Entre a recuperação e a segunda onda - Carlos Alberto Sardenberg
Sim, há boas notícias nas maiores economias do planeta. Nos Estados
Unidos, a maior de todas, as vendas do varejo subiram quase 18% em maio,
praticamente zerando as perdas dos dois meses anteriores. Foram criados
2,5 milhões de empregos, o que está longe de cobrir as perdas
anteriores, mas é uma boa virada. Na China, as atividades estão em clara aceleração. Entre os grandes,
teve a maior queda no PIB do primeiro trimestre, mas exatamente porque
foi a primeira a cair na pandemia. Saiu antes, de modo que seu PIB do
segundo trimestre deve ser melhor do que nos outros grandes.
A União Europeia está voltando, mas ainda naquela fase em que os
números de atividade não são tão ruins quanto o esperado e os
anteriores. Mas esta fase do menos ruim é o primeiro passo para começar a
melhorar. Aliás, nestes dias, os países da comunidade estão abrindo as
fronteiras comuns, o que vai estimular o turismo local, importante setor
para França, Espanha, Itália e Grécia. O Japão …. bem, o Japão é o de sempre. Uma dificuldade histórica para acelerar o crescimento, mas está voltando ao normal. Boa parte desse movimento resulta do inédito esforço feito pelos
bancos centrais e pelos governos. O Federal Reserve, Fed, está comprando
bilhões de dólares em títulos vinculados a fundos, de bancos e agora
passa a comprar papéis de dívida diretamente de empresas privadas. Uma
tremenda injeção de crédito e caixa.
O BC do Japão anunciou a concessão de crédito de até US$ 1 trilhão. O
Banco Central da Europa, sob o comando da Christine Lagarde, abriu os
cofres. E a Alemanha concordou em colocar dinheiro público para apoiar
suas empresas, seus cidadãos e, mais importante, os países mais pobres
da comunidade. A China, como sempre, também oferece poderosos estímulos. Na verdade, a intensidade dessas medidas de proteção e o volume de
dinheiro empregado são muito maiores do que foi feito na recessão de
2009. O pessoal pensa: se deu certo naquela ocasião (o PIB dos EUA, por
exemplo, subiu 2,6% em 2010, zerando a queda do ano anterior) por que
não daria agora?
Esse panorama é o que estimula os mercados financeiros e faz com que
as empresas da economia real considerem voltar aos negócios. O que atrapalha? Qual a grande diferença em relação a 2009/10? O medo
da segunda onda do novo coronavírus. Assusta o que acontece em Pequim,
que estava praticamente normalizada. Agora, bairros fechados, viagens
limitadas, escolas fechadas pelo aparecimento de novos casos locais.
Houve aumento das porcentagens de contágio na Flórida e no Texas, dois
importantes estados que se adiantavam na abertura. A Europa está entrando agora numa abertura mais ousada. E aí? Outra onda? Esse é o fator que limita a retomada: saber que o vírus continua entre nós.
Por isso têm tanto impacto econômico as estimulantes notícias sobre
avanços em pesquisas de vacinas e de tratamentos. A conclusão de que o
corticoide dexametasona, existente no mercado e barato, reduz a
letalidade foi recebida com mais atenção no mercado financeiro. Conclusão, essa balança – esse vai, não vai – só acaba mesmo quando tivermos a vacina e um tratamento eficaz para todos. Mas que o mundo está saindo do buraco, isso está. Não quer dizer que todos os países sairão da mesma maneira. A
recuperação depende diretamente do modo como se administrou a crise de
saúde. Alguns governos foram mais rápidos e mais eficientes, outros se
atrasaram, como na Itália, Espanha e França – embora tenham corrigido a
rota com o lockdown completo.
O Brasil?
Com a diversidade de sempre. Sem qualquer crise, o sistema de saúde
dos estados do Norte e Nordeste é pior do que no Sul/Sudeste. Também tem
sido irregular a atuação de governadores e prefeitos. Mas o que nos faz
falta mesmo é uma política nacional. Dia desses, o pessoal do Planalto
informou que o presidente Bolsonaro não vai nomear um novo ministro da
Saúde enquanto não passar a pandemia. Seria para não jogar o sujeito na
fogueira. O que nos leva à ridícula conclusão: não pode ter ministro da Saúde porque tem uma crise na saúde. [no Brasil em que o combate à pandemia foi judicializado tem sentido: o Ministério da Saúde age de forma nacional, atuação em todo o Brasil e o Supremo decidiu que as ações em estados e municípios ficariam a cargo dos governadores e prefeitos.
O que o MS iria fazer? para qualquer ação teria que pedir autorização prévia àquelas autoridades.]
Aí fica difícil.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista
Coluna publicada em O Globo - Economia 18 de junho de 2020
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