Há
um dito popular entre políticos de longa experiência para apontar aos
estreantes o risco da afoiteza: “Cachorro novo não entra com pressa no
mato”. Em outras palavras mais apropriadas aos seres dotados de razão
humana, o apressado em geral come cru e quente o alimento que, com
prudência e paciência, poderia desfrutar na temperatura e cocção
adequadas de modo a obter satisfação plena, genuína e duradoura.
É
o caso do prefeito de São Paulo, João Doria, cuja afobação em
transformar o sucesso eleitoral de uma eleição local em antecipação de
êxito em pleito presidencial, que já se mostrava arriscada ante a lógica
da vida normal, foi confirmada pelo registro da opinião do público
captada pelo instituto Datafolha, publicado no último dia 8: queda
acentuada na avaliação de desempenho e grande rejeição às andanças
eleitoreiras do prefeito em detrimento da atenção à cidade que o elegeu.
Nada
de muito surpreendente, não obstante relevante dada a crescente adesão à
ideia de que uma eleição tem efeito automático sobre a outra. Num
primeiro momento, interpretou-se que a vitória de Doria no primeiro
turno em 2016 corresponderia necessariamente à consolidação do
governador Geraldo Alckmin como candidato a presidente em 2018. O
bom da realidade é que ela conta a história a seu modo. Faz pouquíssimo
caso da vontade alheia, cobra tributo pesado à imprudência. Dependendo
de seu humor, trata com fina ironia ambições desprovidas de lastro
suficiente para uma sustentação perene. Mostra aos vivaldinos quem manda
na situação: a crueza e a nudeza dos fatos.
Fato nu e cru é que o
prefeito João Doria infringiu regras sagradas na política ao pretender
exercer a atividade fazendo de conta que fazia outra coisa. Um parêntese
aqui é necessário: o relevante não são as intenções futuras ou não de
voto observadas na pesquisa, mas a avaliação presente de desempenho. Os
paulistanos, integrantes do maior colégio eleitoral do país, não estão
gostando de ver o prefeito aos rodopios nacionais e internacionais.
Nesse aspecto, reafirmam a Doria o que já haviam dito a José Serra na
rejeição ao uso da prefeitura como trampolim para a candidatura a
presidente. Ele não deu atenção aos sinais. Na embriaguez do
êxito, encarnou o personagem antagônico a Lula da Silva herdando também
seus defeitos: língua excessivamente solta, desrespeito ao adversário e
menosprezo à história alheia e, principalmente, à História em si. Não
incorporou, contudo, o tirocínio do petista em relação ao cultivo da
própria base.
Doria fomentou a discórdia no já enfraquecido PSDB e
despertou a ira dos “tradicionais” ao responder de maneira baixa a
Alberto Goldman, um militante de escol. Deflagrador da cassação de José
Dirceu ao ser o primeiro a contestar o discurso do ainda poderoso de
volta à Câmara, filiado ao PCB quando isso era um perigo, combatente da
ditadura com o mandato permanentemente em risco enquanto João Doria se
criava a pires de leite. “Como uma gata”, nas sábias e precisas palavras
de Nelson Rodrigues.
Fonte: Dora Kramer - Revista VEJA
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