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terça-feira, 13 de junho de 2017

O ódio a bordo

Sofri um ataque de violência verbal por parte de delegados do PT dentro de um voo. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de ordem contra mim e contra a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e mulheres representantes partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições que não defendo.

Sábado, 3 de junho, o voo 6237 da Avianca, das19h05, de Brasília para o Santos Dumont, estava no horário. O Congresso do PT em Brasília havia acabado naquela tarde e por isso eles estavam ainda vestidos com camisetas do encontro. Eu tinha ido a Brasília gravar o programa da Globonews. Antes de chegar ao portão, fui comprar água e ouvi gritos do outro lado. Olhei instintivamente e vi que um grupo me dirigia ofensas. O barulho parou em seguida, e achei que embarcariam em outro voo.

Fui uma das primeiras a entrar no avião e me sentei na 15C. Logo depois eles entraram e começaram as hostilidades antes mesmo de sentarem. Por coincidência, estavam todos, talvez uns 20, em cadeiras próximas de mim. Alguns à minha frente, outros do lado, outros atrás. Alguns mais silenciosos me dirigiram olhares de ódio ou risos debochados, outros lançavam ofensas.  — Terrorista, terrorista — gritaram alguns.

Pensei na ironia. Foi “terrorista” a palavra com que fui recebida em um quartel do Exército, aos 19 anos, durante minha prisão na ditadura. Tantas décadas depois, em plena democracia, a mesma palavra era lançada contra mim.  Uma comissária, a única mulher na tripulação, veio, abaixou-se e falou:  — O comandante te convida a sentar na frente.
— Diga ao comandante que eu comprei a 15C e é aqui que eu vou ficar — respondi.

O avião já estava atrasado àquela altura. Os gritos, slogans, cantorias continuavam, diante de uma tripulação inerte, que nada fazia para restabelecer a ordem a bordo em respeito aos passageiros. Os petistas pareciam estar numa manifestação. Minutos depois, a aeromoça voltou:  — A Polícia Federal está mandando você ir para frente. Disse que se a senhora não for o avião não sai.
— Diga à Polícia Federal que enfrentei a ditadura. Não tenho medo. De nada.

Não vi ninguém da Polícia Federal. Se esteve lá, ficou na porta do avião e não andou pelo corredor, não chegou até a minha cadeira.  Durante todo o voo, os delegados do PT me ofenderam, mostrando uma visão totalmente distorcida do meu trabalho. Certamente não o acompanham. Não sou inimiga do partido, não torci pela crise, alertei que ela ocorreria pelos erros que estavam sendo cometidos. Quando os governos do PT acertaram, fiz avaliações positivas e há vários registros disso.

Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de maior tensão, alguns levantavam o celular esperando a reação que eu não tive. Houve um gesto de tão baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que eu perderia o autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação. Permaneci em silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha cadeira, entre outras grosserias. Ameaçaram atacar fisicamente a emissora, mostrando desconhecimento histórico mínimo: “quando eles mataram Getúlio o povo foi lá e quebrou a Globo”, berrou um deles. Ela foi fundada onze anos depois do suicídio de Vargas.

O piloto nada disse ou fez para restabelecer a paz a bordo. Nem mesmo um pedido de silêncio pelo serviço de som. Ele é a autoridade dentro do avião, mas não a exerceu. A viagem transcorreu em clima de comício, e, em meio a refrões, pousamos no Santos Dumont. A Avianca não me deu nem aos demais passageiros — qualquer explicação sobre sua inusitada leniência e flagrante desrespeito às regras de segurança em voo. 

Alguns dos delegados do PT estavam bem exaltados. Quando me levantei, um deles, no corredor, me apontou o dedo xingando em altos brados. Passei entre eles no saguão do aeroporto debaixo do coro ofensivo.  Não acho que o PT é isso, mas repito que os protagonistas desse ataque de ódio eram profissionais do partido. Lula citou, mais de uma vez, meu nome em comícios ou reuniões partidárias. Como fez nesse último fim de semana. É um erro. Não devo ser alvo do partido, nem do seu líder. Sou apenas uma jornalista e continuarei fazendo meu trabalho.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo


segunda-feira, 8 de maio de 2017

A dúvida da sentença

O motorista de táxi veio reclamando da corrupção no Brasil. Normal. Tem sido assim ultimamente. Argumentei que agora se luta contra. Mas ele estava descrente: “E essa segunda turma do Supremo? Ainda bem que agora vai para o colegiado”. A Justiça não pode decidir por pressão popular, mas a última semana foi cheia de decisões contraditórias que confirmam a sensação de idiossincrasia.

A iniciativa do ministro Edson Fachin de levar ao pleno do STF o recurso do ex-ministro Antonio Palocci foi de fato um alívio para quem temeu o desmonte da Operação Lava-Jato como a conhecemos. O Brasil está diante da mais impressionante operação de combate à corrupção já vista. Os suspeitos e condenados têm nos surpreendido a cada dia com novas revelações. Muito foi informado, mas muito permanece sob o manto dos segredos sombrios. Na quinta-feira ficamos sabendo que a ex-presidente Dilma pode ter usado nome fictício em conta secreta de email com seus marqueteiros, dois alvos da Justiça. Isso teria sido revelado por Mônica Moura.

