momento saber exatamente como seu deu a fuga de
Carlos Ghosn, ex-presidente da Nissan, do Japão para Beirute, no Líbano. Desconfia-se de que governos estrangeiros ajudaram de alguma maneira na fuga. Mas uma coisa parece certa: dentre eles, não está o governo brasileiro. Apesar dos esforços do ministro da Economia Paulo Guedes, amigo de Ghosn, que apelou primeiro ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo. Não tendo sido atendido, Guedes foi a Bolsonaro. Conseguiu que se comprometesse a visitar o empresário brasileiro quando estivesse em Tóquio na reunião do G-20, em junho. O máximo que fez foi falar ao telefone com Ghosn, que se encontrava em prisão domiciliar.

O executivo foi convidado duas vezes para dirigir a Ford. A primeira em 2006, e ele exigiu acumular a direção executiva com a presidência do conselho de administração, que era presidido por Bill Ford Jr. Não deu certo.
Em 2008, na grande crise econômica, o então presidente Obama procurou-o pessoalmente para oferecer-lhe o dobro de seu salário na Nissan para presidir a Ford, que estava à beira da falência. Mais uma vez Carlos Ghosn recusou.

Merval Pereira, colunista - O Globo 


quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Bolsonaro, a geringonça da extrema-direita - Folha de S. Paulo

 Vinicius Torres Freire 


Apesar de tumultos, há um arranjo político até aqui estável na política e na economia

Pode parecer doido quem diga que houve alguma estabilidade neste quase primeiro ano de Jair Bolsonaro. Mas há um arranjo político que dura desde março, que evitou o desgoverno total, o desarranjo geral no Congresso e os piores arreganhos autoritários ou disparates jurídico-administrativos.  Além do mais, não houve choque político da dimensão vista neste país pelo menos desde 2013, a cada ano. Mesmo a avaliação de Bolsonaro mantém-se praticamente estável desde abril, embora tenham se deteriorado as expectativas de sucesso de seu governo. [com a recuperação da economia, haverá espaço para outras reformas e a recuperação de eventuais expectativas que podem parecer deterioradas.
A recuperação da economia - que começa a ocorrer, apesar da torcida contra da turma do 'quanto pior, melhor' - será o carro chefe para realização de outras reformas e cumprimento de promessas de campanha = estaremos diante de Bolsonaro/Moro = 80.000.000 de votos.]

As altercações e os ultrajes quase diários dão a impressão de movimento caótico. Avanços e recuos em medidas e leis demonstram que o governo carece de coordenação político-administrativa, pelo menos segundo o padrão geralmente aceito de planejamento racional.  Caíram dois ministros palacianos que pareciam do núcleo íntimo permanente de Bolsonaro (Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz). O “núcleo militar”, que daria estrutura e funcionalidade ao governo, como se especulava bobamente (aqui inclusive), foi desfeito em menos de seis meses; vai encolher ainda mais até março, com mais substituições de ministros oficiais-generais. [muitos confundiram militar da reserva - que possuem prestígio e capacidade administrativa e política  -  com militar com comando de tropas.]

Bolsonaro cumpriu até aqui e de certo modo a promessa de não montar um governo baseado em coalizão parlamentar. Isto é, não trocou cargos por bancadas aliadas no Congresso; a ideia tola de governar com “bancadas temáticas” (bala, boi, Bíblia) era isso mesmo, sem fundamento e se esfumaçou.  O presidente de resto hostiliza, hoje um pouco menos, o responsável por aprovar reformas sem as quais a economia do país e seu governo estariam em convulsão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. [Rodrigo Maia, treme de pavor, cada vez que constata a consolidação do governo do presidente Bolsonaro;
agora mesmo viaja para a Europa (em uma operação de quinta coluna, fadada ao fracasso) a pretexto de dialogar com órgãos internacionais, esquecendo que não representa o Brasil, não representa o Poder Executivo.

