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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A morte de 17 franceses vale mais que a de 2.000 nigerianos? A liberdade de imprensa é absoluta?



Trataremos de assuntos extremamente delicados e controversos onde a esfera racional por variados instantes cede espaço para que a esfera da emoção se faça prevalecer. Até para nós, estudiosos do direito, há inelutável dificuldade para se emprestar uma análise cognitiva que se mostre satisfativa. O artigo divide-se em duas temáticas distintas, mas complementares.

Neste momento é que os métodos de Alexy e Dworkin parecem falhos, quando inferimos a necessidade de sopesarmos, ponderarmos bens tuteláveis de tão expressivo valor e realidades, mas o direito não pode se acabrunhar e deve viabilizar uma decisão interpretativa que na maior medida possível mostre-se aproximada da justiça e da equidade.  Pelo menos 400 pessoas morreram na Nigéria em um novo ataque supostamente cometido pela seita radical islâmica Boko Haram no estado de Borno, no norte da Nigéria nos primeiros meses de 2014. Você que leu esta notícia hoje, lembra de tê-la visto nos noticiários? Lembra-se, por quantos dias? Com que perplexidade?

Pois no final da 2ª quinzena de janeiro de 2015 (dia 12), a Organização Humanitária Anistia Internacional calcula que cerca de 2.000 pessoas foram chacinadas pela mesma seita de extremistas islâmicos que teriam assumido o controle de Baga e arredores há 15 dias. Pergunto: Você leitor, teve conhecimento deste fato? Quantas vezes já ouviram ou leram nos noticiários? O mundo está reunindo-se em alguma marcha histórica que reunirá 3,7 milhões de pessoas pelas vidas dos Nigerianos massacrados?

Em outro hemisfério, com outra visibilidade, com outra perspectiva de “comoção mundial”, desta vez na França, 17 mortos, entre eles as 12 pessoas que morreram em um atentado contra a sede do jornal "Charlie Hebdo", este a mais de uma semana tomou conta dos noticiários do mundo, que participou de uma marcha histórica que reuniu grande parte dos principais representantes de Estados e de Governos de todo o ocidente em um verdadeiro “tsunami humano” que tomou conta das ruas de Paris.

Neste momento, sem qualquer grão de hipocrisia, mas de certa forma impactado pelas perspectivas humanas de valor, perguntemos: Franceses valem mais que nigerianos? A morte de dezessete franceses causa maior revolta, repulsa e comoção que a morte de 2000 nigerianos? A morte de brancos europeus é mais dolorosa que a morte de negros africanos?

Estas perguntas deixamos com o fim de provocar uma autorreflexão de nossas representações neste mundo, de nossas diferenças, importâncias e prioridades. Mensuremos nosso potencial para produzirmos hipocrisias em nossas relações humanas e o valor que atribuímos aos humanos, negros, brancos, amarelos ou da cor de pelé que representemos aos olhos do mundo. Será que somos capazes de conscientemente tarifarmos a vida humana pela cor, Estado, fé religiosa ou cultura que representamos?

Já articulamos a respeito deste trágico e lamentável acontecimento ocorrido em território francês, artigo publicado em diversos meios: “A hostil relação entre o terrorismo e as liberdades de expressão democráticas: algumas inferências pontuais”. No artigo tivemos a oportunidade de assentar por outras palavras, que liberdade só é possível de ser atribuída se acompanhada de responsabilidade. Liberdade irresponsável é anarquia e não Estado Democrático de Direito. Assim, devemos assentar que liberdade é um valor relativo e não absoluto, e por isso deve ser sopesado com outros valores que estejam em conflito, para extrairmos o máximo de cada um evitando-se o aniquilamento do outro, aí incluindo-se a liberdade de expressão. Esta, uma visão neoconstitucionalista que ilumina a ciência do Direito Constitucional contemporâneo.

Ao analisarmos boa parcela das charges do jornal "Charlie Hebdo", que teve 12 de seus chargistas brutalmente assassinados, percebemos que muitas destas charges não cumprem o seu papel de promover uma ironia política de bom gosto, ao contrário, muitas delas são grosseiras, de menor potencial criativo e apenas promovem de forma tosca uma violência emocional absolutamente desnecessária.

Aqui não se quer defender a reação absolutamente desproporcional dos extremistas islâmicos, ao contrário, desta reação há que se ter o maior repúdio. Aqui se assenta que, a liberdade de expressão “à priori” é de fato livre, (com o perdão da redundância), mas quando tomada pelo excesso capaz de promover dano sem fundamento razoável em qualquer de suas formas, deve sim, ser responsabilizada na medida de seu excesso. Censura jamais, responsabilidade sempre, que entendamos seus limites.

Talvez, se no passado o Estado Francês houvesse responsabilizado o jornal "Charlie Hebdo" por seus excessos costumeiros absolutamente despropositados e de gosto duvidoso, este absurdo promovido pelos extremistas não houvesse sido praticado, apenas a título de mera suposição, conjeturando. Não estamos aqui culpando como responsável direto o Estado francês por uma reação tão desproporcional de uma fé extremista, mas pode de certa forma haver contribuído para o resultado absolutamente lamentável que prosperou.

Lembremos para finalizar que, para cultura Muçulmana, precipuamente aos extremistas muçulmanos, a vida e a morte possuem outros significados que os atribuídos no seio das culturas ocidentais, em boa parte catequizada pela fé Cristã. Aos muçulmanos (significado: aqueles que se submetem a Alá), o Islã prevalecerá sobre a terra, os extremistas acreditam que a realização da profecia do Islã e seu domínio sobre todo o mundo, como descrito no Corão, é para os nossos dias. Cada vitória de um extremista Muçulmano convence milhões de muçulmanos moderados a se tornarem extremistas. Matar e morrer por Alá, para os extremistas do Islã, é sinal de um poder absoluto que passam a ostentar para um posterior descanso no paraíso do além-vida.

Cultura absolutamente estranha e doentia aos olhos do ocidente, mas que está incrustada na cultura religiosa dos mais ortodoxos do Islã, que recebem já durante nos primeiros anos da infância uma verdadeira lavagem cerebral de uma doutrina desviada do que pregam os bons praticantes do Islã. Nesta absoluta discrepância do entendimento de vida e morte que carregamos e que os extremistas muçulmanos carregam, que deveríamos, se não por respeito ao que nos parece absolutamente doentio e desviado da boa fé, por questão de segurança dos não praticantes do Islã, abdicarmos de satirizar o que para eles é intocável. Senão por respeito, por inteligência.

Fonte: Leonardo Sarmento - Professor constitucionalista   •   Rio de Janeiro (RJ)   JUS BRASIL


 

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