Eleição ameaçada
O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, usou irregularmente como cabos eleitorais milhares de beneficiários de programas sociais do governo federal. Caso reforça processo por abuso de autoridade e de poder econômico
O EXÉRCITO DE PIMENTEL
Um terço dos sete mil cabos eleitorais de Fernando Pimentel integra o
cadastro de programas sociais do governo Dilma, como
o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida
Após ser acusado, ao lado da mulher Carolina de Oliveira, de ser
favorecido por um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de
dinheiro destinado a alimentar o caixa 2 de sua campanha, o governador
de Minas Gerais, Fernando Pimentel, volta às cordas com novas suspeitas
que podem custar sua eleição. Na terça-feira 10, o ministro Gilmar
Mendes, presidente em exercício do TSE, determinou que o Tribunal
Regional Eleitoral de Minas Gerais reabrisse uma investigação que apura
se Pimentel e seu vice, Antonio Andrade (PMDB), cometeram abuso de
autoridade e de poder econômico ao participar de eventos do governo
federal em plena campanha. O caso já havia sido arquivado pelo TRE, mas
Mendes considerou precipitada a decisão do colegiado. Para o ministro,
em virtude da “natureza grave dos fatos” apurados ,“existem elementos
suficientes” para exigir a reabertura do caso. Não bastasse a nova
frente de investigação, o governador também é alvo de outras duas ações
movidas pelo Ministério Público sobre abuso e captação ilícita de
recursos.
Soma-se a essas tantas apurações uma nova denúncia: Pimentel
teria usado o cadastro único de beneficiários dos programas sociais do
governo federal para recrutar cabos eleitorais. Levantamento de ISTOÉ, feito por amostragem
na prestação de contas entregue pela campanha petista à Justiça
Eleitoral, indica que um terço dos mais de 7 mil cabos eleitorais usados
por Pimentel integrariam a lista de beneficiários do Bolsa Família. É o
caso, por exemplo, de Alcirene Olidia Ferreira, moradora de Contagem.
Contratada na reta final da campanha, ela teria recebido R$ 1.200 de
auxílio financeiro. O valor é similar ao total de R$ 1.232 que Olidia
recebeu do Bolsa Família de junho de 2014 a abril deste ano. Ela ganha
R$ 112 por mês do benefício federal. Já Alcileia Neves de Paiva, de
Carandaí, teria embolsado da campanha petista R$ 800, segundo a
prestação de contas. Em 11 meses, ela ganhou R$ 1.617 em ajuda federal.
No exército de cabos eleitorais de Pimentel
há também beneficiários de outros programas sociais, como o Minha Casa
Minha Vida. Entre eles, Adreciane Rodrigues Antonio, que vive em Belo
Horizonte. Seu nome figura numa lista de sorteados da Prefeitura
divulgada em janeiro de 2014. Adreciane teria ganho R$ 1.200 fazendo
campanha para o atual governador.
As informações do cadastro único são
reguladas por decreto e só podem ser utilizadas para a seleção de
beneficiários e integração de programas sociais, além de diagnósticos
socioeconômicos para o desenvolvimento de políticas públicas. Nunca para
fins eleitorais. Além de configurar uso da máquina pública, a oferta de
dinheiro a pessoas em flagrante situação de vulnerabilidade social pode
ser enquadrada como crime de abuso de poder econômico. O senador tucano
Aloysio Nunes (PSDB-SP) acha estranho o uso de exércitos de cabos
eleitorais numa campanha majoritária. “Normalmente, esse tipo de
mão-de-obra não tem eficácia para campanhas assim. A Justiça Eleitoral
deve investigar, confirmar se essas pessoas foram realmente contratadas e
se trabalharam efetivamente”, afirma. Para Aloysio, a contratação de
cabos eleitorais se assemelha à compra de voto. Agora, as investigações
vão mostrar se houve realmente trabalho dos beneficiários de programas
sociais, ou se o cadastro foi utilizado para criar fantasmas e
justificar gastos de campanha.
