Investigações
das últimas chacinas que chocaram o País indicam que grupos de bandidos e policiais
estão usando o aplicativo de mensagens para se organizar de forma rápida e
letal
Há poucos dias São Paulo viveu a noite mais violenta do ano, com 18
mortos em menos de três horas. Há um mês, Manaus ficou
aterrorizada com uma onda de 35 homicídios no intervalo de três dias. No
início do ano, os moradores de Cabula, em Salvador,
Bahia, se chocaram com a morte trágica de 12 pessoas em confronto com a polícia.
Em novembro de 2014, uma chacina deixou dez mortos num
único dia em Belém, no Pará. Quatro crimes que, além dos requintes de
crueldade, têm em comum o uso de redes
sociais e aplicativos de celular, em especial o WhatsApp, como principal
instrumento para orquestrar ações, divulgar imagens e vídeos de vítimas
baleadas, propagar ameaças e disseminar o medo.
Na
Grande São Paulo, uma força-tarefa da polícia tem como principal linha de
investigação a troca de mensagens por policiais militares dos batalhões de
Osasco e Barueri, na matança do dia 14. Nelas, os PMs
teriam prometido exterminar os assassinos do cabo Admilson Pereira de Oliveira,
de 42 anos, assassinado dias antes. “É uma novidade para todo mundo, sabemos
que a polícia vem se dedicando a alguns softwares que auxiliam a monitorar
redes de criminosos, mas não é possível rastrear o aplicativo de mensagens e os
setores de inteligência das corporações estão preocupados com isso”, diz o
coronel José Vicente da Silva Filho, professor do Centro de Altos Estudos de
Segurança da Polícia Militar de São Paulo.
Outro caso semelhante ocorreu em Belém, em novembro do ano passado, quando a morte do policial Antonio Marcos da Silva Figueiredo desencadeou uma série de mensagens via Whatsapp. Os textos e áudios pediam para os moradores evitarem determinadas regiões e anunciavam a chacina. “Mataram um policial nosso e vai ter uma limpeza na área”, alardeavam. Dez pessoas foram baleadas por motociclistas que rondavam os bairros. “A morte de um membro da corporação sempre causa um trauma e pode levar à caça dos matadores”, diz o coronel Silva Filho. Outro problema que colabora para a formação de grupos de extermínio dentro das corporações é a alta rotatividade dos chefes de batalhões. O pouco convívio com o efetivo favorece o surgimento de comandos paralelos.
Nas redes sociais e páginas da internet, grupos de policiais defendem o uso da força e truculência. Em fevereiro, uma troca de tiros entre oficiais da Rondesp (Rondas Especiais da Polícia Militar da Bahia) e jovens no bairro de Cabula deixou 12 mortos. Horas depois do confronto, fotos e vídeos dos mortos e das armas começaram a circular pelo Whatsapp e serem compartilhadas em blogs na internet. “Policiais filmaram os corpos das vítimas e os divulgaram, numa espécie de sadismo. Comportamentos como esses compõem a ideia de justiçamento”, afirma Alexandre Ciconello, assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional. [provavelmente este Ciconello aplaudiria se fossem os bandidos filmando policiais mortos.] Em setembro de 2014, quatro garotos baleados por PMs tiveram seus corpos fotografados na cena do crime e as imagens divulgadas via aplicativo de mensagens. “Esse tipo de violência corporativa é um prêmio para os agentes de segurança que estão envolvidos”, diz Bruna Angotti, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (Ibccrim). Para ela, o que faz a truculência policial se perpetuar é a impunidades dos agentes. “Temos uma estrutura que permite a leniência e a não investigação.”
Enquanto as autoridades de segurança pública não conseguem desenvolver tecnologias para rastrear aplicativos de mensagens instantâneas, as corregedorias de polícia poderiam começar a se debruçar sobre os indícios de chacinas anunciadas ou celebradas em redes sociais. “É preciso investigar quem são os grupos de policiais que estão propagando a violência, mas as corregedorias costumam focar apenas em crimes relacionados a desvios e corrupção”, diz o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Orlando Zaccone. Do contrário, a capacidade de articulação do Whatsapp, utilizada em muitos casos para auxiliar em investigações, ficará a serviço de grupos de extermínio, aumentando o estado de insegurança da população.
Fonte: Revista Isto É
FOTOS: Mario Angelo/Sigmapress; Marlene Bergamo/Folhapress
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