O fracasso da elite liberal em defender J. K. Rowling é lamentável
No entanto, vamos saltar para 2021. Uma figura literária está sendo agredida, insultada e ameaçada todos os dias, e de boa parte do establishment político, midiático e literário só há silêncio. J. K. Rowling não chega a ser um Philip Roth, mas, mesmo assim, é uma escritora de grande importância. Ela é talvez a figura do universo cultural mais importante do Reino Unido nos últimos 20 anos. E está sendo incessantemente submetida a uma violência misógina horrível, a ataques odiosos que não seriam reproduzidos nem mesmo em uma publicação que acredita numa discussão livre e honesta como esta revista. “Se mate.” “Vou matar você, sua vadia.” “Morra, vadia.” “Essa mulher é imunda.” “Cale a boca.” “Vou encher você de porrada.” [aqui no Brasil um jornalista já desejou que o presidente Bolsonaro morresse, um outro sugeriu que o presidente se suicidasse. Nada foi feito. Sendo que a sugestão de suicídio é uma forma de indução ao suicídio - que no Brasil é crime.] Essas são as mensagens que Rowling tem recebido. Existem muitas, muitas outras, algumas bem piores.
O crime verbal de Rowling, claro, é acreditar que o sexo biológico é real
Como é possível que a autora mais vendida no Reino Unido, uma mulher considerada responsável por encorajar uma geração inteira de crianças a ler mais livros, seja submetida a uma violência tão baixa e a ameaças de assassinato e, mesmo assim, o primeiro-ministro não dizer nada? E a cena literária seguir comentando como o Hay Festival do mês passado foi divertido, fingindo não notar os milhares de pessoas xingando um de seus membros de bruxa velha e nojenta, que deveria ser forçada a fazer sexo oral em estranhos ou, ainda melhor, assassinada com uma bomba caseira? É porque a nossa é uma era de covardia moral. De corações frágeis e fracotes. Uma era em que muitos fizeram o cálculo mais covarde — “se eu não falar nada, talvez não sobre para mim”.
Claro, existem honrosas exceções. Alguns colunistas defenderam Rowling. Algumas feministas fizeram pôsteres que diziam “I Love J. K. Rowling” (um, na estação de trem de Waverley, em Edimburgo, foi retirado por ser “ofensivo”. A multidão misógina venceu mais uma vez.) Mas muitos dos chamados progressistas e liberais não disseram absolutamente nada. Ou, pior, ajudaram a aumentar a animosidade deturpada contra Rowling. A incessante estigmatização por parte de esquerdistas radicais de que qualquer mulher que questione a ideologia da transgeneridade é preconceituosa ou uma radfem — uma palavra do século 21 para “bruxa” — é a base sobre a qual boa parte desse ódio indizível por mulheres céticas como J. K. Rowling é construído.
Quando cede a uma multidão, você a torna mais poderosa, mais insaciável
De muitas formas, o silêncio da elite liberal sobre as agressões contra a autora é pior do que as agressões em si. As mensagens ameaçadoras e cheias de ódio vêm de pessoas que claramente perderam o contato com a moral, que foram tão corrompidas pelo narcisismo da política identitária e pelas desilusões do lobby transgênero que passaram a ver aqueles que questionam sua visão de mundo essencialmente como um lixo sub-humano e devem, por isso, ser humilhados ritualisticamente e excomungados da sociedade normal. Mas pessoas que ficam quietas nos mundos político e literário estão cometendo um erro moral muito maior. Porque elas sabem que o que está acontecendo é errado, e terrível, mas preferem não se manifestar porque querem evitar atrair a atenção da multidão. Assim como os algozes identitários de Rowling, elas colocam os próprios sentimentos — nesse caso, seu desejo mesquinho de uma vida sem complicações — acima de fazer o que é certo.
Elas acreditam que vão salvar a própria pele. Como estão erradas. Deveria estar claro para todo mundo a esta altura que fazer vista grossa para a maneira como as multidões descoladas se voltam contra quem pensa ou fala o que não deve não diminui a necessidade febril dessas pessoas de perseguir quem as ofende. Ao contrário, isso as incentiva. Vamos considerar a experiência da atriz Sarah Paulson. Ela vergonhosamente ficou ao lado da multidão anti-Rowling, retuitando um homem que mandou a autora “calar a boca” e a chamou de “escória completa”. Só que, longe de se proteger da fúria da multidão trans, Paulson atraiu sua atenção. Usuários do Twitter se voltaram contra ela recentemente por não incluir seus pronomes na biografia da rede social. Sério. A manchete “Sarah Paulson dá início a uma guerra no Twitter por causa da ausência de seus pronomes na bio” de fato foi publicada. “Então seus pronomes são burra/vagabunda”, “ela é uma filha da puta”, “que pessoa de merda” são algumas das mensagens que a atriz recebeu.
Sua aliança pouco solidária com a multidão sexista que persegue J. K. Rowling não a protegeu porque, quando você cede a uma multidão, você a torna mais poderosa, mais insaciável. Da mesma forma, o silêncio não vai proteger você. As forças da falta de razão, do não liberalismo e da denúncia estão no centro do ativismo woke, e o transativismo em especial não pode ser enfrentado se as pessoas ficarem quietas. Ele não vai desaparecer. Essas pessoas precisam ser confrontadas, energicamente, com argumentos claros em favor da liberdade de expressão, da discussão racional sobre os direitos das mulheres.
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