O procurador eleitoral Patrick Salgado
alerta que até hoje as contas da campanha de Pimentel não foram
aprovadas. Ele mesmo propôs duas ações contra o petista por abuso e
captação ilícita de recursos. “Atuei para que as contas fossem
rejeitadas. Tomei todas as providências, mas o TRE não julgou ainda”,
diz. Salgado pediu a cassação do mandato de Pimentel, alegando que a
movimentação financeira da campanha ultrapassou em R$ 10 milhões o
limite previamente definido. Com a deflagração da Operação Acrônimo, e o
possível envolvimento do dono da Gráfica Brasil, Benedito de Oliveira
Neto, o Bené, no financiamento do caixa 2 de Pimentel, o procurador diz
que pretende “aprofundar a investigação”. “Já solicitei às fontes
próprias que me forneçam os dados oficiais”, disse à ISTOÉ. Entre o
material apreendido com Bené em outubro estavam duas folhas com tabelas
de pagamentos e prazos sob o título “Campanha Pimentel”. Também foi
encontrada uma pasta da Vox Brasil contendo documentos referentes a
pesquisas de opinião nas eleições e o nome Helvécio Miranda, atual
secretário de Planejamento.
Outro imbróglio relacionado à campanha de
Pimentel é o da enfermeira Helena Ventura, candidata a deputada estadual
pelo PT. Na semana passada, a contadora Rosilene Alves Marcelino
admitiu ter errado na prestação de contas da deputada, registrando
equivocadamente o valor de R$ 36,2 milhões em gastos com a Gráfica
Brasil, do empresário Bené. O certo, segundo ela, seria o valor de
apenas R$ 725. “Ela trouxe a nota fiscal, que se referia à impressão de
50 mil santinhos. Em vez de dividir o valor, eu multipliquei. Foi um
erro meu, mas já retifiquei na Justiça Eleitoral”, disse Rosilene à
ISTOÉ. O mistério, porém, não foi solucionado. O valor pago à Gráfica
Brasil é idêntico ao recebido pela candidata como doação. Além disso, um
relatório do TRE de Minas informou que os R$ 36,2 milhões tiveram
origem no fundo partidário, atestando a movimentação financeira. Outro
prestador de serviço de Helena Ventura, o jovem Rafael Henrique afirmou à
reportagem desconhecer a candidata. “Prestei serviço ao comitê do PT na
criação de um site de internet. Nunca ouvi falar dessa tal Helena
Ventura”, disse o webdesigner. Para o procurador, é preciso revisar toda
a documentação. “Já pedi à minha equipe que faça o levantamento da
prestação de contas da Helena”, diz Salgado. Suas ações não se confundem
com o processo analisado por Gilmar Mendes, que foi aberto a pedido da
coligação de oposição liderada pelo tucano Pimenta da Veiga. Nesse caso,
o governador Pimentel é acusado de usar eventos oficiais para fazer
campanha em benefício próprio.
Nos autos da ação estão descritos três
casos concretos que serviram para alavancar a candidatura petista: o
programa de doação de máquinas para recuperação de estradas vicinais,
parte do PACo 2, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Pronatec,
programa de acesso ao ensino técnico coordenado pelo Ministério da
Educação, e o “Minha Casa Minha Vida”, de responsabilidade do Ministério
das Cidades. Entre fevereiro e abril de 2014, Pimentel e
Andrade participaram de eventos de entrega de bens e serviços estimados
em R$ 200 milhões. A reportagem tentou contato com a assessoria de
imprensa do governador Pimentel, mas não obteve retorno. As cerimônias
se deram em diferentes municípios mineiros, tiveram a participação da
presidente Dilma Rousseff e ganharam ampla divulgação na mídia. Ao todo
foram oito eventos em sete cidades. “Os pré-candidatos, além de comporem
a mesa de autoridades, dispuseram da palavra, entregaram chaves a
prefeitos, diplomas a alunos, unidades habitacionais a moradores e
pediram voto, ganhando notória visibilidade para a disputa aos cargos de
governador e vice-governador. Ganharam uma massiva e capilarizada
divulgação das suas pré-candidaturas, alcançando todos os rincões do
Estado de Minas Gerais, pois as solenidades foram transmitidas em
diversos canais estatais, como a NBR e a Voz do Brasil”, alega o PSDB. O
TRE-MG classificou as alegações como “meras ilações”. Mas Gilmar
Mendes, não. Para ele, a presença de Pimentel no palanque tampouco se
justificaria, sendo ele ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e
Comércio.
Fonte: IstoÉ - Claudio Dantas Sequeira (claudiodantas@istoe.com.br)
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