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quarta-feira, 12 de julho de 2023
Encontro marcado com a reforma e com o diabo - Sérgio Moro
Gazeta do Povo - VOZES
Reforma tributária
Reforma tributária, aprovada pela Câmara, também recebeu ressalvas do mercado. - Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Nos últimos anos, foi recorrente o debate sobre a reforma tributária e a sua premente necessidade.
Os empresários
reclamavam da confusão reinante nos tributos sobre o consumo, ICMS,
ISS, Cofins, PIS, IPI, Cide, cobrados em uma federação com 26 estados,
mais um Distrito Federal, e mais de 5 mil municípios. Empresários e
trabalhadores pleiteavam redução da carga tributária sobre a folha de
salários, um dos fatores que estimulam a informalidade no mercado de trabalho. Distorções no Imposto de Renda também eram objeto de reclamação, já que brechas na lei permitem que quem tem muito pague pouco e quem tem pouco pague muito.
Nesta última
semana, a Câmara dos Deputados enfrentou a primeira reivindicação e aprovou, em
deliberação relâmpago, considerando a complexidade da matéria, a reforma dos
tributos sobre o consumo, substituindo os referidos cinco por três: o IBS, a
CBS e um imposto seletivo.
Cabem loas à aprovação,
pois os objetivos perseguidos, da simplificação e uniformidade, são
louváveis.
O problema são os detalhes – e o diabo, como se diz, mora nos
detalhes.Há, por exemplo, disposições estranhas aos tributos sobre
consumo e que são controvertidas, como a previsão de que as alíquotas
dos impostos
sobre heranças e doações poderão ser progressivas, o que pode levar ao
confisco de parte substancial, a pretexto de distribuição de renda, do
legado dos brasileiros aos seus filhos.
Chama também a atenção a
previsão de que o Executivo municipal poderá alterar a base de cálculo
do IPTU mediante decreto, o que pode também afetar, sem prévia deliberação legislativa, os bolsos dos munícipes de forma significativa.
Os
deputados enfrentaram um sério dilema: votar a favor com base nos
princípios positivos da reforma ou votar contra pela falta de maior
transparência
Mas mesmo quanto aos
tributos sobre o consumo as dúvidas são enormes, a começar pelo fato de que não
se sabe como as coisas vão funcionar de fato. Qual será a alíquota referência
do IBS e da CBS?
Não se sabe ao certo. É claro que não é muito próprio definir
alíquotas no texto constitucional, mas seria oportuno ter alguma prévia ideia
do que ela poderá ser. Tenho ouvido a contínua referência ao porcentual de 25%,
o que representaria para diversos setores, especialmente para o de serviços, um
significativo aumento da carga tributária.
Argumenta-se que a unificação do
ICMS, ISS e IPI permitirá que o prestador de serviços possa aproveitar
plenamente os créditos dos tributos pagos em operações de seu estabelecimento
em relação aos produtos e serviços que consome, com o que a carga real seria
diminuída, mas ainda assim permanece a suspeita de que no fim a carga ainda
será bem maior do que a atual para esse setor.
A
divulgação dos textos da reforma somente na mesma semana da votação e as
alterações substanciais feitas na última hora não ajudaram a resolver
as dúvidas.
Deputados enfrentaram um sério dilema: votar a favor com
base nos princípios positivos da reforma ou votar contra pela falta de
maior transparência.
A sociedade, igualmente, não teve condições de
examinar com profundidade o texto ao final votado.
Lembro que, com
reformas anteriores, não foi bem assim.
A proposta da reforma da Previdência
foi apresentada pelo Poder Executivo por projeto no início de 2019 e só
foi aprovada meses depois, e após longa deliberação e debate.
Minha
esposa, a deputada federal Rosângela Moro, enfrentou esse dilema.
Votou a
favor de requerimento para adiar a discussão e a votação para agosto,
mas ele foi derrotado.
Depois disso, preferiu aprovar a reforma pelos
seus aspectos positivos, e na expectativa de que o Senado possa corrigir os seus piores defeitos.
No fim, a reforma
foi aprovada. Louvável, mas faria melhor a Câmara se tivesse aguardado para
votar em agosto, quando o texto apresentado já teria sido melhor examinado por
todos, parlamentares e sociedade.
O preço para a aprovação
foi a concessão de tratamento tributário mais benéfico para diversos setores
que resistiam à reforma, com a previsão de redução de 60% da alíquota de
referência para eles. Em princípio, reduzir a alíquota é pertinente, mas
benefícios setoriais podem se mostrar injustos em relação a quem fica de fora
da benesse. A desoneração completa dos impostos sobre os produtos da cesta
básica também foi fundamental, pois havia ceticismo enorme quanto ao
funcionamento, na prática, do pretendido cashback para devolver o
dinheiro pago como impostos pelas classes menos favorecidas.
A resistência dos governadores
dos estados do Sul e do Sudeste foi, por sua vez, contornada por
mudanças da forma de deliberação do agora criado Conselho Federativo.
Este superórgão, que ninguém sabe direito como irá funcionar, terá
competência para regular as leis, arrecadar os tributos e distribuir os
recursos. Temiam alguns dos estados que, nas deliberações, não seria
considerado o peso de suas respectivas populações.
A solução foi
estabelecer a necessidade de que as deliberações do Conselho sejam
aprovadas pelos votos de estados que representem 60% da população.
Engenhoso, mas vamos ver se, no Senado, não haverá resistência à regra
pelos estados menos populosos.
É
responsabilidade do Senado discutir profundamente o texto aprovado na
Câmara e, no espaço político possível, melhorá-lo. Se o diabo mora nos
detalhes, temos um encontro marcado
Neste
fim de semana, tenho recebido diversas mensagens e contatos preocupados
de eleitores. Em viagens ao interior do Paraná, falei com empresários,
trabalhadores e profissionais liberais. O discurso é comum: todos são
favoráveis à ideia da reforma, mas têm receio do possível aumento da
carga tributária. Queriam, aliás, reduzir os impostos e não aumentá-los.
Eu também, mas o fato é que o governo federal, que tem maioria hoje no
Congresso, é gastador, não vai reduzir suas despesas e, portanto, não
irá aceitar a diminuição de impostos.
A
reforma ideal tem de buscar não só a simplificação – e há algumas
dúvidas sobre se este resultado seria atingido pelo texto aprovado –,
mas também a redução da carga tributária. Há muito aspira-se a uma
reforma tributária e, embora haja pressa, a oportunidade não deve ser
desperdiçada.
É responsabilidade do Senado discutir profundamente o
texto aprovado na Câmara e, no espaço político possível, melhorá-lo.
É o
que pretendo fazer. Se o diabo mora nos detalhes, temos um encontro
marcado. [OPINIÃO de um leigo: temos a impressão, expectativa, de que a tal reforma encalhou - no popular: 'subiu no telhado'. O petista que preside o Brasil exigiu que o omisso Pacheco, presidente do Senado, providenciasse a aprovação do texto ainda este mês; mas com a pressão sobre ele, só restou ao omisso assumir que pretende aprovar ainda este ano.]
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