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domingo, 8 de fevereiro de 2015

‘Vai deixá nóis tudo doidão’

Aconteceu na quarta-feira, 30 de julho do ano passado. Às 17h, um agente penitenciário começou a ordenar o recolhimento dos presos que estavam no parlatório, conversando com advogados e parentes. É rotina na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, onde se misturam traficantes, doleiros, executivos de empreiteiras e um ex-diretor da Petrobras — a maioria acusada de corrupção e lavagem de dinheiro em negócios da empresa estatal. “Ao adentrar o corredor de acesso às alas” — escreveu o agente, em relatório —, “identifiquei um odor característico de entorpecente”. E acrescentou, ressaltando em maiúsculas: “Supostamente MACONHA.” 

“Inicialmente, desloquei-me até à grade de de acesso à ala esquerda” — prosseguiu. Lugar errado. “Desloquei-me novamente ao centro do corredor e pude perceber que o odor se intensificava à medida que me aproximava da grade de acesso da ala direita (celas 1 a 3).”
Faro certeiro. Chamou outro agente, que estava na Sala de Custódia. “Constatamos ser essa a origem do odor, motivo pelo qual tentamos adentrar o local e surpreender os presos, que se encontravam em procedimento de chuveiro e banho de sol.”

Abriram o cadeado, “com cuidado”, e encontraram Alberto Youssef, o operador financeiro de empreiteiras e agentes públicos envolvidos em corrupção na Petrobras, ao lado de um de seus laranjas, Carlos Alberto Pereira da Costa. “Acionaram a descarga do sanitário e logo saíram aparentando certo desconcerto, perguntando-nos se havia acontecido algo diferente.” 

Os agentes telefonaram ao chefe do setor de custódia. Ele chegou rápido. E os três passaram a questionar os presos. — É “cigarro”, feito com chá e papel bíblico — respondeu Costa.
Como é que acendeu? — quis saber um agente.
Isqueiro... passou na última revista... 

Houve uma breve troca de impressões. O estranho cheiro no ar que haviam percebido já se dissipara. O chefe da custódia saiu. Os outros dois agentes permaneceram, olhando, revistando e inquirindo Costa e Youssef.  De repente, o chefe da custódia voltou. Disse algo ao pé do ouvido de um dos agentes penitenciários. Então, Costa e Youssef ouviram uma ordem: Faz outro, queremos ver.
Só tem mais um — retrucou Costa, sacando papel e recheio. 

Enrolou o “cigarro” com destreza. E mostrou. O agente aproximou-se. O chefe dissera-lhe que havia sentido “um odor do entorpecente” no corpo do preso. Curvou o pescoço e, lentamente, lançou o nariz em sobrevoo pela palma das mãos de Costa. Quando terminou, balançou a cabeça, como se dissesse “nada consta”.  No boletim de ocorrência ficou o registro: “Cabe ressaltar que logo após a chegada (do chefe) ao local, os presos Arilton Alves Beleme e Luís Felipe Padilha Leite também notaram o odor de ‘mato queimado’.” 

Ambos estão hospedados na cela 4, vizinha à de Youssef e Costa. “Questionados sobre o termo ‘mato queimado’, responderam tratar-se de maconha. E ficaram empolgados.”  Vai deixá nóis tudo doidão — alegrou-se Arilton, informa o boletim de ocorrência. 

Seguiu-se uma revista em todas as celas, com auxílio de cães farejadores e o competente inquérito. O caso foi encerrado duas semanas atrás “por ausência de inícios mínimos de materialidade”, de acordo com despacho da Procuradoria Regional da República. 

Diante da ofensiva policial nesta quinta-feira (5/2) — com 62 mandados judiciais — que resultou em uma nova safra de provas sobre a corrupção e lavagem de dinheiro de propinas em contratos da estatal de petróleo, resta uma certeza: até hoje ninguém conseguiu produzir maconha “malhada” cujo mau cheiro se aproxime do odor que exala a caixa-preta da Petrobras.
Fonte: José Casado - Globo On Line

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