O
governo mobiliza ministros, segura nomeações de cargos de segundo
escalão, ameaça os infiéis de retaliação, faz um esforço danado para
eleger o presidente da Câmara e chega às vésperas do dia D com seu
candidato em situação de desvantagem.
Em dúvida se perde de muito ou de pouco, dependendo dos votos da oposição para vislumbrar possibilidade de vitória. Um
quadro de deterioração do poder político se comparado à primeira
eleição para a presidência da Câmara depois da eleição de Luiz Inácio da
Silva. Em fevereiro de 2003, o então deputado João Paulo Cunha foi eleito por 434 votos sem contestações.
Na
época eram 508 deputados; houve 50 votos em branco, nove nulos, 13
ausências e uma abstenção. Não passava pela cabeça de parlamentar algum
que o PT não tivesse "direito" ao posto. Hoje
João Paulo cumpre pena de seis anos e quatro meses por crimes de
peculato e corrupção passiva, o PMDB é adversário e o governo sua a
camisa em praça pública, se expõe correndo atrás de votos que, em tese,
seriam de sua área de influência, suplicando pela boa vontade de meia
dúzia de partidos nanicos.
Pela
contabilidade dos governistas, o candidato preferido do Palácio do
Planalto, o petista Arlindo Chinaglia, ainda não teria conseguido reunir
200 votos, enquanto Eduardo Cunha, do PMDB, contra quem o governo se
embate, teria entre 270 e 280. Os
demais (são 513 no total, sendo necessários 257 para ganhar) seriam
distribuídos entre os candidatos do PSB, Júlio Delgado, e do PSOL, Chico
Alencar.
Os
eleitores de Delgado - apoiado pelos maiores partidos de oposição - são
considerados decisivos tanto para levar a eleição ao segundo turno ou
para dar a vitória a Eduardo Cunha já no primeiro. Tudo depende do grau
de fidelidade ou infidelidade do voto secreto. Apesar
do favoritismo, Cunha não pode ser visto como eleito. Daqui até domingo
muitas águas vão rolar. O governo entrou pesado nos últimos dias a fim
de mudar o cenário. A missão não é impossível embora esteja longe de ser
fácil.
Enquanto
o candidato do PMDB prepara o terreno dessa candidatura há muito tempo,
desde que foi conduzido e reconduzido à liderança do partido na Câmara
(lá se vão dois anos), PT e governo preferiram "confiar" que o
adversário em algum momento seria envolvido em escândalos de corrupção,
especificamente nas investigações da Operação Lava Jato.
Por
essa ótica cairia por gravidade. A expectativa não se realizou. Ao
contrário, enrolado com a Petrobrás é o governo que está. Eduardo Cunha
construiu o discurso de independência e uma base própria de apoio para
além das fronteiras do PMDB. O
Planalto, ao se confrontar com ele, acabou ajudando a atrair simpatias
na oposição e mesmo entre aliados insatisfeitos com o governo e com os
petistas.
Há
quem acredite no poder da caneta presidencial, na influência dos
governadores e dos ministros para levar Chinaglia à vitória no domingo. São
fatores de peso, é verdade. Ocorre que o governo está fazendo promessas
e como não tem sido bom cumpridor - uma das razões das insatisfações
aliadas - não dispõe de crédito nesse quesito. Outro
instrumento de pressão pelo que dizem os representantes de partidos que
têm sido procurados por ministros para levar as bancadas a mudar seus
votos, seria a ameaça de retaliação contra os infiéis, no caso de
Eduardo Cunha ganhar.
Imaginemos
a cena: o desafeto eleito com um discurso de independência da Câmara, o
governo promove uma caça aos traidores e sobre eles derrama sua ira.
Vinga-se,
sabe-se lá de que forma. Seja que de maneira for, o resultado será um
só: a contratação de um exército de inimigos prontos a dificultar
qualquer disposição do novo presidente à composição com o Palácio do
Planalto.
Fonte: O Estado de São Paulo - Dora Kramer
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