Por Leandro Resende e Sofia Cerqueira
Depois de implicar o presidente em depoimentos à polícia, logo desmentidos, Alberto Jorge Mateus não voltou ao trabalho e vive como 'um animal acuado'
Alberto Mateus ficou famoso, ainda sem nome nem endereço, na última semana de outubro, quando o Jornal Nacional divulgou os dois depoimentos dele à Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmando que no dia do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes, em 14 de março do ano passado, um dos acusados pelo crime, o ex-policial militar Élcio Queiroz, parou na cancela do condomínio em que ele trabalha, o Vivendas da Barra, e lhe disse que ia visitar a casa 58, onde vivia seu mais famoso morador: o então deputado federal Jair Bolsonaro, candidato à Presidência. A versão cairia por terra em menos de 24 horas. Ele mentira.
Na rua da Gardênia Azul onde Alberto Mateus mora com a mulher há 32 anos e onde criou o casal de filhos, ninguém dá palpite sobre o motivo que o teria levado para o olho de um furacão envolvendo o presidente da República. Moradores e comerciantes do local, uma via calma de mão dupla por onde circulam motos e carros em péssimo estado, demoraram a saber que aquele sujeito calvo, alto, magro e discreto, que não frequenta bares nem festas e nos fins de semana é visto sempre a caminho da igreja, com uma Bíblia nas mãos, era porteiro do condomínio Vivendas da Barra. Um cunhado, que não quis se identificar, conta que boa parte da família só descobriu na reta final da eleição do ano passado, quando o porteiro foi filmado por uma equipe de TV na entrada onde o público se aglomerava. “A gente brincou que ele estava famoso. O Beto é do tipo que sai cedo para trabalhar e não comenta nada”, disse.
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O dono da casa 65 é o também ex-PM Ronnie Lessa, o outro acusado de matar Marielle (Queiroz teria dirigido o carro e ele, puxado o gatilho). O encontro da dupla, quatro horas antes do crime, é peça crucial na reconstituição do caso. Ao envolver “seu Jair” no enredo, ainda mais em um dia em que o deputado estava comprovadamente em Brasília — como o próprio Jornal Nacional apontou —, o porteiro identificado por VEJA criou uma enorme confusão, por motivo até agora não esclarecido, já que não voltou a ser convocado pela polícia para dar explicações.
Aparentemente tranquilo nos dias seguintes aos seus depoimentos, prestados em 7 e 9 de outubro, durante seu período de férias, ele foi ficando nervoso à medida que a repercussão crescia. Deveria ter voltado ao posto em 1º de novembro, mas, diante da divulgação do depoimento três dias antes, o condomínio optou por prorrogar a licença e mantê-lo afastado do local até a poeira baixar. Cinco dias depois, no domingo 27, Alberto Mateus foi visto na praia, ajudando a mulher, que tem uma barraca onde vende cervejas e refrigerantes a 2 quilômetros do Vivendas. “Ele comentou o caso com a gente muito por alto. Acho que não tinha dimensão do que estava acontecendo”, disse a VEJA o dono de uma barraca próxima, que não quis se identificar. Hoje, segundo familiares, o porteiro está “feito um animal acuado”.
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"A coisa toda aconteceu há tempos, e são muitas casas e visitantes o dia inteiro.” Izaias contou que, ao saber do depoimento do colega, tentou falar com ele por aplicativo de mensagem, para obter “a informação verdadeira”, mas não recebeu resposta. “Todos aqui no condomínio ficaram surpresos por ele ter ligado o presidente a um crime gravíssimo. Pode ser que estejam usando o Alberto para denegrir a imagem de Bolsonaro”, arriscou Izaias, que ostenta orgulhoso uma foto ao lado do capitão em suas redes sociais. No condomínio francamente bolsonarista, o próprio Alberto não escondia sua simpatia pelo presidente.
A casa 65 que Lessa alugava no Vivendas da Barra está vazia e fechada. Os aparelhos de ar condicionado foram removidos. A associação com a morte da vereadora e do motorista preocupa os moradores do condomínio, que temem ver os imóveis desvalorizados. “O lugar ficou malvisto, associado à milícia”, disse um proprietário. Mesmo assim, em um ato de solidariedade para com um funcionário antigo, solícito e considerado de confiança, foi convocada uma assembleia extraordinária para discutir a proposta de que as 135 casas se cotizem para pagar um advogado para o porteiro Alberto Mateus.
Com reportagem de Jana Sampaio
Em VEJA, matéria completa
Publicado em VEJA, edição nº 2660 de 13 de novembro de 2019,
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