Os atos do chefe do Executivo fazem parte da chamada "pauta de costumes"
As novas regras autorizam que atiradores adquiram até 60 armas, e caçadores, 30, só sendo exigida permissão do Exército quando a quantidade desejada superar esses limites. Outra mudança trata do limite anual de insumo para recarga de cartuchos que um desportista pode utilizar — 2 mil nos casos de armas de uso restrito e 5 mil para as de uso permitido, quando o armamento for registrado no nome do atirador. “A justificativa para este aumento é que os calibres restritos ainda são muito utilizados pelos atiradores e caçadores nas competições com armas longas raiadas, assim como nas atividades de caça. Um competidor facilmente realiza 500 tiros por mês, somente em treinamentos, de modo que as 1.000 unidades de munição e insumos para recarga, atualmente previstos, não são suficientes nem para participar do Campeonato Brasileiro, que são 10 etapas ao longo do ano”, argumenta o governo, por meio de nota.
A medida também tira de alguns armamentos a classificação de Produtos Controlados pelo Exército (PCEs), dispensando a exigência de registro na Força para comerciantes de armas de pressão (como as de chumbinho); a regulamentação da atividade dos praticantes de tiro recreativo; e a necessidade de solicitação de autorização para importação de armas de fogo e munição pela Receita Federal e pelos CACs — sigla usada para denominar caçadores, atiradores e colecionadores registrados.
O comunicado do governo informa que “o pacote de alterações dos decretos de armas compreende um conjunto de medidas que, em última análise, visam materializar o direito que as pessoas autorizadas por lei têm à aquisição e ao porte de armas de fogo e ao exercício da atividade de colecionador, atirador e caçador, nos espaços e limites permitidos por lei”. Também afirma que “a medida desburocratiza procedimentos, aumenta clareza sobre regulamentação, reduz discricionariedade de autoridades e dá garantia de contraditório e ampla defesa”.
As mudanças, no entanto, encontrarão resistências no Congresso. A deputada Talíria Petrone (PSol-RJ) anunciou que apresentará um projeto para sustá-las. “Bolsonaro editou mais quatro decretos facilitando acesso a armas e munições. Ao menos 500 mil pessoas foram mortas por armas de fogo na última década. Isso significa 70% dos homicídios. O PSol vai apresentar projeto para sustar os decretos”, disse a parlamentar, pelas redes sociais. Do mesmo partido da parlamentar, o deputado Marcelo Freixo (RJ) afirmou que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). “O presidente não pode legislar sobre armas via decreto”, afirmou.
Já a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) destacou que “as milícias comemoram” os decretos do presidente. “As milícias comemoram! Bolsonaro assina + decretos p/ facilitar o acesso a armas e munições: retira o poder de fiscalização do Exército; 1 atirador pode adquirir até 60 armas”, escreveu a parlamentar.
PromessaA flexibilização do Estatuto do Armamento [Estatuto do Desarmamento] foi uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro em 2018. Em 11 de janeiro deste ano, ele anunciou que ia publicar novos decretos para facilitar o acesso a armas de fogo para os CACs. Foi durante uma conversa com apoiadores, em frente ao Palácio da Alvorada, quando o presidente disse que houve um aumento recorde na venda de armamentos no país, mas frisou que o crescimento precisaria ser mais robusto.“Nós batemos recorde no ano passado em relação a 2019. Mais de 90% na venda de armas. Está pouco ainda, tem de aumentar mais. O cidadão de bem, há muito tempo, foi desarmado”, declarou o chefe do governo. De acordo com a Polícia Federal, 179.771 novas armas foram registradas no Brasil no ano passado, o que equivale a um aumento de 91% na comparação com 2019.
Bolsonaro voltou a manifestar a intenção de publicar esses decretos após a vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL), seu aliado, na eleição para a presidência da Câmara. Quando Rodrigo Maia (DEM-RJ) comandava a Casa, as “pautas de costumes” pouco avançaram, já que a prioridade era para temas econômicos. Na manhã de ontem, o chefe do Planalto usou as redes sociais para falar sobre os decretos que publicou, voltando a defender o direito das pessoas de terem armamento. “Em 2005, via referendo, o povo decidiu pelo direito às armas e pela legítima defesa”, justificou.
Entidades repudiam decretosO Instituto Sou da Paz divulgou nota criticando as medidas que ampliam o acesso a armas de fogo e munições, definidas pelo presidente Jair Bolsonaro. “Com esses decretos, já são mais de 30 atos normativos, publicados nos dois últimos anos, que levaram ao aumento recorde de armas em circulação no ano passado — contrariando todos os cientistas que dizem que mais armas em circulação no Brasil nos levarão a uma tragédia em perda de vidas e deterioração democrática”, diz um trecho.
Por sua vez, o Instituto Igarapé destacou, também por nota, que “novos decretos de armas colocam população em grave risco, podem favorecer criminosos e ameaçar a democracia do Brasil”.
(.....)A organização frisou, ainda, “que não há qualquer justificativa ou conhecimento técnico que embase as perigosas mudanças” e anunciou que vai questionar os atos presidenciais no Supremo Tribunal Federal.
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