Vinicius Torres Freire
Polarização é hipótese simples para futuro próximo, mas talvez baseada demais no passado
As consequências políticas de Lula fora da prisão parecem indubitáveis
para os cientistas sociais das mídias e das redes insociáveis. Segundo a interpretação predominante, “Lula livre” ou “Lula solto”, a
depender do gosto ideológico, vai ressuscitar a polarização que se viu
na deposição de Dilma Rousseff, em 2015-16, ou suscitar a reprise da
eleição de 2018.
[“O Estado de Direito é um dos pilares de nossa
civilização, assegurando que a Lei seja aplicada igualmente a todos. Mas, hoje,
dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no
Brasil? Ao sabor da política?”.
General Hamilton Mourão, vice-presidente da República.]
De um lado, os dissidentes do bolsonarismo e os arrependidos em geral
voltariam a dizer “ruim com Bolsonaro, pior com Lula”. Por outro, a
esquerda seria reanimada pelo petista-mor. Alternativas e ilusões
centristas morreriam antes de brotar. Pode ser. Mas talvez essa operação política tenha complicações. O que vai significar “polarização”, em termos políticos mais práticos?
Em 2015-2016, um “polo” tratou de derrubar Dilma Rousseff. Em 2018,
parte da mesma coalizão ou do mesmo eleitorado tratou de derrotar um PT
ainda forte. Agora, o que vai ser? Não há eleição de fato nacional ou
algo como um impeachment à vista.
Haverá campanhas e embates ideológicos agudos, com desqualificação
terminal da parte contrária como, digamos, em 1935-37 ou 1963-64? A
ameaça de “perigo vermelho” e uma frágil agitação de esquerda suscitaria
tentações de algum tipo de golpe? Deixando as alturas ou hipóteses de farsas históricas e voltando à terra
plana de 2019-20, conviria pensar nos problemas políticos, econômicos e
sociais mais imediatos. Lula pode voltar a ser preso em poucos meses? [certamente será; ainda que a prisão já em segunda instância não prospere no Congresso - tem dezenas e dezenas de parlamentares, com fortes motivos para não desejar que a PEC da SEGUNDA INSTÂNCIA progrida - ficará complicado para o Supremo protelar decisões confirmando as condenações do petista = o condenado temporariamente fora da cadeia tem: uma condenação confirmada pelo STJ, outra no forno para ser confirmada pelo TRF-4 e mais sete processos penais que podem geral igual número de condenações. Dificil que pelo menos uma ou duas não transitem em julgado.] O
Congresso vai instituir a prisão de condenados em segunda instância?
Segundo, como vão se organizar as coalizões? As alianças para a eleição
de 2020 vão dizer alguma coisa sobre a força política de Bolsonaro e de
Lula? Isto é, vão se organizar blocos “polarizados” ou certo
desprestígio dos dois lados e o caráter municipal da eleição vão
redundar em um quadro político com mais divisões? Como vão reagir os congressistas e mesmo o eleitorado “centristas”?
Depois de conhecer o bolsonarismo e Bolsonaro, o “centrão” vai se juntar
ao presidente, sem mais, contra um “perigo vermelho” do qual nem ao
menos se conhece a força? Note-se que o “centrismo” no Congresso tem
dado demonstrações de independência.
Além do mais, há o debate socioeconômico real. O governo acaba de mandar
para o Congresso um pacotaço fiscal; o “parlamentarismo branco” de
Rodrigo Maia já tocava algo nessa linha. De interesse social mais
imediato, a reforma do governo, caso aprovada, daria no seguinte:
1. anos sem reajuste real do salário mínimo, dos benefícios da Previdência e, talvez, dos gastos federais em saúde e educação;
2. redução do salário real dos servidores (nem reajuste pela inflação),
se não corte de vencimentos, com redução dos serviços públicos. [aqui, apesar de ser uma realidade dura, tem que ser apontada: cogitam de reduzir a carga horária dos servidores como se todos estivessem ociosos.
Pode existir ociosidade, mas, a tentação será do corte linear e tem áreas que não aguentam cortar nem minutos - ou vão instalar o CAOS CAÓTICO?]
Pode existir ociosidade, mas, a tentação será do corte linear e tem áreas que não aguentam cortar nem minutos - ou vão instalar o CAOS CAÓTICO?]
Lula entraria em campanha contra essa e outras “reformas”? Note-se que,
sem a aprovação do pacotão fiscal, o teto de gastos tende a estourar já
em 2021, o que será antecipado pelos “agentes econômicos”, o que pode
criar certo sururu. Qual seria o ambiente socioeconômico do embate “polarizado”? A vida de
pessoas e regiões mais pobres em geral não vai melhorar tão cedo, tanto
faz o ritmo do PIB. Mas, caso o país cresça 2% no ano que vem, a metade
mais remediada ou rica pode mudar um tanto de humor. Caso a toada ainda
seja de 1%, Lula pode ter mais plateia.
A “polarização” é uma hipótese simples e elegante para o futuro próximo. Mas talvez baseada demais no passado próximo.
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