Não se trata de exigir que a
presidente da República seja sempre original. Mas, desta vez, Dilma Rousseff teria muitas questões
novas a abordar com um mínimo de profundidade diante do País que vive crises de
falta de água, de energia. Assiste ao anúncio de medidas duras na economia,
ouve notícias sobre aumento de impostos, elevação de tarifas e vê crescer o
escândalo de corrupção envolvendo a Petrobrás.
No
entanto, ontem, na primeira manifestação
pública depois de mais de um mês de silêncio, tudo o que a presidente Dilma teve a oferecer à Nação foi uma
passagem rápida pela agenda que interessa, falando em ajustes
"corretivos" sem se referir
ao que e por que está sendo corrigido. No mais, o que disse na abertura
da reunião inaugural do ministério do segundo mandato foi uma versão adaptada
do discurso feito no dia da eleição, repetido por ocasião da diplomação e
apresentando em texto mais detalhado na posse diante do Congresso em 1.º de
janeiro.
Sim,
falou dos ajustes. Mas para dizer que são "necessários,
medidas para consolidar o projeto de governo vitorioso há 12 anos". Alguma palavra
sobre a responsabilidade desse governo na necessidade dos apertos? Nenhuma.
Todos os problemas resultantes de questões externas ou de circunstâncias
internas decorrentes do clima. Seca, por exemplo. Sim, falou dos cortes, do reequilíbrio
fiscal, mas tangenciou as razões.
Assegurou que o governo jamais "descuidou
da inflação", que não houve mudança alguma - "nem um milímetro" - no projeto eleitoral, passou de leve
pelas questões da água e da energia e exortou os ministros a esclarecerem toda
e qualquer questão governamental junto à opinião pública. Só
para lembrar: os dois últimos (e
primeiros neste segundo mandato) a
ousarem transitar pelo terreno dos esclarecimentos, Nelson Barbosa e
Joaquim Levy, foram instados a recuar
das respectivas declarações. Desse
ponto em diante, a presidente ampliou a pauta para dar um passeio no discurso
de sempre, abordando tópicos aqui e ali sem se deter seriamente em nenhum.
No
lugar de aprofundar a agenda atual em torno da qual há enorme interesse de toda
a sociedade, Dilma Rousseff se pôs a
anunciar pela terceira vez sua ideia de alteração da legislação de
segurança pública, o pacote de combate à corrupção que vem prometendo enviar ao
Congresso desde a campanha eleitoral e seu compromisso "com a lisura no trato do dinheiro público". Como de
praxe, citou a Petrobrás - "temos de
apurar tudo" - e prometeu empenho na aprovação da reforma política.
Falta de assunto não é porque assunto é o que não falta. Então só pode ser
falta de vontade de falar das coisas como elas realmente são.
Voz passiva. Quando o nome do presidente da Transpetro, Sérgio Machado,
apareceu nas investigações da Operação Lava Jato, o governo o afastou mediante
licença, mas tratou de divulgar que ele não voltaria ao cargo. O PMDB, padrinho da indicação na pessoa
do presidente do Senado, Renan Calheiros, reagiu pedindo igualdade de tratamento em relação ao
tesoureiro ao PT, João Vaccari Neto, integrante do Conselho de
Administração da Usina Itaipu Binacional, também citado em denúncias da Lava
Jato.
Isso
aconteceu no ano passado. De lá para cá, Vaccari
foi afastado do Conselho de Itaipu e a licença de Sérgio Machado, renovada por
duas vezes. O petista perdeu o cargo; o pemedebista
continuou licenciado no dele. Não se aplicou, portanto, o invocado
princípio da isonomia. Como a Constituição não confere ao presidente do Senado
ascendência sobre a presidente da República, a aplicação de peso e medida
diferentes só pode ter sido produto de uma decisão decorrente de jogo político.
No momento marcando 1 a 0 para Calheiros
no placar.
Fonte: Dora Kramer, colunista do Estadão
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