J. R. Guzzo
STF
Além da produção nacional, há também abundância de material estrangeiro; é obra dessas ONGs que, supostamente, monitoram a situação da democracia pelo mundo afora. O Brasil tem sido um freguês e tanto. As organizações de vigilância raramente se interessam pelo atual estado das liberdades democráticas na Venezuela, Cuba ou China, mas se escandalizam o tempo todo com o Brasil; num planeta com 200 países, vivem socando a gente entre o 190º e o 200º lugar na lista dos piores, ou coisa parecida. É uma piada, mas os nossos atuais defensores da democracia levam isso tudo terrivelmente a sério.
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
A única coisa que não se diz,
naturalmente, é quem de fato ameaça a democracia no Brasil de hoje. Não é
o Poder Executivo nem o governo federal: é o Supremo Tribunal Federal,
que há bom tempo deu um golpe branco com o apoio maciço das elites, da
maior parte da classe política e do mundo habitado pelos intelectuais e
seus assemelhados. Cada vez mais, é o STF quem governa de fato o país:
decide [quase sempre em decisões monocráticas] o que é a lei, sem levar em conta o que o Congresso possa ou não
dizer, aproveita-se da subserviência, da cumplicidade e do medo que hoje
reinam no Poder Legislativo, e dá a si mesmo o comando de uma ditadura
de fato.
Linguagem neutra, usada em anúncio do Museu da Língua Portuguesa, é uma aberração
O STF prendeu um deputado federal no exercício do mandato, anulando a sua imunidade parlamentar, e um jornalista, ambos por delitos de opinião; isso faz do Brasil o único país da América Latina a ter presos políticos, ao lado da Venezuela e de Cuba. Um dos seus ministros conduz um inquérito inteiramente ilegal para apurar “atos antidemocráticos” — sem a participação do Ministério Público, operado por policiais pessoalmente comandados a ele, sem controle de ninguém, sem prazo para acabar, sem o pleno direito de defesa para os indiciados.
Agora, usando o TSE, o Poder Supremo acaba de abrir um inquérito administrativo contra o presidente da República — e, ainda por cima, quer inclui-lo entre os investigados no processo ilegal sobre os “inimigos da democracia”, aquele que se coloca acima de todas as leis do Brasil. É mais um ato de guerra contra o Executivo, com a certeza de que todo mundo vai continuar de cabeça baixa.
O presidente do Senado não quer abrir a CPI da Covid, valendo-se do direito que lhe é conferido pela lei? O STF manda abrir, o Senado cala a boca e o governo passa a ser hostilizado todos os dias, durante seis meses, por uma operação política de extermínio — e que dá a si própria a licença de cometer qualquer tipo de delito na busca de seus objetivos.
A democracia, de fato, vai muito mal no Brasil de hoje — está no seu ponto mais baixo desde a revogação do Ato Institucional nº 5. O viés é de piora.
J. R. Guzzo, colunista - Gazeta do Povo - VOZES
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