É tal a avalanche de
denúncias, acusações e vazamentos da Operação Lava-Jato que a imprensa começa
a perder a mão sobre o que está em curso e permite que coisas da maior
gravidade sejam ditas, assim, como quem afirma que hoje é quarta-feira. Já
houve um caso muito sério nesta terça. Nesta quarta, na sabatina de Rodrigo
Janot na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, de novo! A que me
refiro? Vamos lá.
O senador Humberto
Costa (PT-PE), um dos investigados na Lava-Jato, indagou Janot sobre
a credibilidade de delatores que mudam de versão. Afinal de contas, o “prêmio” que recebem supõe que digam a
verdade. É
claro que estava se referindo a Julio Camargo, aquele que primeiro sustentou que não
havia pagado propina a Eduardo Cunha (PMDB-RJ), invertendo mais tarde a sua
versão.
Janot afirmou então que os benefícios
da delação de Camargo foram mantidos porque as afirmações mais recentes que fez
— “Cunha recebeu propina” —
contribuíram para avançar na investigação. Muito bem! O procurador-geral poderia ter parado por aí,
mas seguiu adiante e informou que, como castigo, a multa que Camargo terá de pagar por
ter mentindo será maior — antes, era de
R$ 70 milhões. E agora vem o que realmente é gravíssimo:
“Teve como consequência o agravamento da pena de multa. Não teve nenhuma outra consequência, porque nos convencemos que ele estava em estado de ameaça. Não falou antes porque tinha receio de sua própria vida. Nessa retificação que ele faz, a espontaneidade dele é visível. ‘Eu temo pela minha vida’, ele disse. ‘Só voltei agora, porque a investigação chegou a um ponto que minha omissão está clara, mas continuo temendo pela minha vida’”.
“Teve como consequência o agravamento da pena de multa. Não teve nenhuma outra consequência, porque nos convencemos que ele estava em estado de ameaça. Não falou antes porque tinha receio de sua própria vida. Nessa retificação que ele faz, a espontaneidade dele é visível. ‘Eu temo pela minha vida’, ele disse. ‘Só voltei agora, porque a investigação chegou a um ponto que minha omissão está clara, mas continuo temendo pela minha vida’”.
Epa! Aí a coisa ficou séria demais. Todos
sabem, porque isso foi tornado público, que Julio
Camargo disse que tinha medo de Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Salvo engano, não se havia falado de ameaça
de morte, não é mesmo? Eu me lembro de Camargo ter dito que temia a influência do deputado…
Pergunto: é corriqueiro que um procurador-geral da
República confira estatuto de verdade à
acusação de um delator, que se diz ameaçado de morte pelo presidente da
Câmara, e não faça nada sobre o caso em particular? Será que nós, do
jornalismo, não estamos perdendo o senso de proporção e de gravidade das
coisas?
Se o Ministério
Público Federal, na pessoa de Rodrigo Janot, acreditou que Julio Camargo estava mesmo
sendo ameaçado de morte por Cunha, qual é a sua
obrigação? Deixar
para tratar do assunto numa sabatina ou reunir os indícios e oferecer uma
denúncia? Se denúncia não há, é porque também
inexistem os indícios. Nesse caso, Janot acreditou em Camargo porque quis.
Apesar da elevação da multa, é claro que o bandido será premiado mesmo tendo
mentido. Ou antes ou agora.
Youssef
É o segundo dia em que uma heterodoxia gigantesca vem a público, embora seja tratada como coisa corriqueira. Nesta terça, em acareação, Alberto Youssef demonstrou conhecer o conteúdo de uma delação premiada que ainda está sob sigilo. Vale dizer: um bandido preso sabe o teor de um depoimento que deveria estar apenas sob o domínio do Ministério Público.
É o segundo dia em que uma heterodoxia gigantesca vem a público, embora seja tratada como coisa corriqueira. Nesta terça, em acareação, Alberto Youssef demonstrou conhecer o conteúdo de uma delação premiada que ainda está sob sigilo. Vale dizer: um bandido preso sabe o teor de um depoimento que deveria estar apenas sob o domínio do Ministério Público.
É bom começar a botar
ordem nessa história. No dia 26 de agosto de 2015, o procurador-geral da República endossou a
versão de um delator premiado, segundo o qual foi ameaçado de morte por
ninguém menos do que o presidente da Câmara. Não ofereceu denúncia a respeito,
e a imprensa fez de conta que isso é a coisa mais normal do mundo.
Se é verdade que
aconteceu, e Janot não ofereceu a denúncia, é grave. Se Camargo mentiu, e Janot comprou a versão, também
é grave.
A propósito: Camargo
perdeu o medo de Cunha por quê?
a: porque virou, de
repente, um corajoso?;
b: porque passou a
ter medo de um perigo maior?
c: nda. Isso tudo é só
coisa de bandido tentando se safar.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo – Revista VEJA
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