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domingo, 2 de fevereiro de 2020
Coronavírus: como o mundo se prepara para combater uma nova epidemia - VEJA
Por Denise Chrispim Marin, Julia Braun
CIDADE VAZIA - Avenida de Wuhan, onde tudo começou: isolamento total //Getty Images
No Brasil, a primeira suspeita séria de contágio surgiu em Belo
Horizonte, onde a estudante de letras E.W. (a família pede que seu nome
não seja divulgado), de 22 anos, desembarcou na sexta-feira 24 com febre
e dor de garganta, vinda de Wuhan, o epicentro da epidemia — ela passou
cinco meses na cidade, estudando mandarim. Uma semana depois, estavam
sob observação, além dela, outros oito recém-chegados da China, em São
Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Ceará e Rio Grande do Sul. Apesar do alto nível de preocupação mundial com o 2019-nCoV, eis o
nome do vírus, as perspectivas de controle, combate e prevenção de
doenças hoje estão anos-luz à frente da reação diante das mais
mortíferas pestes da era contemporânea, como a gripe espanhola, que
dizimou 50 milhões em 1918, ou o ebola, responsável pela dolorosa morte
de 11 310 pessoas entre 2014 e 2016. “No começo de uma epidemia, a
mortalidade é alta. Mas assim que se adota um sistema de identificação e
de cuidados mais precisos ela cai”, explica Gerald Keusch, médico
especialista em doenças infecciosas da Universidade Boston, nos Estados
Unidos. A situação só não está melhor porque o governo da China demorou a
confirmar a ameaça e a se mexer para contê-la. Mas agora atua com a
conhecida mão de ferro para estancar seus efeitos. Em seis dias, entre
21 e 27 de janeiro, o total de contaminados contabilizado por Pequim
saltou de 300, todos em Wuhan, para 4 500 em várias partes do país. Um
dia depois, ultrapassou o número de vítimas atingidas pela síndromerespiratória aguda grave (Sars), que assolou a mesma China entre 2002 e
2003 e afetou 5 327 pessoas. Para além das fronteiras chinesas, no resto
do mundo contavam-se cerca de 120 contágios — dos Emirados Árabes
Unidos, com quatro casos identificados, aos Estados Unidos, com cinco,
mais 92 suspeitos. Um paciente no Japão, outro nos Estados Unidos e mais
quatro na Alemanha não se contaminaram na China, mas no contato com
infectados em seu próprio país, um deles sem nenhum sintoma. “A
transmissão de humano para humano fora do território chinês aumenta
dramaticamente os riscos de disseminação”, adverte Keusch.
A imagem da Cidade Proibida e da Grande Muralha vazias e fechadas ao
público reforçou o temor mundial: Pequim interditou os dois monumentos,
que, juntos, atraem mais de 15 milhões de turistas por ano. As ruas da
capital chinesa, assim como no resto do país, se esvaziaram. “O tráfego
aqui normalmente é igual ao de São Paulo na hora do rush. Hoje, está
parecendo Porto Alegre no Carnaval”, comparou o embaixador do Brasil na
China, o gaúcho Paulo Estivallet. Escaldado pelo histórico das epidemias
de Sars e das gripes aviária (H5N1) e suína (H1N1), que também surgiram
no país nos anos 2000, o governo, corretamente, isolou Wuhan e outras
quinze cidades, em um bloqueio que afeta 56 milhões de pessoas. Nelas,
escolas, fábricas, lojas, restaurantes, shoppings, cinemas e karaokês
estão fechados e os transportes públicos, desativados.
