Vinicius Torres Freire
Apesar de tumultos, há um arranjo político até aqui estável na política e na economia
Pode parecer doido quem diga que houve alguma estabilidade neste quase
primeiro ano de Jair Bolsonaro. Mas há um arranjo político que dura
desde março, que evitou o desgoverno total, o desarranjo geral no
Congresso e os piores arreganhos autoritários ou disparates
jurídico-administrativos. Além do mais, não houve choque político da dimensão vista neste país
pelo menos desde 2013, a cada ano. Mesmo a avaliação de Bolsonaro
mantém-se praticamente estável desde abril, embora tenham se deteriorado
as expectativas de sucesso de seu governo. [com a recuperação da economia, haverá espaço para outras reformas e a recuperação de eventuais expectativas que podem parecer deterioradas.
A recuperação da economia - que começa a ocorrer, apesar da torcida contra da turma do 'quanto pior, melhor' - será o carro chefe para realização de outras reformas e cumprimento de promessas de campanha = estaremos diante de Bolsonaro/Moro = 80.000.000 de votos.]
As altercações e os ultrajes quase diários dão a impressão de movimento
caótico. Avanços e recuos em medidas e leis demonstram que o governo
carece de coordenação político-administrativa, pelo menos segundo o
padrão geralmente aceito de planejamento racional. Caíram dois ministros palacianos que pareciam do núcleo íntimo
permanente de Bolsonaro (Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz). O
“núcleo militar”, que daria estrutura e funcionalidade ao governo, como
se especulava bobamente (aqui inclusive), foi desfeito em menos de seis
meses; vai encolher ainda mais até março, com mais substituições de
ministros oficiais-generais. [muitos confundiram militar da reserva - que possuem prestígio e capacidade administrativa e política - com militar com comando de tropas.]
Bolsonaro cumpriu até aqui e de certo modo a promessa de não montar um
governo baseado em coalizão parlamentar. Isto é, não trocou cargos por
bancadas aliadas no Congresso; a ideia tola de governar com “bancadas
temáticas” (bala, boi, Bíblia) era isso mesmo, sem fundamento e se
esfumaçou. O presidente de resto hostiliza, hoje um pouco menos, o responsável por
aprovar reformas sem as quais a economia do país e seu governo estariam
em convulsão, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. [Rodrigo Maia, treme de pavor, cada vez que constata a consolidação do governo do presidente Bolsonaro;
agora mesmo viaja para a Europa (em uma operação de quinta coluna, fadada ao fracasso) a pretexto de dialogar com órgãos internacionais, esquecendo que não representa o Brasil, não representa o Poder Executivo.
Por ser presidente da Câmara dos Deputados representa uma das Casas do Poder Legislativo - só que a função que exerce, lhe confere poder de travar medidas, votações, mas, quando vota é apenas e tão somente um voto.
Pensar nele como candidato viável ao cargo de presidente da República é irreal, já que lhe faltam votos - para ser uma candidatura viável, tem que multiplicar os votos que recebeu em outubro 2018, no mínimo, 1.000 vezes.]
Seu governo bate recordes de derrotas em votações parlamentares. Seu
partido se dissolveu em menos de nove meses de governo, em meio a uma
chacrinha sórdida, com o que Bolsonaro não se incomodou muito, se tanto,
diga-se de passagem.
De que estabilidade se trata, então?
A elite política e econômica acomodou Bolsonaro. O que parecia uma
extravagância passageira no início do ano, o “parlamentarismo branco”,
firmou-se até aqui, embora sabe-se lá o que será desse arranjo até
março, quando o Congresso voltar das férias de verão, depois de
consultar as “bases”, quando talvez já se tenha alguma ideia de se a
recuperação econômica “agora, vai”. Mas o governo do premiê acidental Maia funciona regularmente. Discute e
organiza os projetos da Economia. Contém os avanços autoritários de
decretos e projetos de Bolsonaro. As lideranças do centrão, Maia
inclusive, arrumaram um jeito de acalmar parlamentares, com o pagamento
de emendas e nomeações para cargos de terceiro escalão ainda rendosos em
termos políticos.
Nesse parlamentarismo branco ou encardido, o presidente mantém certos
poderes, como em alguns de seus similares formais. Por exemplo, o poder
de fazer guerra cultural (na educação, na cultura), o de aparelhar a
máquina com esbirros ideológicos alucinados, de intervir aos poucos nos
órgãos de controle (Procuradoria-Geral) e de tocar a política externa. Difícil dizer que não se trata de arranjo funcional, que contribuiu para
estabilizar a economia ou evitar recaídas ou desastres. Essa geringonça
de extrema-direita, de resto, cria uma base estável para Jair Bolsonaro
tocar o seu principal projeto, que é “quebrar o sistema” político e as
instituições de controle democrático.
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