No mesmo dia, Agenor Medeiros, ex-diretor da área internacional da OAS, disse que a empresa também tinha um setor exclusivo para pagamento de propinas, como a Odebrecht. Duas revelações impressionantes em apenas um dia, mostrando que a investigação está em curso e muitos dos suspeitos podem sim agir para esconder fatos ou sumir com provas.  A declaração do ex-ministro Palocci foi emblemática. Ele avisou ao juiz que tinha algo a dizer que poderia dar à Lava-Jato “mais um ano de trabalho”. Assim que José Dirceu foi solto, Palocci dispensou o advogado especializado em delação. Dirceu não foi condenado em segunda instância, porém a investigação está em curso, ele já foi condenado em primeira instância e é um caso de reincidência, porque foi considerado culpado também no Mensalão.

Quando o ministro Ricardo Lewandowski foi para a segunda turma, substituindo a ministra Carmen Lúcia, o temor, no próprio STF, era de que se formasse essa maioria que houve nas últimas decisões, inclusive a de José Dirceu. Tudo fica pior pela incapacidade que o ministro Dias Toffoli demonstra, desde os primeiros julgamentos, de ver o seu flagrante impedimento em alguns dos casos que julga. Ele foi advogado do PT por três campanhas, e trabalhou diretamente como subchefe da Casa Civil quando José Dirceu era ministro-chefe. Mesmo assim ele votou pela absolvição de Dirceu no Mensalão e agora pela sua soltura.

O Brasil vive um momento de profundo descrédito da política e das instituições da República. O país acompanha cada decisão do Supremo em detalhes, e é comum encontrar pessoas que sabem os nomes e os votos de todos os ministros, como o motorista do táxi comum no qual entrei dias atrás. O Supremo tem mais esse peso. Ele está decidindo e julgando diante da Ágora reunida, que nesses tempos digitais é bem mais populosa.

A questão colocada pelo juiz Sérgio Moro ajuda a reflexão. A corrupção é sistêmica e “excepcional não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública, revelada pelos processos” da Operação Lava-Jato, “com prejuízos já assumidos de cerca de R$ 6 bilhões”. E, como disse Moro, o que está em jogo é a “qualidade da nossa democracia”. A própria dúvida que levou às ruas a fase batizada de “Asfixia” mostra a insistência dos que praticam delito. A Lei da Repatriação pode ter sido usada para lavar dinheiro. Eu escrevi aqui na época do debate da lei de que esse risco havia. Algumas cautelas foram tomadas pelo governo, mesmo assim há agora suspeitas. A repatriação permitiu um grande ingresso de recursos nos cofres públicos no pagamento de impostos e multas, mas é inaceitável que seja canal de trânsito de dinheiro ilegal. Nesse momento está sendo discutida uma nova versão que pode incluir mecanismos que facilitem ainda mais seu uso indevido.

O momento é difícil para o STF. Os juízes têm que agir de forma independente, mesmo em relação às expectativas da opinião pública. Por outro lado, certas decisões são contraditórias com sentenças dos mesmos juízes em relação a outros réus. Não pode ficar a impressão de que há um Direito sob medida para cada réu. Isso é o oposto do “erga omnes", que estamos perseguindo no momento.


Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Marcelo Loureiro

terça-feira, 4 de abril de 2017

Dilma ofende instituições ao falar que Odebrecht sofreu tortura e coação

A ex-presidente mais uma vez ofendeu as instituições do país. 


Na “Folha de S. Paulo”, Dilma Rousseff trata a colaboração de Marcelo Odebrecht como “delaçãozinha de uma pessoa que foi submetida a uma variante de tortura, minha filha. Ou melhor, de coação”. Na tentativa de diminuir as revelações sobre sua campanha de 2014, ela acaba por atacar a Procuradoria-Geral da República e o Tribunal Superior Eleitoral, como que acusando o ministro Herman Benjamin de torturar e coagir a testemunha a falar falsidades. De tudo o que disse Dilma, o que faz sentido é que a chapa é uma só, o que torna impossível separar os candidatos a presidente e a vice.

Na entrevista, bem conduzida por Mônica Bergamo, Dilma faz uma reconstrução dos fatos que não fica de pé. Ela conta que Marcelo Odebrecht não gostava dela desde a licitação da usina de Santo Antonio, em 2007. É preciso lembrar a história da obra. A ideia partiu da empreiteira, que fez os estudos e levou o projeto ao governo. Dilma era ministra. 

Técnicos apontavam problemas na obra, como a grande quantidade de resíduos na água que poderia reduzir a vida útil dos equipamentos. O governo desconsiderou esse e outros alertas, lutou pela obra. Na entrevista, Dilma disse que por atuação dela o preço ficou abaixo do que a Odebrecht queria, por isso Marcelo não a teria “perdoado”. Essa tese não se sustenta. A empresa ganhou a licitação e ainda financiou, oficialmente e de maneira clandestina, a campanha de Dilma em 2010 e em 2014.    