Embora necessário, o bloqueio agravou a situação dos oito hospitais
de Wuhan, que foram às redes sociais pedir materiais médicos básicos,
como luvas e máscaras. As filas e o acúmulo de doentes nos corredores,
uma situação corriqueira na China, aumentaram com o surto. Amparado na
sua estratosférica capacidade de mobilização e na farta mão de obra, o
governo de Xi Jinping ordenou a construção em tempo recorde de dois
hospitais em Wuhan, com 2 300 leitos no total. Os projetos devem estar
prontos em meados de fevereiro. Cerca de quarenta brasileiros residentes
em Wuhan e outras cidades sofrem os efeitos da quarentena decretada por
Pequim. “O drama pessoal deles é terrível”, disse a VEJA o embaixador
Estivallet. (....)Os brasileiros consideram “lastimável” a decisão do presidente Jair
Bolsonaro de não resgatá-los da China — também não foi removida uma
família sob suspeita de contaminação nas Filipinas. “Os meus colegas
estrangeiros estão sendo retirados pelo governo de seus países. Nós
estamos desamparados”, queixa-se Noronha. Funcionários do Planalto
declararam a VEJA que a remoção ainda está sendo avaliada, especialmente
depois de os Estados Unidos e o Japão terem buscado mais de 400 pessoas
em cidades chinesas.
Apesar das reclamações, a cautela da administração Bolsonaro é
justificável. A Rússia fechou sua fronteira com a China, a British
Airways suspendeu seus voos para o território chinês e a United Airlines
deve fazer o mesmo.Em Hong Kong, onde boa parte da população está em
conflito aberto com o governo de Pequim, a administradora Carrie Lam, de
máscara, anunciou a suspensão da ligação ferroviária e boa parte dos
voos para o continente. Sensíveis a situações de pânico, os mercados
financeiros baquearam diante do avanço da propagação do coronavírus. Na
segunda-feira 27, quando a Organização Mundial da Saúde elevou o grau
de preocupação com o surto, o índice VIX da Bolsa de Chicago, também
conhecido como “índice do medo”, afeito a medir os humores do mercado,
sinalizava pessimismo — subira para exagerados 18,68 pontos, 6 acima do
registrado no dia 17, quando a crise foi confirmada pelo governo chinês.
Em São Paulo, os negócios da Bovespa fecharam em queda de 3,29%,
provocada pelo impacto das ações da Petrobras, Vale e JBS — empresas que
têm na China um cliente crucial(veja a coluna de Murillo de Aragão).China e Austrália se anteciparam nos trabalhos de desenvolvimento de
uma vacina, mas ainda não há previsão de quando estará disponível em
massa. A expectativa é que as primeiras amostras fiquem prontas em três
meses (leia na pág. 56). Embora os índices de propagação e letalidade do
coronavírus ainda não estejam bem definidos, especialistas acreditam
ser possível traçar linhas de tratamento com base em doenças
conhecidas e amplamente atendidas — o que facilita seu controle. “Essa é
mais uma doença respiratória que evoluiu para casos graves, algo que já
conhecemos”, diz a infectologista Nancy Bellei, da Universidade Federal
de São Paulo.(....)Pode-se dizer que o Brasil está preparado para enfrentar a ameaça. O
país dispõe de ótimos profissionais na área e acumulou experiência com
as epidemias recentes vindas da Ásia. Diante do alerta do coronavírus, o
Ministério da Saúde montou um Centro de Operações de Emergência, que
monitora o avanço da infecção na China e busca diagnósticos definitivos
para os casos suspeitos no Brasil. Planejamentos estratégicos e ações
específicas já estão definidos e sairão do papel com a confirmação dos
primeiros pacientes. “Estamos preparados. Desde 2009, com o H1N1,
traçamos um plano competente de contingência”, avalia o infectologista
David Uip, reitor do Centro Universitário Saúde ABC. O antigo inimigo
invisível da humanidade continua a postos para dar o bote, mas as formas
de combatê-lo, felizmente, estão acompanhando a evolução dos tempos. Colaboraram João Pedroso de Campos, Mariana Rosário e André Siqueira Publicado em VEJA, edição nº 2672, de 5 de fevereiro de 2020
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