Nem Alckmin, nem Marina exigiram a garantia dos direitos básicos de circulação nas estradas e de abastecimento de bens essenciais
Não se
tem notícia de humilhação similar. Para todos os efeitos práticos, o governo Temer
sucumbiu, atropelado por um caminhão. Mas, em meio ao caos, entre as vozes
estridentes dos populistas e os ecos secundários dos oportunistas, deve-se
registrar o silêncio dos candidatos de centro. Na paisagem de ruínas, ninguém
ousou sair em defesa do interesse geral. A covardia será punida nas urnas. O
Planalto sabia que a explosão viria, mas permaneceu inerte. Diante da
catástrofe consumada, ensaiou uma valsa de sucessivos rugidos e recuos, até a
completa desmoralização. No início, corretamente, identificou a natureza da
operação de locaute, que se fantasiava como greve espontânea. Na sequência,
renunciou ao exercício da força legítima, oferecendo carta branca aos grandes
empresários de transportes e às facções amotinadas dos caminhoneiros. Corte das
estradas, abolição do direito de ir e vir, colapso do abastecimento essencial:
uma nação sem governo, sem lei, converteu-se em refém da força privada.
Temer
capitulou duas vezes, entregando bem mais do que exigiam as milícias invasoras.
No meio do percurso, estendeu sua própria humilhação ao STF, que dera amparo à
liberação compulsória das estradas, e aos militares, que se preparavam para
cumprir a ordem de romper os bloqueios. O presidente e seu círculo de patéticos
estrategistas temiam que a aplicação da lei provocasse uma reprodução das
“jornadas de junho” de 2013, incendiando as cidades. [O futuro presidente tem que ser confiável para se ter a garantia que o Poder Executivo não será covarde nem estenderá a outros a humilhação advinda de covardia.] No altar sacrificial da
capitulação, eles imolaram todos os bens públicos que tinham ao alcance. [a covardia começou quando aceitou negociar com as estradas bloqueadas - com bandidos só se negocia quando estão de joelhos, dedos entrelaçados na nuca.] A
desoneração da folha das transportadoras, o tabelamento do frete, a contratação
de transporte sem licitação, o subsídio ao diesel serão financiados por cortes
de gastos sociais, inflação e emissão de dívida. Há, contudo uma perda maior:
agora, ninguém mais duvida de que a chantagem compensa, especialmente se for
conduzida a seus limites extremos.
Soltaram
os cachorros loucos. Nos bloqueios e acostamentos, os especuladores do caos
desfraldaram as bandeiras da “intervenção militar”. Na arena de campanha, Jair
Bolsonaro prometeu apoio integral aos “caminhoneiros”, simulou um pedido de
moderação e, finalmente, garantiu que “um futuro presidente honesto/patriota”
anistiará qualquer hipotético atingido por penalidades legais. O protagonista
inconteste ganhou coadjuvantes, que se aninharam na boleia de uma carreta
bitrem. Ciro Gomes avisou que, sem a revogação da lei do teto de gastos
públicos, “vai faltar escola e hospital”. Já Álvaro Dias, um inesperado
nostálgico da idade de ouro dilmista, clamou pela administração política dos
preços de combustíveis. A
falência técnica da Petrobras nada ensinou ao lulopetismo, engajado na
repetição farsesca de uma história trágica. Precisamente quando Bolsonaro
advertiu para “a hora de acabar” o motim das estradas, a Federação Única dos
Petroleiros (FUP), tentáculo sindical do PT, ensaiou um espetáculo alternativo
de dupla utilidade. No plano puramente simbólico, a frustrada greve dos
petroleiros reivindicava a redução dos preços do gás de cozinha, uma bandeira
“popular” de contraponto petista à baderna da direita. No plano prático, exigia
a demissão de Pedro Parente, o presidente que resgatou a Petrobras de um poço
sem fundo, passo necessário para uma futura restauração do controle partidário
sobre a estatal.
Bolsonaro
e o PT operaram segundo seus interesses, apostando nas ações do colapso. O
visceral oportunismo de Álvaro Dias só surpreendeu os que não o conhecem. Mas é
o silêncio tumular de Geraldo Alckmin e Marina Silva, os candidatos viáveis do
centro do espectro político, que indica a dimensão da crise nacional. O
candidato tucano permaneceu virtualmente calado durante o auge da crise. No
epílogo, depois de firmado o tratado de capitulação, produziu uma exigência
vazia de retorno à “normalidade”. A candidata da Rede, por sua vez, criticou
com justiça a falta de medidas preventivas do governo e a política de variação
diária de preços, apenas para ensaiar um raciocínio primitivo — e demagógico —
sobre a possibilidade de usar a produção doméstica de petróleo para regular os
preços dos combustíveis.
A
covardia triunfou. Nem Alckmin, nem Marina exigiram a garantia dos direitos
básicos de circulação nas estradas e de abastecimento de bens essenciais.
Nenhum dos dois formulou uma nítida condenação dos termos da rendição do
Planalto à chantagem dos promotores do locaute. Nenhum deles teve a audácia de
defender a gestão de Pedro Parente, explicando que inexiste almoço grátis — e
que, sob o império do lulismo, a Petrobras foi à lona por financiar subsídios
de cunho populista.
Segundo
constatação do Datafolha, 87% dos brasileiros aprovaram o movimento de paralisação,
mas 56% o consideraram prejudicial à população. O instituto registra, ainda,
que exatos 87% recusam os aumentos de impostos e cortes de gastos derivados da
capitulação governamental. As nações enlouquecem quando o conjunto de suas
lideranças políticas entregam-se ao populismo, ao oportunismo e à covardia.
Nessa hora, a velha ordem desaba.
Demétrio
Magnoli é sociólogo - O Globo
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