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sábado, 6 de abril de 2019

O presidente vai morrer pela boca

Cem dias depois, parece uma eternidade.  

O Brasil, nesse acomodar de novo governo, vai vivendo de desatino em desatino, levado pela verve destrambelhada do presidente Bolsonaro. O mandatário repete a via crucis de Jânio Quadros que durou sete meses — com bizarrices em atos e palavras típicas de um menestrel de crises. 

Avacalha a verdade. Diverte-se em polemizar com retrocessos na área de costumes. Dá as costas para os reais e urgentes problemas da Nação (emprego, reativação da economia e quetais). Nesse pormenor, com um agravante: o quadro está piorando muito. E rapidamente. A perspectiva de crescimento do PIB já foi revista, para baixo, cinco vezes neste ano, um recorde de recálculos negativos. Encontra-se agora em minguados 1,9% e ninguém de firme convicção e conhecimento de causa crê em algo melhor do que o ocorrido ano passado. O desemprego voltou a crescer no período sob a égide bolsonarista (janeiro e fevereiro com dados divulgados), após dois anos consecutivos de melhora na taxa. Em outras palavras, inverteu-se a curva para pior. 

Já são mais de 13,1 milhões de desempregados, quase 50 milhões de pessoas sem o mínimo para garantir a subsistência. E, como se sabe, o flagelo da falta de trabalho e renda destrói qualquer perspectiva de otimismo e apoio. Não há prosperidade visível nem no médio ou longo prazo. Culpa da tática adotada até aqui. Alguém apontou que o governo assumiu com aparência de pão dormido. Pesquisa mostra que empresas agora só projetam retomada para 2020 e a devastação da confiança fez a popularidade do “mito” derreter. São dados. Fatos. Longe da torcida dos áulicos seguidores. A indústria recuou dez anos e voltou em fevereiro ao nível de produção de março de 2009. A atividade do setor está tão ou mais emperrada que nos idos da recente recessão da fase Dilma. Aos números: em janeiro o desempenho foi negativo, de 0,8%, o pior resultado em quatro meses. O volume produzido também ficou 0,2% menor ao de igual período do ano passado. O enfraquecimento da manufatura no chão de fábrica é reflexo direto e visível da baixa demanda. 

Parlamentares dos partidos de sustentação reconhecem que a sociedade está cansada e que mesmo aliados mais ferrenhos estão perdendo o encanto. Ninguém de seus próximos assessores se atreveu ainda a lhe dizer, talvez por receio, mas admitem à boca pequena que o mandato do capitão reformado está sofrendo um apagão gerencial. Nada anda, os ministérios funcionam a galope de polêmicas, setores como o da Educação são literalmente dilapidados. No plano da saúde, metas estabelecidas, como a da imunização da população nas primeiras semanas, não foram cumpridas. No campo externo, estragos são notados com os protestos e promessas de retaliações de parceiros estratégicos, chineses e árabes à frente. Não precisa nem lembrar do “golden shower” do carnaval, das suspeitas que o mandatário lançou erroneamente sobre o Ibama, da falsa promessa de diminuir o Imposto de Renda (depois desmentida por assessores), dos ataques sem propósito na articulação com o Congresso…a lista de escorregões é infindável. Como aprendiz de presidente, Bolsonaro revelou-se um tremendo encrenqueiro, inapto naquilo para o qual foi eleito. 

Deveria ter trabalhado mais e falado menos. Deixado de lado o proselitismo digital e ido à prática. Com um repertório limitado, um comportamento quase infantil e a agenda retrógrada a tiracolo, escolheu o caminho contrário. Montou uma verdade paralela, alimentada por factoides. Ele e sua claque de fanáticos robotizados geraram fake news em série, despautérios históricos e esquisitices na velocidade da luz, sem cessar uma única semana. Não passa dia sem que o bolsonarismo promova versões delirantes, como a de que não existiu a ditadura, de que o nazismo é de esquerda ou a de que o IBGE referência mundial em estatísticas — erra nos seus números. 

Com um detalhe: ao contestar levantamentos oficiais do IBGE, por exemplo, Bolsonaro repete, palavra a palavra, a ladainha conhecida e praticada justamente por seus antecessores petistas, a quem repudia. Escolhe a pior alternativa. Na lógica vesga: se a verdade não é boa, desconsidere a sua existência. Culpe o termômetro pela febre alta, atropele as instituições, renegue critérios científicos, faça de conta que o levantamento é frágil. Bolsonaro obedece à cartilha de mandamentos dos populistas com a disciplina de monge tibetano. Como qualquer um, tem direito às próprias opiniões, mas não aos próprios fatos. Bolsonaro queria ouvir do IBGE, precisava alardear, que o índice de emprego estava bombando, com ofertas de trabalho aparecendo aos montes por mera osmose. Seria um bom cartaz de propaganda dos 100 dias. Não conseguiu o tento e partiu à reclamação rasa. Ele tem, decerto, um relacionamento, digamos, fugaz, de quase descaso, com as evidências. 

MATÉRIA COMPLETA em IstoÉ
 

Carlos José Marques, diretor editorial da Editora Três


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