Fernando Henrique
Cardoso disse o seguinte: “Se a própria presidente não for capaz do gesto de grandeza (renúncia ou a voz franca de que
errou e sabe apontar os caminhos da recuperação nacional), assistiremos à desarticulação crescente do governo e do Congresso, a
golpes de Lava-Jato”.
Poderia ter dito a mesma coisa a
respeito de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados, denunciado pelo
procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal. Não disse. Nem
FHC, nem qualquer outro grão-tucano. Até agora, Dilma é acusada no Tribunal de
Contas da União de ter pedalado as contas públicas. O TCU não é um tribunal, mas um conselho assessor da Câmara.
Ademais, a acusação ainda não foi formalizada. Eduardo Cunha foi denunciado
pelo Ministério Público por ter entrado numa propina de US$ 5 milhões. O PSDB
quer tirar Dilma do Planalto e admite manter Eduardo Cunha na presidência da
Câmara.
Surgiu em Brasília o fantasma de
um “Acordão”. Nele, juntaram-se Dilma e Renan Calheiros. Há outro: ele
junta Eduardo Cunha, o PSDB, DEM e PPS. Um destina-se a segurar Dilma. O outro, a derrubá-la. À
primeira vista são conflitantes, mas têm uma área de interesse comum: nos dois
Acordões há gente incomodada com a Lava-Jato. A
proteção a Dilma embute a contenção da Lava-Jato, evitando que chegue ao Planalto ou a Lula.
A proteção a Eduardo Cunha pretende conter
a responsabilização dos políticos de todos os partidos metidos em roubalheiras. É sempre bom lembrar que Fernando Collor,
também denunciado por Janot, renunciou ao mandato em 1992, mas foi absolvido
pelo Supremo Tribunal Federal. Renan Calheiros foi líder de seu governo no
Congresso, e Eduardo Cunha dele recebeu a presidência da Telerj.
Deu-se
a grande pedalada elétrica
O que parecia ser uma simples pedalada elétrica
transformou-se numa competição de velódromo. O governo mandou ao Congresso a Medida
Provisória 688, que tenta
cobrir o rombo de pelo menos R$ 10 bilhões imposto
às geradoras de energia, jogando-o nas contas de luz dos consumidores.
Em 2013, na sua fase triunfalista, a doutora Dilma
baixou as tarifas de energia. Ela sabia que o sistema estava no osso, e algumas
hidrelétricas já precisavam comprar energia térmica, mais cara. Veio 2014,
faltaram chuvas, a situação agravou-se, e as geradoras ficaram com um rombo. Conseguiram 22 liminares e já deixaram de pagar R$ 1,4 bilhão.
A MP 688 pretende contornar essa
crise com uma pedalada. Para que as empresas desistam de seus litígios, oferece-lhes a velha e
boa moeda da prorrogação de suas concessões por mais 15 anos. Junto com esse
mimo, mudaram-se as regras do jogo para as relações do governo com as
concessionárias. Admitindo-se que se fez o melhor
possível, há um gato na tuba. É o
paragrafo 8º do artigo 5º. Ele diz que tudo o que for combinado poderá
ser rediscutido. Donde, tudo pode acontecer. Conhecendo-se os poucos raspões da
Operação Lava-Jato no setor elétrico, esse dispositivo é no mínimo perigoso.
A
MP 688 inclui um golpe típico da retórica
do comissariado petista. Em 2004, jogando para a plateia, a doutora Dilma tirou dos novos
contratos de concessões uma cláusula que obrigava as empresas a pagar pelo “uso do bem público”. Para fazer caixa,
ela voltou, com o nome de “bonificação
pela outorga”.
Reduzindo a questão à
sua expressão mais simples: o governo baixou tarifas, fingiu que havia energia hidrelétrica disponível, obrigou as concessionárias a operar com as
térmicas e produziu um rombo bilionário. Quem pagará? O distinto público.
Fonte: Elio Gaspari – O Globo
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