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sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Iêmen testa determinação dos sauditas e americanos

Hadi até agora tem sido um grande aliado de Washington

Depois de dias de confrontos sangrentos esta semana entre milícias dos rebeldes xiitas e forças do governo — que incluíram bombardeios e o cerco ao palácio presidencial, deixando o presidente Abd Rabbuh Mansur Hadi preso por dias em Sanaa, a capital do Iêmen —, ele foi obrigado a aceder às demandas dos houthis. Concedeu maior participação do movimento rebelde em todos os órgãos militares e civis do governo e, em compensação, o grupo prometeu retirar-se de áreas estratégicas da capital e libertar o chefe do gabinete presidencial, que tinha sido sequestrado no sábado. O presidente também prometeu rever um projeto de Constituição que dividiria o país em seis novas regiões administrativas. Os houthis alegaram que se sentiram lesados e em desvantagem no novo plano. Mas ontem Hadi renunciou, junto com seu Gabinete inteiro de ministros, incluindo o primeiro-ministro. O Parlamento rejeitou as renúncias, deixando o país cada vez mais à beira do caos.

Mas nós já vimos esse filme em setembro de 2014, quando as forças dos houthis entraram brutalmente na capital, matando 300 pessoas e exigindo que o governo de Hadi dividisse o poder com eles. Acuado e com medo, o presidente, depois de semanas de confrontos, concordou e assinou um acordo com os houthis. Os rebeldes tomaram o controle de vários ministérios e instituições financeiras, mas continuaram excluídos de outras áreas de poder. Nisso, Hadi tinha o apoio da maioria sunita do país, que não quer dividir o seu poder com os houthis à força. Até então, estes nunca tiveram tanto poder e, como xiitas, formam somente 30% da população do país.

Os houthis insistem em dizer que não houve um golpe de Estado. Mas quando se usam armas pesadas contra o palácio do presidente; atacam-se os guardas dele, e o deixam prisioneiro dentro do prédio por dias; assume-se o controle da TV e rádio estatal, isso se chama o quê? Pelo menos 18 pessoas foram mortas esta semana nesses confrontos, e dúzias mais foram feridas. A única pessoa no Iêmen que eu ouvi ter a coragem de dizer que era um golpe foi a ministra da Informação, Nadia al-Sakkaf, numa entrevista por celular ao correspondente da CNN em Sanaa na terça-feira à noite.

Esse último avanço sangrento e agressivo dos houthis, com certeza, deixou os sauditas e os americanos alarmados e preocupados com o fato de que estão perdendo controle do Iêmen para seu grande inimigo, o Irã. Isso apesar das negativas tanto dos houthis quanto do Irã de que Teerã está dando apoio ao movimento xiita. Mesmo com as negativas, forças navais americanas interceptaram navios com armamentos iranianos na costa do Iêmen em 2012, prova de que os houtis estavam recebendo apoio militar.

Na quarta feira, os ministros de Assuntos Estrangeiros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) acusaram os houthis de um golpe contra a autoridade legítima no Iêmen. E advertiram que os estados da região iam “tomar todas as medidas necessárias para proteger a segurança e estabilidade deles e seus interesses vitais no Iêmen.” Ofereceram até mandar um mediador a Sanaa para ajudar nas negociações entre Hadi e os houthis.

O Iêmen, por décadas, tem sido quase um Estado-cliente da Arábia Saudita, porque faz com o vizinho uma longa fronteira de 1.770 quilômetros, e há 800 mil iemenitas trabalhando no reino. Além disso, os sauditas têm fornecido muita ajuda em forma de dinheiro, comida e petróleo para essa nação pobre. Essa ajuda financeira foi quase completamente cortada em setembro de 2014, depois que os houthis tomaram o controle de Sanaa.

Apesar de uma longa tradição de intromissão saudita nos assuntos do Iêmen, e dos atuais resmungos vindos de Riad e outras capitais do Golfo, não sei quanta disposição eles teriam neste momento para uma intervenção militar no Iêmen se a situação degenerasse em uma plena guerra civil e sectária. O rei saudita Abdullah ibn Abdulaziz, que morreu ontem, estava entubado num hospital com pneumonia, o que talvez tenha abrandado a reação saudita.

Do lado americano, Hadi até agora tem sido um grande aliado de Washington, um entusiasta do programa americano de drones armados que matam alvos no grupo terrorista al-Qaeda na Península Arábica que se escondem nas montanhas do Iêmen. Entre seus assessores, ele até tem o apelido de “Drone Hadi”, de acordo com fontes do Iêmen. Com US$ 1,4 bilhão dos americanos já gastos no Iêmen desde 2009 em forma de ajuda econômica e militar, e com mais US$ 232 milhões programados para serem desembolsados este ano, a administração do presidente Barack Obama está muito relutante em chamar o que esta acontecendo no Iêmen agora de um golpe. Pela lei americana, qualquer ajuda de Washington tem que ser suspensa se houver um golpe militar em um país. Então, preparem-se para acrobacias verbais ridículas de oficiais americanos nas próximas semanas para não chamar um golpe de golpe.

Além da ameaça dos houthis, essa nação de 26 milhões enfrenta um movimento separatista no sul do país, e a brutalidade da al-Qaeda, que continua matando em larga escala. O último ataque matou 37 pessoas na frente de uma academia da policia em 7 de janeiro, o mesmo dia dos ataques terroristas em Paris. Além disso, o país enfrenta uma crise hídrica aguda, estando entre os cinco piores do mundo em termos de quantidade de água per capita por ano. Segundo o Banco Mundial, até a Somália tem mais água por pessoa que o Iêmen.

A audácia dos houthis e o uso de força por eles mostram que não há muito espaço para negociar. Eles querem mais poder e ponto final. Com certeza, o Irã esta por trás desta súbita mostra de vontade e coragem e, com isso, compra uma briga feia com os estados do Golfo e os EUA. Não vejo nada de muito bonito no futuro desse confronto. A Arábia Saudita não vai ficar sentada e deixar o Irã estabelecer mais um Estado-cliente na porta do reino. Já bastam o Iraque, a Síria e o Líbano.

Por: Rasheed Abou-Alsamh é jornalista

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