Por ser presidente da Câmara dos Deputados representa uma das Casas do Poder Legislativo - só que a função que exerce, lhe confere poder de travar medidas, votações, mas, quando vota é apenas e tão somente um voto.
Pensar nele como candidato viável ao cargo de presidente da República é irreal, já que lhe faltam votos - para ser uma candidatura viável, tem que multiplicar os votos que recebeu em outubro 2018, no mínimo,  1.000 vezes.]
   Seu governo bate recordes de derrotas em votações parlamentares. Seu partido se dissolveu em menos de nove meses de governo, em meio a uma chacrinha sórdida, com o que Bolsonaro não se incomodou muito, se tanto, diga-se de passagem.

De que estabilidade se trata, então?
A elite política e econômica acomodou Bolsonaro. O que parecia uma extravagância passageira no início do ano, o “parlamentarismo branco”, firmou-se até aqui, embora sabe-se lá o que será desse arranjo até março, quando o Congresso voltar das férias de verão, depois de consultar as “bases”, quando talvez já se tenha alguma ideia de se a recuperação econômica “agora, vai”.  Mas o governo do premiê acidental Maia funciona regularmente. Discute e organiza os projetos da Economia. Contém os avanços autoritários de decretos e projetos de Bolsonaro. As lideranças do centrão, Maia inclusive, arrumaram um jeito de acalmar parlamentares, com o pagamento de emendas e nomeações para cargos de terceiro escalão ainda rendosos em termos políticos.

Nesse parlamentarismo branco ou encardido, o presidente mantém certos poderes, como em alguns de seus similares formais. Por exemplo, o poder de fazer guerra cultural (na educação, na cultura), o de aparelhar a máquina com esbirros ideológicos alucinados, de intervir aos poucos nos órgãos de controle (Procuradoria-Geral) e de tocar a política externa.  Difícil dizer que não se trata de arranjo funcional, que contribuiu para estabilizar a economia ou evitar recaídas ou desastres. Essa geringonça de extrema-direita, de resto, cria uma base estável para Jair Bolsonaro tocar o seu principal projeto, que é “quebrar o sistema” político e as instituições de controle democrático.

 Vinicius Torres Freire, colunista - Folha de S. Paulo/UOL



sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Presidente do STJ baixa folga no tribunal e curte show do Elton John - Radar - VEJA

 Por Robson Bonin

Corte não estava na área afetada pelo esquema de segurança dos Brics, mas entrou no 'feriadão' mesmo assim
O presidente do STJ, João Otávio Noronha, baixou ponto facultativo na Corte durante o encontro dos Brics e partiu com o colega, o ministro Ricardo Cueva, para curtir o show de Elton John nos EUA.


Câmara desmente ‘golpe’ de Maia para tirar mandato de Bolsonaro

Site do Legislativo abriu um espaço, o 'Comprove', para começar a desmentir fake news propagadas contra a Casa


O site da Câmara abriu um espaço, o “Comprove”, para começar a desmentir fake news propagadas contra a Casa. A primeira notícia falsa desmentida é sobre Rodrigo Maia.
“É falso que o presidente da Câmara tenha participado de uma tentativa de golpe de Estado”, diz o texto: “Rodrigo Maia nunca se envolveu em manobra para instituir o parlamentarismo e destituir o presidente Jair Bolsonaro.” [o golpe pode até não existir, mas, o parlamentarismo branco, que é uma modalidade de golpe, existe e está sempre atuante.]

Blog Radar - VEJA

domingo, 10 de novembro de 2019

Talvez o país não queira entrar no jogo marcado da polarização Bolsonaro vs. Lula - Folha de S. Paulo


Vinicius Torres Freire

Polarização é hipótese simples para futuro próximo, mas talvez baseada demais no passado



As consequências políticas de Lula fora da prisão parecem indubitáveis para os cientistas sociais das mídias e das redes insociáveis. Segundo a interpretação predominante, “Lula livre” ou “Lula solto”, a depender do gosto ideológico, vai ressuscitar a polarização que se viu na deposição de Dilma Rousseff, em 2015-16, ou suscitar a reprise da eleição de 2018. 



[“O Estado de Direito é um dos pilares de nossa civilização, assegurando que a Lei seja aplicada igualmente a todos. Mas, hoje, dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”.
General Hamilton Mourão, vice-presidente da República.]
 



