O acordo feito pelos caminhoneiros com o setor de grãos, mesmo sendo
parcial, é a primeira boa notícia nessa sucessão de erros cometidos
durante e após a greve do transporte de carga. Abre o caminho para que o
setor privado negocie entre si e consiga resolver o conflito entre o
caminhoneiro que quer um preço mais justo para o seu trabalho, e o
empresário que precisa reduzir seus custos. Tudo isso resulta de um erro inicial. Os custos brasileiros de
logística são altos porque o país há décadas erra no planejamento do
setor de transporte. Depende demais das rodovias mesmo para o transporte
de longas distâncias, o que não é a vocação do modal. E, apesar de
depender em quase 70% do transporte de mercadorias pela via rodoviária,
tem péssimas estradas.
É a má qualidade das estradas que reduz a competitividade do setor
produtivo e não o preço mais justo pago ao caminhoneiro. O país ficou no
pior dos mundos, não estruturou modais alternativos e fez uma opção
incompleta pelas rodovias. Uma espécie de rodoviarismo sem estradas. Um
dos obstáculos que impedem o aumento da produtividade e competitividade
da economia brasileira é exatamente o gargalo do transporte. O caminhoneiro autônomo tem um custo duplo pela má conservação das
estradas. Gasta mais tempo do que deveria para cruzar as distâncias e
deprecia mais rapidamente o seu capital, no caso, o caminhão. O produtor
do agronegócio costuma dizer que ele é competitivo da porteira para
dentro da propriedade, e vai perdendo essa eficiência no lento e difícil
escoamento da sua produção para o consumo interno ou exportação. É um
jogo de perde-perde.
Com a greve, o governo decidiu interferir estabelecendo a tabela de
frete e foi o começo de uma sucessão de trapalhadas que o Brasil tem
assistido desde então. Uma coisa é certa: quando o governo decide
interferir na formação de preços dentro da cadeia produtiva, ele provoca
distorções. Essa regra é antiga e já foi testada à exaustão na era dos
tabelamentos e congelamentos dos anos 1980. O Brasil viveu as últimas
semanas a sensação de estar sendo obrigado a rever filme velho e ruim. O governo Dilma enfrentou suas greves do transporte elevando o
subsídio ao diesel às custas da Petrobras. Desta vez se tenta subsidiar
sem passar a conta para a estatal, mas até agora não ficou claro qual
será a engenharia fiscal e financeira para que tudo funcione como foi
negociado para o fim da greve. Os remendos para que a paralisação
terminasse resultaram numa série de desajustes que vão aparecendo em
bases diárias desde então.
A Cide foi pensada para ser um imposto com destino certo. Os recursos
deveriam ser usados para o investimento na melhoria e conservação das
estradas. Se fosse assim, e houvesse estradas melhores, o caminhoneiro
teria mais produtividade. Mas no governo Dilma foi zerada a Cide para
subsidiar o diesel e agora novamente ela foi eliminada para reduzir o
preço do diesel. Como o imposto estava sendo cobrado com uma alíquota
menor do que no passado, foi preciso diminuir também o PIS/Cofins. E
mesmo isso não será suficiente para pagar o custo de subsidiar o diesel.
E que diesel? Um dos piores usados no mundo. O produto brasileiro tem
alta concentração de particulados e de enxofre. Polui, adoece e mata. O
Brasil está estimulando o uso de um produto nocivo à saúde humana. Não
tem fim a estrada da irracionalidade brasileira no transporte.
Se for confirmado o acordo entre os caminhoneiros e os produtores de
grãos e se ele for seguido por outras negociações bem sucedidas, o país
poderá afastar temor imediato da volta da greve. Mesmo que se confirme o
melhor cenário, o dos acordos, haverá muito a fazer no Brasil para
começar a acertar o passo nessa estrada. Não será trabalho para o atual
governo. Se o país tiver sorte, o próximo governo poderá começar a mudar
essa história. Isso se os candidatos estiverem estudando o assunto. Na
época da greve deram declarações superficiais que não autorizam o
otimismo. Mas não custa ter esperança em um futuro mais racional. [outra greve dos caminhoneiros, a curto prazo, é impossível;
só se o governo além da notória incompetência for também covarde.
Vários fatores impedem que nova greve se repita:
- caminhoneiros tem contas a pagar, que em muitos casos inclui a prestação do caminhão - caminhão parado não paga contas e estas, quando atrasadas, aumentam até com o devedor dormindo;
- empresas transportadoras não vão mais participar/incentivar paralisação dos caminhoneiros - só se o governo for covarde e anistiar as multas. Não acreditamos que o governo baixe a tanto.
- as multas por obstrução de estradas foram aplicadas tanto com fundamento do Código de Trânsito - cujo pagamento é mais demorado, já que aquela Lei permite defesa prévia, recursos em duas ou mesmo três instâncias e até mesmo ao Poder Judiciário - quanto na decisão judicial do ministro Alexandre de Morais - que declarou em recente conversa com as transportadoras que se insatisfeitas, recorram; salvo engano, o recurso tem que ser a uma Turma do STF ou mesmo ao Plenário daquela Corte e dificilmente a decisão punitivo do ministro será revertida.
Para poupar espaço e a paciência dos que se dispuserem a ler, vamos parar por aqui.
Há diversos outros argumentos que tornam impossível uma paralisação dos caminhoneiros.
O maior risco é Temer e seu gabinete 'gerador' de crise.]
Miriam Leitão - O Globo
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