O contrabando de cigarros está inviabilizando a indústria nacional, com perda de tributos, desemprego crescente
[não somos contra nem a favor do vício de fumar; mas, defendemos veementemente que nossas fronteiras sejam preservadas a qualquer custo e que cortes orçamentários que afetem as Forças Armadas, especialmente assuntos de Segurança Nacional, sejam veementemente rejeitados.
Hierarquia e disciplina são principios basilares das Forças Armadas e Auxiliares, mas, não podem ser invocados para prejudicar a Soberania Nacional. Devolvam o orçamento das Forças Armadas.]
Fronteiras não são meros
traçados geográficos feitos para delimitar territórios que configurem a
existência de um estado. Mapas são folhas, impressas ou digitais, que
nos apresentam, a cores, os limites de um país. À força da repetição,
terminamos por nos acostumar com tais desenhos, como se fossem naturais
e, de certa maneira, inalteráveis. O olhar atento a um mapa
internacional, porém, nos mostraria a extrema volatilidade de certos
marcos territoriais. Um mapa de 50 anos atrás não tem muito a ver com um
atual. Fronteiras, neste sentido, são convenções que pressupõem o
reconhecimento de outros, através de tratados internacionais.
O
Brasil é um país continental, rico em água, minérios, petróleo, solo
fértil, clima saudável e ameno, entre outras riquezas naturais, que nos
tornam, normalmente, objeto de cobiça internacional. Não são poucos os
países e entidades internacionais que já contestam a soberania nacional
sobre a Amazônia, como se ela fosse um patrimônio internacional, e não
uma parte do território de nosso país. O exercício efetivo da
soberania nacional exige que fronteiras sejam defendidas, que os
territórios fronteiriços tragam a marca de uma política nacional de
defesa. Melhor prevenir hoje, que ser refém, no futuro, de uma eventual
perda de território. Ou ainda, fronteiras, embora reconhecidas em seus
traçados, podem ser simplesmente desconsideradas como nos casos do
contrabando, do tráfico de drogas e de armas, e do terrorismo.
Há
poucos dias, o Paraguai emitiu uma nova oficial contra o governo
brasileiro, relativa a uma suposta ingerência dos militares brasileiros
em seu território. O Brasil rechaçou fortemente essa declaração, porém
ela é, em si mesma, reveladora. Na verdade, as Forças Armadas, sob a
coordenação de seu Estado-Maior Conjunto, estavam realizando a operação
Ágata, de proteção de fronteiras. Ocorre que essa operação
flagrou vários barcos que estavam infiltrando contrabando em nosso país.
Os militares foram recebidos a tiros e revidaram. Exerciam a defesa de
nossas fronteiras. No entanto, o Paraguai parece considerar que teria o
direito de contrabandear produtos para o Brasil, pois é disto,
precisamente, que se trata. Uma eventual retratação brasileira
significaria, de fato, o reconhecimento de que o contrabando, em nosso
país, deveria ser algo “natural”.
Tomemos um caso emblemático. O
contrabando de cigarros está inviabilizando a indústria nacional, com
perda de tributos, desemprego crescente, podendo atingir, se persistir, a
agricultura familiar aqui envolvida. Seus efeitos são perversos com
prejuízos econômicos e sociais, inclusive de queda de arrecadação. O
governo, no entanto, tem tido uma política de aumento de tributo sobre
esse produto em nome da defesa da saúde, como se a sua consequência
fosse uma diminuição do seu consumo.
Ora, o consumo permanece o
mesmo, só que, agora, o produto consumido é fruto do contrabando do
Paraguai, em condições de produção de higiene precárias. Contudo, tal
produto tem um preço extremamente competitivo, sobretudo para as camadas
de baixa renda. O país perde em todos os aspectos, inclusive no
tributário. Como se isso não fosse suficiente, a atual equipe
econômica, com problemas de superávit primário, cogita aumentar ainda
mais o imposto, em um verdadeiro tiro no pé. Conseguirá com isto reduzir
os tributos que almeja aumentar — o contrabando não é tributado! —,
além de criar problemas graves de sustentabilidade da indústria
nacional.
O problema é particularmente grave por afetar diversos
setores da economia, alcançando, no caso dos cigarros, a expressiva
cifra de 32% do mercado nacional. Desde 2011, houve um aumento
extraordinário de imposto, quando da introdução de um novo modelo
tributário, chegando a 110% no acumulado de três anos. As classes menos
favorecidas tiveram um aumento de 115%, enquanto as de maior poder
aquisitivo um de 63%. É todo esse segmento de menor preço que se torna
vítima do contrabando.
Somando todos os setores que se tornam
reféns do contrabando, a evasão tributária chega à exorbitante cifra de
R$ 100 bilhões, que poderiam ser utilizados em investimentos e
benefícios sociais. Contudo, no Brasil de hoje, parece que não há
algo ruim que não possa piorar. O Exército está desenvolvendo todo um
projeto de defesa eletrônica de fronteiras, o Sisfron, que tem a ambição
de abarcar todo o território nacional. Trata-se de um projeto arrojado,
próprio de um país moderno, que está sendo implantado, inicialmente, no
Mato Grosso do Sul, devendo, imediatamente, alcançar os estados do
Paraná e Mato Grosso.
Graças a ele, as fronteiras brasileiras
passarão a ser mais bem protegidas, com redução significativa do
contrabando, do tráfico de armas e de drogas, além do controle ambiental
e da vigilância sanitária. Ele permite, efetivamente, a comunicação e a
interação entre vários órgãos do Estado. Recentemente, o
vice-presidente da República esteve visitando Dourados, em Mato Grosso
do Sul, para constatar pessoalmente essa experiência piloto de um país
que avança em sua modernização. Os elogios foram grandes.
Acontece
que esse projeto, que tinha uma previsão orçamentária para este ano de
R$ 285 milhões, foi objeto de um corte de 40%, passando para R$ 171
milhões. Na verdade, o valor previsto já era uma ninharia, sobretudo
considerando a sua relevância nacional e os ganhos daí derivados,
inclusive de arrecadação. Um orçamento exíguo foi ainda objeto da
tesoura, como se ela não se importasse com o tecido cortado e o seu
desenho. No caso, até os números protestam contra essa tesoura. Só o
ganho da redução do contrabando já contrabalançaria o seu investimento,
sem falar da criação de empregos e da diminuição da criminalidade.
Urge
que o país encare o seu futuro e pense no que é melhor a médio e longo
prazos. Contudo, parece que estamos reduzidos a uma visão imediatista,
própria de um estado que não consegue se safar da armadilha por ele
mesmo criada.
Fonte: O Globo - Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul