– Ela não é da minha família; não é minha mãe, não
é minha filha, não é minha irmã, não é minha tia, não é minha sogra, não é
minha madrasta…e nem mesmo minha vizinha!
A presidente Dilma Rousseff foi ao Maranhão para “entregar”, como se tornou moda dizer nesses casos, 2.020 moradias
do Minha Casa Minha Vida. E deitou
falação em defesa do próprio mandato. A
governante que apareceu há menos de uma semana no horário político do PT
que demonizava líderes da oposição — três
deles presidentes de partido —
afirmou o seguinte: “Eu trabalho dia e noite incansavelmente
para que essa travessia seja a mais breve possível. O Brasil precisa muito,
precisa mais do que nunca, que as pessoas pensem primeiro nele, Brasil, no que
serve à nação, à população, e só depois pensem nos partidos e em seus projetos
pessoais. O Brasil precisa de estabilidade para fazer essa travessia.”
Entendi. Ela já vendeu essa ideia de “travessia” na campanha eleitoral. Mas isso é o de
menos. Segundo se entende de sua fala,
ser contra o governo é ser contra o Brasil, certo? Logo, o patriotismo só
tem uma expressão em nosso país: o
governismo. Tenham paciência! Quando
a campanha eleitoral desta senhora acusava os adversários de querer tirar a
comida e o emprego dos pobres, não lhe ocorreu que o Brasil deveria estar acima
de seus interesses. E Dilma prosseguiu
com aquela mixuruquice retórica
que Lula introduziu na política, comparando o país a
uma família:
“É como numa família. Numa dificuldade, não adianta ficar um brigando um com o outro. É preciso que as medidas sejam tomadas. Ninguém que pensa no Brasil deve aceitar a teoria dos que pensam assim: ‘Eu não gosto do governo, então eu vou enfraquecer ele’. Quanto pior, melhor? Melhor para quem?”
“É como numa família. Numa dificuldade, não adianta ficar um brigando um com o outro. É preciso que as medidas sejam tomadas. Ninguém que pensa no Brasil deve aceitar a teoria dos que pensam assim: ‘Eu não gosto do governo, então eu vou enfraquecer ele’. Quanto pior, melhor? Melhor para quem?”
Dilma não é da minha família. Não é minha
mãe, não é minha tia, não é minha vó, não é minha prima, não é minha irmã, não
é minha mulher, não é minha filha… Dilma não é nem mesmo minha vizinha. Ela pertence a um governo cujos postulados repudio. Logo, de saída, ainda que ela fosse a
encarnação da honestidade pessoal, eu teria o direito democrático de me
opor.
Mas calma lá! A honestidade pessoal — se enfiou ou não a mão no nosso bolso para
enriquecer — não é o único crivo que
pode levar um governante a perder o mandato. Basta
ler a Lei 1.079, que muitos puxa-sacos, pelo visto, gostariam de
banir do país. É aquela que tirou Fernando Collor de Mello do poder. De resto, quem
disse que a gente aguenta qualquer desaforo, mesmo da família?
A agora presidente
que, durante a campanha eleitoral, tentou
faturar com a crise hídrica de São Paulo que, sabia ela muito bem, não tinha como
ser atribuída ao governador do Estado, afirmou: “Quero aproveitar para fazer um apelo aos brasileiros: vamos repudiar
sistematicamente o vale-tudo para atingir qualquer governo. Seja o governo
federal, o governo dos estados e dos municípios. No vale-tudo, quem acaba sendo
atingido pela torcida do quanto pior melhor é a população.”
Uma das misérias
brasileiras está no fato de que os governantes só ficam recitando postulados da
democracia quando estão à beira do abismo. Quando
seguros em seus respectivos tronos, atropelam-nos sem pestanejar, não é
mesmo? A
plateia para a qual falava era toda amiga. Tinha sido rigidamente selecionada, numa mistura dos critérios de democracia
da turma de propaganda de Dilma com os do PC do B, do governador Flávio
Dino. Enquanto ela discursava, da
plateia partiam gritos com esta espontaneidade: “Renova, renova, renova
a esperança”;
“A Dilma é guerrilheira e da luta não se cansa”;
“No meu país, eu boto fé, porque ele é governado por mulher”.
“A Dilma é guerrilheira e da luta não se cansa”;
“No meu país, eu boto fé, porque ele é governado por mulher”.
Flávio Dino, um homem, salvo melhor juízo, também resolveu dar uns
pitacos sobre democracia e golpe: “Nós
aqui do Maranhão defendendo a democracia contra qualquer tipo de golpe
instalado no nosso país. Estamos aqui manifestando o que se passa no coração do
povo mais pobre deste país. É claro que todos nós somos contra a corrupção.
Defendemos a investigação e a punição de quem quer tenha feito coisa errada.
Temos que separar as coisas. Com respeito à Constituição, à democracia e às
regras do jogo. Estamos aqui num abraço simbólico à democracia, à Constituição
e ao governo da presidente Dilma Rousseff”.
Golpe é tentar
impedir que os Poderes da República exerçam suas prerrogativas constitucionais. De resto, quem é Dino para falar? Recomendo uma breve
pesquisa no Google. Coloquem lá na área de busca as seguintes palavras, sem
vírgulas e sem aspas: “Flávio
Dino grupo Sarney recorreu Justiça”. Vocês verão quantas vezes este senhor apelou a instâncias legais para
tentar cassar mandatos ou eleições de seus adversários locais, ligados à família
Sarney ou pertencentes à própria.
Dino é oriundo da
escola de pensamento do PCdoB: o que serve a seu grupo e a seu projeto
de poder traduz a redenção popular; o que não serve é golpe. Essa conversa
das esquerdas já não seduz mais ninguém, a não ser meia-dúzia de colunistas
cujas máscaras caíram de forma irremediável. Dilma
tem de prestar contas à democracia, não à ditadura.
Fonte:
Blog do Reinaldo Azevedo – Revista VEJA
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