Vamos começar guardando as proporções de praxe.
Inclusive porque as atuais, do esquema
de corrupção montado na Petrobrás, se mostram muito mais profundas e graves se
comparadas ao
sistema de alimentação financeira de partidos aliados ao governo do PT mediante
desvio de recursos públicos.
Mas há fatos, nomes e atos surgindo no cenário que
tornam inevitável a sensação de que estamos
próximos de assistir a uma reprise ampliada do que foi o escândalo do mensalão.
Sentimento, aliás, compartilhado por ex-ministro do Supremo Tribunal
Federal que participou daquele julgamento e, se na época já desconfiava que o
caso seria um marco no procedimento da Justiça em relação a figuras de destaque
na vida pública, hoje está absolutamente convicto disso. "Sem o mensalão não haveria
petrolão", diz.
Em miúdos: o desfecho do julgamento, as
condenações foram essenciais para que se rompesse a cultura de que gente
importante fica sempre impune e que, portanto, o pacto de silêncio entre
corruptos e corruptores é a melhor saída. O STF mostrou que as coisas podem ser
diferentes. Foi um paradigma e não apenas um ponto fora da curva. É o que ficou
demonstrado com a decisão do ex-diretor da Petrobrás Paulo
Roberto Costa de fazer acordo de delação premiada, seguido do doleiro Alberto Youssef, de outros participantes do
esquema e mais recentemente exposto na linha de defesa
do empresário Gérson de Mello Almada, da empreiteira Engevix, cuja tese
é endossada pelo advogado de Youssef.
E qual é o argumento? Que os contratos superfaturados da Petrobrás foram usados pelo governo federal
para sustentar campanhas eleitorais e comprar apoio de
parlamentares no Congresso. Acusação fortíssima, mas que precisa ser
provada, evidentemente. O inédito é que uma afirmação dessa gravidade seja
feita. Até antes da ocorrência do mensalão, o silêncio era a lei. O prudente
calava. Marcos Valério, operador do esquema, calou. Foi
condenado a 40 anos de prisão, a maior pena de todos. Ele e a
ex-banqueira Kátia Rabelo continuam presos enquanto todos os políticos
condenados estão em casa.
Restam em regime semiaberto apenas os ex-deputados
João Paulo Cunha e Roberto Jefferson. Conta o ex-ministro do Supremo que
durante o julgamento em conversas reservadas os integrantes do tribunal estranhavam o fato de Valério não ter escolhido
fazer delação premiada. Concluíram que ele confiava na "palavra de alguém" de que não haveria rigor no desfecho
do processo. Quando o publicitário
deu-se conta do engano, por volta do mês de setembro de 2012, quis fazer um acordo, mas era tarde.
O colegiado chegou a discutir a questão. Naquela altura, porém, o processo estava estruturado e as penas definidas. Na
dúvida se Marcos Valério teria mesmo algo a acrescentar ou se pretendia apenas
tumultuar o processo, o STF decidiu recusar. Se quisesse prestar depoimento que
o fizesse ao Ministério Público em outro procedimento. Se o
publicitário tivesse feito a delação ou se dispusesse a colaborar na hora certa,
a história
poderia ser outra. Haveria, talvez, mais envolvidos a serem
investigados, conforme ele chegou a prometer.
Valério provavelmente não teria a pena mais grave
de todas, mas perdeu o "timing",
não se beneficiou e isso serviu de
exemplo para os que hoje, precavidos, preferem falar enquanto é tempo. O
que não significa necessariamente que estejam falando a verdade. Há, no
entanto, uma mudança de comportamento: antes
protegiam os políticos acreditando que teriam deles proteção. Agora jogam os
políticos no fogo, procurando se colocar como as peças mais frágeis de
uma engrenagem movida pelo poder central. A conferir se a Justiça acreditará na
existência de querubins nesse mundo de negócios escusos.
Por: Dora Kramer, colunista do Estadão
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