De um lado, os dissidentes do bolsonarismo e os arrependidos em geral voltariam a dizer “ruim com Bolsonaro, pior com Lula”. Por outro, a esquerda seria reanimada pelo petista-mor. Alternativas e ilusões centristas morreriam antes de brotar. Pode ser. Mas talvez essa operação política tenha complicações. O que vai significar “polarização”, em termos políticos mais práticos? Em 2015-2016, um “polo” tratou de derrubar Dilma Rousseff. Em 2018, parte da mesma coalizão ou do mesmo eleitorado tratou de derrotar um PT ainda forte. Agora, o que vai ser? Não há eleição de fato nacional ou algo como um impeachment à vista.



Haverá campanhas e embates ideológicos agudos, com desqualificação terminal da parte contrária como, digamos, em 1935-37 ou 1963-64? A ameaça de “perigo vermelho” e uma frágil agitação de esquerda suscitaria tentações de algum tipo de golpe? Deixando as alturas ou hipóteses de farsas históricas e voltando à terra plana de 2019-20, conviria pensar nos problemas políticos, econômicos e sociais mais imediatos. Lula pode voltar a ser preso em poucos meses? [certamente será; ainda que a prisão já em segunda instância não prospere no Congresso - tem dezenas e dezenas de parlamentares, com fortes motivos para não desejar que a PEC da SEGUNDA INSTÂNCIA progrida - ficará complicado para o Supremo protelar decisões confirmando as condenações do petista = o condenado temporariamente fora da cadeia tem:  uma condenação confirmada pelo STJ, outra no forno para ser confirmada pelo TRF-4 e mais sete processos penais que podem geral igual número de condenações. Dificil que pelo menos uma ou duas não transitem em julgado.] O Congresso vai instituir a prisão de condenados em segunda instância?



Segundo, como vão se organizar as coalizões? As alianças para a eleição de 2020 vão dizer alguma coisa sobre a força política de Bolsonaro e de Lula? Isto é, vão se organizar blocos “polarizados” ou certo desprestígio dos dois lados e o caráter municipal da eleição vão redundar em um quadro político com mais divisões? Como vão reagir os congressistas e mesmo o eleitorado “centristas”? Depois de conhecer o bolsonarismo e Bolsonaro, o “centrão” vai se juntar ao presidente, sem mais, contra um “perigo vermelho” do qual nem ao menos se conhece a força? Note-se que o “centrismo” no Congresso tem dado demonstrações de independência.



Além do mais, há o debate socioeconômico real. O governo acaba de mandar para o Congresso um pacotaço fiscal; o “parlamentarismo branco” de Rodrigo Maia já tocava algo nessa linha. De interesse social mais imediato, a reforma do governo, caso aprovada, daria no seguinte:


1. anos sem reajuste real do salário mínimo, dos benefícios da Previdência e, talvez, dos gastos federais em saúde e educação;



2. redução do salário real dos servidores (nem reajuste pela inflação), se não corte de vencimentos, com redução dos serviços públicos. [aqui, apesar de ser uma realidade dura, tem que ser apontada: cogitam de reduzir a carga horária dos servidores como se todos estivessem ociosos. 
Pode existir ociosidade, mas, a tentação será do corte linear e tem áreas que não aguentam cortar nem minutos - ou vão instalar o CAOS CAÓTICO?]


Lula entraria em campanha contra essa e outras “reformas”? Note-se que, sem a aprovação do pacotão fiscal, o teto de gastos tende a estourar já em 2021, o que será antecipado pelos “agentes econômicos”, o que pode criar certo sururu. Qual seria o ambiente socioeconômico do embate “polarizado”? A vida de pessoas e regiões mais pobres em geral não vai melhorar tão cedo, tanto faz o ritmo do PIB. Mas, caso o país cresça 2% no ano que vem, a metade mais remediada ou rica pode mudar um tanto de humor. Caso a toada ainda seja de 1%, Lula pode ter mais plateia.

A “polarização” é uma hipótese simples e elegante para o futuro próximo. Mas talvez baseada demais no passado próximo. 

