A comparação da política a um jogo de xadrez é antiga e recorrente,
demonstrando que se trata mais de um jogo de raciocínios que de emoções.
Tancredo Neves, a propósito, recomendava: “Não se faz política com o
fígado”.
Getúlio Vargas, ao ser deposto, em 1945, disse a um sobrinho que o
acompanhava a bordo do avião que o levava de volta a São Borja: “Sou uma
pedra que foi movida da posição que ocupava. E eles pensam que vou
permanecer aonde me colocaram. É o grande erro deles. Não sabem que
vamos começar um novo jogo – e com todas as pedras de volta ao
tabuleiro.”
O comentário encerra o segundo volume da magnífica trilogia biográfica
de Getúlio, escrita por Lira Neto. Cinco anos depois, Vargas havia
movido com maestria as peças do novo jogo – que seus adversários
supunham ser ainda o antigo - e voltava ao poder nos braços do povo.
Não foi possível, porém, manter o raciocínio acima do fígado e Getúlio
acabaria se suicidando quatro anos depois, num gesto que alguns dizem
ter sido raciocínio puro e outros o contrário. Digamos que foi uma conjugação de ambos: Getúlio colocou a emoção a
serviço do raciocínio (ou vice-versa) e, com o suicídio, adiou por dez
anos o triunfo de seus adversários, que se daria em 1964. O que isso tem
a ver com a crise atual? O contexto é bem outro, mas a ele comparece
novamente o duelo entre emoção e razão. A entrevista da presidente Dilma
à Folha de S. Paulo foi uma ação do fígado – e uma descompostura à
razão.
Descontrolou-se em diversos momentos e deixou escapar, para quem sabe
ler nas entrelinhas, que de fato está magoada com Lula, de quem tem
recebido críticas públicas. Não só: chamou para a briga quem já está
brigando com ela há muito tempo, a começar pelo próprio PT, sem falar no
PMDB que já providenciou o divórcio.
Quis mostrar uma disposição que não tem e uma capacidade há muito
perdida. Não se vence um impeachment no grito, mas com sofisticada e
paciente articulação política. Com os quadros de que dispõe na Câmara – onde tem como líderes figuras
da estatura de Sibá Machado e Josué Guimarães -, não há, articulação,
paciência, nem muito menos sofisticação. [Dilma não tem líderes na Câmara nem no Senado. Sibá Macho e o Zé Guimarães - o 'capitão cueca' - são dois fantoches; e o Delcídio é tão lider que em uma votação com 62 senadores presente, alguns do PT, a Dilma perdeu por 62 a 0 e não foi registrada nenhuma abstenção.
Como se percebe até ele votou e já que Dilma não teve nem um voto...]
Uma bomba política – e é disso que se trata quando se enfrentam
processos simultâneos no TCU e no TSE, tem-se apenas 9% de apoio na
sociedade e uma crise econômica em pleno galope - tem que ser desmontada
por especialistas e não desativada a chutes e bravatas, o que a levará a
explodir antes da hora.
E não é só de impeachment que se trata.
A presidente corre risco concreto de cassação, caso se comprovem – e
para muitos já estão comprovadas – as denúncias de Ricardo Pessoa e
outros réus da Lava-Jato. E a Petrobras não esgota o veio de denúncias.
Vem aí a CPI da Eletrobrás e já se avolumam denúncias em torno da usina
de Belo Monte. São os mesmos métodos e os mesmos personagens, com evidências de desvio de dinheiro para a campanha do PT em 2014.
Mais que nunca, a imagem da caixa de lenços de papel, em quer se puxa
um e vem outro, é precisa. E é isso que torna imprevisível o desfecho da
crise. Os que temem que cresça a ponto de se tornar inadministrável
recorrem a raciocínios de enxadristas. Uns, como Eduardo Cunha, pensam no parlamentarismo, que dispensaria até
o impeachment, já que colocaria fora do tabuleiro a figura da rainha,
isto é, da presidente.
Outros veem o impeachment como inevitável e querem que Michel Temer
assuma, organize uma transição e prepare o país para as eleições de
2018. Como Temer já se comprometeu de, nessa hipótese, não postular a
reeleição, poderia presidir o ajuste econômico, sem preocupações com o
fator popularidade. Mas nem tudo está sob controle. O TSE, que julgará as verbas de
campanha de Dilma e Temer em 2014 – e já dispondo de denúncias que ainda
não se esgotaram -, pode determinar a hipótese mais radical: a cassação
da chapa PT-PMDB.
A jurisprudência daquela corte, aplicada quando, por idêntica razão,
foi cassado o mandato do então governador do Maranhão, Jackson Lago, é a
de dar posse ao segundo colocado. Roseana Sarney foi beneficiária desse
critério e governou sem qualquer constrangimento, como se eleita
houvesse sido. Aécio Neves já avisou que não aceitará esse privilégio. Convocará
eleições. Sabe que, se aceitasse, teria menos governabilidade que a
própria Dilma.[e o TSE ainda teve a coragem de autorizar Roseana Sarney a concorrer as eleições para governadora sem se desincompatibilizar - foi considerada que tinha sido eleita, quando não foi já que foi a segunda colocada. O eleito foi o Jackson Lago.]
Ninguém sabe que hipótese prevalecerá – e isso mantém o quadro político
sob tensão. Há ainda muita água a correr debaixo da ponte, é o que se
sabe. Falta raciocínio e sobra fígado.
O general do MST, João Pedro Stédile, já avisou que porá seu exército
na rua se Dilma for deposta. E a presidente tenta costurar soluções
improváveis, reunindo-se secretamente com o presidente do STF, Ricardo
Lewandowski, em Portugal.
Fonte: Ruy Fabiano, jornalista
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