Essa
crise de identidade do partido do governo na verdade desmascara aquilo que a
campanha se esforçou para esconder: era mentira que vivíamos num mar de rosas
O PT está
vivendo uma aguda crise existencial e procura, dentro de sua própria psique, a verdadeira identidade que o trouxe
até aqui, ao início de seu quarto mandato consecutivo no comando do Poder
Executivo. Deitado no divã do psicanalista, o partido rastreia seu passado,
compara-o com as suas ações presentes, e indaga: “doutor, quem sou eu?”.
A memória da campanha eleitoral ainda está muito recente. Aquele sumiço da comida da mesa das crianças a cada vez que as taxas de juros sobem é uma das fantasias mais dramáticas que o marketing eleitoral conseguiu produzir em toda a sua desonesta trajetória de vida. Cenas de cortar o coração. Não é dramático que isso já tenha acontecido três vezes desde que as urnas foram abertas dando a vitória exatamente a quem acusava o adversário de pretender fazer isso porque, se vencesse, governaria “para os banqueiros”? Nada nada, são 19 bilhões de reais adicionados à dívida interna, maldade que só os reacionários da oposição seriam capazes de perpetrar contra a comida das crianças pobres.
O novo ministro da Fazenda, ortodoxo importado diretamente do território inimigo, despiu o manto diáfano da fantasia que o seu antecessor vestiu durante todos os seus anos de ministério, revogou o uso metódico da mentira, e disse sem subterfúgios que teremos um “flap” na economia nos próximos três meses; isso quer dizer que a economia não crescerá, ou na pior das hipóteses, enfrentará uma “forte recessão", segundo as previsões do guru presidiário, José Dirceu, estridente voz da oposição interna.
Enquanto a presidente, como um anjo de Wim Wenders, sobrevoa a realidade e deixa a Joaquim Levy a tarefa de trazer à tona a crueza dos fatos, o PT se estilhaça, tentando salvar a honra da casa diante da contradição entre palavra e gesto. Em 15 dias, o governo Dilma Rousseff criou 30 bilhões de receitas novas aumentando impostos e derrubou 18 bilhões de despesas eliminando direitos trabalhistas, coisa que a então candidata jurou que não faria “nem que a vaca tussa”. Os ministérios continuam sendo os mesmos 40, da carcaça da Petrobras continua emanando o mau cheiro da corrupção, e a batalha pela manutenção da fidelidade da base aliada ainda nem começou, e o governo já aparece prostrado antes de começar de fato.
Enquanto a oposição formal ainda não coordenou um discurso coerente e muito menos uma estratégia de ação, o PT esquizofrenicamente tenta vestir as máscaras de oposição e situação ao mesmo tempo: contra o ônus da austeridade, mas a favor do bônus da gastança. Essa crise de identidade do partido do governo na verdade desmascara aquilo que a campanha se esforçou para esconder: era mentira que vivíamos num mar de rosas, era mentira que a economia estava ajustada, era mentira que éramos vítimas de uma crise externa.
Com a ajuda do PT ou contra o PT, a maior tarefa do novo governo será a de consertar os estragos do velho.
Fonte: Sandro Vaia, jornalista
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