Vinicius Torres Freire, colunista  - Folha de S. Paulo

 

domingo, 22 de setembro de 2019

Queda de braço - Merval Pereira

O Globo

Congresso está gostando de ser protagonista





Os tempos estranhos que vivemos, no dizer do ministro do Supremo Marco Aurelio Mello, estão transformando o parlamentarismo branco em arma do Congresso contra o presidente da República, que tem uma Compactor cheia de tinta na mão, mas não pode tanto quanto já pôde, mesmo que a legislação não tenha mudado. No governo anterior, o parlamentarismo branco serviu de apoio ao então presidente Michel Temer, que teve que abrir mão de ser um presidente propositivo para não perder o apoio do Congresso, que o tirou do Palácio Jaburu e o colocou no do Planalto. 

Nos tempos de Bolsonaro, o Congresso tomou as rédeas nas mãos nos primeiros momentos, quando o presidente recém-eleito resolveu demonizar a política e emparedar os parlamentares. O presidente do Senado, David Alcolumbre, no seminário “E agora, Brasil?”, promovido pela Globo e pelo Valor Econômico, não teve pejo em afirmar, alto e bom som, que vivemos um parlamentarismo por decisão do Parlamento, que assumiu para si a tarefa de aprovar as reformas estruturais, assumindo um protagonismo que transformou o ministro da Economia Paulo Guedes em coadjuvante do processo, reconhecidamente liderado pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia. 

Agora, a bola está no Senado, para aprovação final da reforma da Previdência. Na reforma tributária em discussão, Câmara e Senado disputam a paternidade de projetos, enquanto o governo tem o seu próprio, que será relegado a segundo plano se Guedes não se acertar com Maia e Alcolumbre. Recentemente, em reunião com o ministro chefe da Secretaria de Governo Luiz Eduardo Ramos, o deputado Ricardo Barros, do PP, fez uma advertência inusitada: “ O presidente não pode demitir deputado, mas deputado pode demitir o presidente”, disse sem rodeios.

O ministro Luiz Eduardo Ramos, além de ter sido até recentemente chefe do Comando Militar do Sudeste do Exército, é amigo do presidente Bolsonaro há quarenta anos, e foi encarregado de assumir a relação com os parlamentares. Ele tem um histórico de bom relacionamento com políticos em São Paulo, muito além dos potenciais políticos da base. Parlamentares do PT e do Psol eram seus interlocutores assíduos. Foi escolhido mais por essa característica do que por ser General de Exército, mas certamente não esperava receptividade tão sincera, para dizer o mínimo. A relação do Congresso com o Executivo entrou em nova fase com o ministro Ramos, pois ele está atuando para tentar formar uma base mais firme de apoio no Congresso, fazendo um levantamento de como votou cada deputado e senador, quais os cargos que cada um já tem indicados seus na burocracia do Estado, quais os que querem ainda nomeações.

É uma sinalização de que o Palácio do Planalto quer entrar no jogo político mais tradicional. Esse levantamento, em governos anteriores, teve em Eliseu Padilha seu artífice. Enquanto não se define quais são os limites desse relacionamento, os parlamentares já colocam suas cartas na mesa. A aprovação do filho do presidente, deputado Eduardo Bolsonaro, para embaixador em Washington já está sendo objeto de acordos no Senado. Ao mesmo tempo, o poder de veto do presidente da República está sendo colocado em xeque por rebeliões localizadas.

A operação de busca e apreensão no gabinete do senador Fernando Bezerra, líder do Governo, desencadeou uma reação corporativa que pode gerar boicotes de diversos tamanhos, desde o veto ao filho do presidente na sabatina do Senado, o que seria uma declaração de guerra, até a derrubada de vetos do presidente a trechos da Lei de Abuso de Autoridade, o que em si seria um abuso da autoridade parlamentar. 

Está em jogo também a possibilidade de vetos, já em debate na assessoria do Palácio do Planalto, à nova lei eleitoral. Oficialmente, ambos os lados assumem teorias republicanas. Disse do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Jorge Oliveira na entrevista à Central Globonews: o Congresso tem todo o direito de derrubar os vetos do Presidente da República. É do jogo democrático, cada um faz sua função. Disse o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, que ontem se reuniu pela manhã com o presidente Bolsonaro: O presidente tem todo o direito de vetar. Nós aprovamos o que achamos melhor para os partidos e as eleições. Na prática, será preciso encontrar um meio-termo para que Congresso e Executivo tenham uma relação harmoniosa, sem perderem a legitimidade. Bolsonaro chegou à presidência achando que poderia ditar o ritmo da relação política. O Congresso está gostando do papel de protagonista.

Merval Pereira, jornalista - O Globo



quinta-feira, 11 de julho de 2019

Depois da Previdência, jogo político recomeça e deve ficar mais tenso

Mesmo sem coalizão no Congresso, Bolsonaro deve enfrentar parlamentarismo branco

A tramitação da reforma da Previdência colocou alguma ordem na política e conteve desordem maior no governo. Depois da mudança nas aposentadorias, porém, não se sabe o que será do breve parlamentarismo branco nem se Jair Bolsonaro vai tolerar essa camisa de força. É melhor nem pensar o que vai ser se a reforma cair, resultado ora improvável. Depois de aprovada a reforma, as peças do quebra-cabeça político devem ser embaralhadas, talvez algumas se percam e outras novas apareçam. O presidente continua sem coalizão política, os conflitos serão diferentes, a impaciência popular pode aumentar e as próximos reformas são bem menos consensuais na elite político-econômica, caso dos impostos.

Por ora, o miolão da Câmara, liderado por Rodrigo Maia, pretende seguir com seu plano de aprovar um programa próprio e cortar as asinhas de Bolsonaro. Vai ser mais difícil.   Para começar, haverá também um projeto de reforma tributária no Senado; um terceiro, ambicioso, do próprio governo; talvez um quarto, a ser apresentado pelos empresários amigos do governo. Essas propostas não se complementam, quando não se chocam de frente.  Além do mais, mesmo a reforma da Câmara, a de tramitação mais avançada e a mais respeitada, cria conflitos. Pretende manter inalterada a carga tributária, mas haverá quem passe a pagar mais e menos impostos; a reforma poda a autonomia tributária de estados e cidades. Isso dá rolo.

Governo e empresários amigos querem criar uma espécie de CPMF.
Não se conhecem os detalhes dessa ideia, mas se sabe que isso cai muito mal entre os cidadãos comuns e na indústria.  O ministério da Economia diz agora que vai liderar o jogo, apresentando uma penca de reformas e medidas econômicas. Uma delas é o fim do gasto obrigatório em saúde e educação, plano politicamente explosivo, que ameaça as chances de uma reforma tributária ampla, mudança que não acontece no Brasil desde o início da ditadura militar.

O debate da Previdência provocou mais “fadiga de reformas” (tensão política, interesses contrariados e perda de benefícios sem que apareçam imediatamente resultados). Esse cansaço deve aumentar. O cidadão médio não vai sentir melhoras da economia até o ano que vem, se sentir. Quanto dura a paciência?  Sem o risco de sentença de morte de seu governo, que seria a derrota na Previdência, o presidente pode se sentir mais livre para enfrentar os demais Poderes. Mesmo com o risco que corria na tramitação da reforma, tomou decisões ou disse disparates que até ontem ameaçavam sua aprovação.

Em resumo, não se sabe se a coalizão do “parlamentarismo branco” liderada por Maia vai se manter, e com qual força. Há conflitos socioeconômicos à vista, como na reforma dos impostos, da CPMF, do IR e dos gastos com saúde e educação. Mas, para ter sucesso em reformas, o governo depende outra vez de Maia, que tem outro programa. Por fim, vai ficar mais aparente a contradição do “parlamentarismo branco”: aprova reformas politicamente custosas que tendem a beneficiar o país e, pois, o governo, mas sem bônus para si. Bolsonaro ficaria com méritos sem ter feito o esforço desgastante da articulação política e de talhar benefícios sociais.

Este esquema de fazer sacrifícios políticos com vantagens incertas não faz sentido, os parlamentares sabem muito bem disso. Vão aderir a Bolsonaro? Improvável. Vão fazer as mudanças e emparedar o presidente?


Vinicius Torres Freire - Folha de S. Paulo