O Estado de S.Paulo
Militares fazem ponte, combatem criminosos, limpam praias e... vão parar no INSS
Nos estertores do regime militar, toda vez que aparecia alguma encrenca,
o presidente João Figueiredo ameaçava: “Chama o Pires!” Era uma senha
para tentar assustar a oposição. Ou ela se comportava direitinho, ou o
governo convocava o ministro do Exército para dar um jeito. No fim,
Figueiredo nunca convocou para valer os militares e, afora os percalços e
recuos, a transição foi concluída e o poder reassumido pelos civis.
Hoje, quatro décadas depois, numa situação bem diferente, a ordem do
capitão presidente Jair Bolsonaro é mais genérica e vale para tudo:
“Chama os militares!” E, assim, ele entupiu o governo de militares de
diferentes patentes, desde oito ministérios até o segundo e o terceiro
escalões de praticamente todas as áreas. Eles estão na infraestrutura, nos transportes, no meio ambiente, na
educação, no turismo, nas agências reguladoras, nas estatais. E as
sucessivas demissões de generais, por cima, não desestimularam os
colegas de várias patentes, por baixo. Calcula-se que em torno de 80%
deles sejam do Exército, mas Marinha e Aeronáutica não ficaram de fora.
Pelo menos, não reclamam.
O fato é que, com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que permitiu o uso
das Forças Armadas na guerra urbana de cada dia, os militares são pau
para toda obra. Já eram essenciais para a construção de estradas e
pontes em locais distantes, por exemplo, apagam incêndio na Amazônia,
limpam praias do maior derramamento de óleo da história, estão em todas.
E vão parar no INSS. Entre hoje e segunda-feira deve chegar ao Ministério da Defesa o decreto
do Planalto autorizando o emprego de 7 mil militares da reserva para
apagar o novo incêndio, o colapso na concessão de aposentadorias,
pensões, auxílio-maternidade, auxílio-doença.
Nas Forças Armadas, há uma certeza e muitas dúvidas.
A certeza é de que
não haverá recuos, como houve na intenção de dar subsídio para a conta
de luz de templos evangélicos, ops!, religiosos. A decisão está tomada.
Incertezas: há 7 mil militares da reserva dispostos a descascar o
abacaxi por 30% a mais no soldo?
Qualquer um pode aderir, sem nenhum
tipo de triagem?
Subtenentes e capitães, entre outros, vão assumir o
balcão de atendimento, cara a cara com idosos, doentes e acidentados
legitimamente mal-humorados?
E o treinamento? Supõe-se que os cerca de 23 mil servidores restantes no
INSS saibam o que estão fazendo, conheçam os direitos dos
beneficiários, as velhas e novas regras, estejam aptos a solucionar
dúvidas diligentemente. E os militares que não têm nada a ver com isso,
nunca trabalharam nessa área? Enfim, o que era apenas uma trapalhada, com falta de planejamento e
gestão, virou um problemaço que afeta mais de 1,3 milhão de brasileiros e
só vai piorando a cada dia. O general Santos Cruz, um dos demitidos por
Bolsonaro, opina: “Militares no INSS? Não tem cabimento”. E o governo
reage: se não forem os militares, quem vai salvar essa lavoura?
Ok, seria muito melhor deixar os militares na reserva e convocar os
recém-formados desempregados. Nunca se esqueçam, porém, da burocracia:
militares podem ser arregimentados com gratificações e abonos, mas os
desempregados só poderiam entrar por concurso ou por terceirização. E o
tempo? E o custo? Além disso, despreparados por despreparados para essa guerra, tanto faz
os militares ou os jovens que saem de universidades ou do segundo grau.
Dê no que dê, quem continua pagando o pato é quem está na longa fila,
confirmando que a Previdência no Brasil só é eficiente para arrecadar,
jamais para pagar o que deve. Militares podem até ajudar numa hora
dramática, mas nem se fizessem mágica dariam um jeito nisso.
Eliane Cantanhêde, colunista - O Estado de S. Paulo
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