A argumentação da ex-presidente sobre a chapa faz sentido. É muito difícil separar Dilma Rousseff e Michel Temer no julgamento que começa nesta terça-feira no TSE. Tanto é que as duas defesas usam os mesmos argumentos no processo. Elas seguem linha idêntica ao tentar desqualificar os depoimentos de executivos da Odebrecht. Dilma e Temer têm o mesmo interesse na ação. A intenção dos dois é prolongar o julgamento. Assim, Dilma preserva sua elegibilidade e Temer poderia permanecer no cargo até 2018.


Fonte: Coluna da Míriam Leitão - O Globo 

sábado, 18 de fevereiro de 2017

Governo STF?

Incompetência ou descaso com a coisa pública? 

Um dos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal é não criar despesa sem dizer de onde virá a receita. O STF está livre desse limite e por isso criou, esta semana, uma despesa, que nem sabe o tamanho, quando mandou indenizar presos em condições degradantes. Confirmou um defeito do Brasil: em vez de determinar o fim da causa, quer dar um cala-boca na consequência.

É preciso não haver presos nestas condições desumanas. Isso é uma urgência do Brasil. Uma de várias. O GLOBO de ontem trouxe abaixo dessa manchete a informação de que o país tem 2,6 milhões de crianças e adolescentes fora da escola. O número de jovens fora do sistema educacional aumentou no ano passado pela primeira vez. Outra urgência do Brasil, a maior de todas.

Ninguém pode ficar tranquilo sabendo das terríveis histórias que se passam nas prisões, mas a questão é: a indenização de R$ 2.000 por preso resolve o problema ou apenas reduz o sentimento de culpa que sentimos todos? Bem fez o ministro Barroso ao dizer que: “os estados não têm esse recurso. E, se tivessem, seria para investir na melhoria do sistema.”

A decisão do Supremo lembra o caminho escolhido pelo Brasil de indenizar presos políticos — com valores bem mais vultosos — por prisões ilegais e torturas. Desta forma, o país jogou para debaixo do tapete a tortura em si e nunca puniu os responsáveis. As Forças Armadas sequer foram constrangidas a colaborar com as informações sobre quem matou e torturou em suas dependências.

Como disse o ministro Barroso, o valor é nova afronta aos presos. É o que vale a dignidade deles? O ministro Celso de Mello disse que o Estado tem agido com absoluta indiferença. “Esse comportamento por parte do Estado é desprezível, é inaceitável”. Quem tiraria razão ao decano? O país precisa ter prisões que deem aos presos condições mais humanas. O STF tem insistido sobre esse ponto que é fundamental. Melhorar as prisões atacaria pela raiz uma das razões que levaram ao espetáculo dantesco deste começo de ano com as decapitações em massa. Mas indenizar, e com valor irrisório, o preso que conseguir ir à Justiça não resolve nem de longe o problema.

O Brasil está, cada dia mais, diante do governo STF. Há funções que são do Executivo que, em decisões recentes, o Supremo tem perigosamente invadido. Ao decidir que os estados, que recorreram, poderiam pagar juros simples na sua dívida, em vez de compostos, deu um passo no vazio. Se isso se confirmasse haveria uma desordem sem tamanho em todo o sistema de dívidas do país. Aquela confusão foi evitada por pouco quando o STF concedeu um prazo para que estados e União entrassem em acordo. Não foi perfeita a solução negociada, mas pelo menos se evitou uma ordem suprema que teria consequências imprevisíveis na economia.

Cada questão isoladamente traz sua razão interna. Todas juntas podem não caber no Orçamento. Governar é fazer escolhas. Em um país em crise fiscal é estar diante de escolhas dolorosas. É justo que o preso fique nestas condições na prisão? Não. Mas a melhor saída é dar uma indenização? Ou propor que os estados se apressem em ter prisões que mantenham a dignidade do preso? Existem exemplos no país que podem ser copiados e existe a necessidade urgente de se superar a indiferença em relação às prisões superlotadas e degradantes em que os infratores e criminosos são tratados como nem animais deveriam ser.

Os ministros julgam cada causa separadamente, mas se não tiverem em mente o contexto geral, podem estar expedindo decisões impossíveis de serem cumpridas. Não basta dar uma ordem e achar que o problema foi resolvido numa sessão do plenário. Os presos permanecem em condições desumanas, mas agora com o direito de pedir, através do advogado, uma pequena indenização, que não cobre o agravo de que foi vítima.

O Supremo tem sido chamado para decidir sobre coisas demais no país. Tem um volume de trabalho descomunal porque é cada vez mais corte criminal, ao lado do seu papel de corte constitucional. Além disso, passou a expedir ordens ao executivo e algumas delas sem sentido. Essa é uma delas. Por mais justa que seja a demanda do preso, a solução proposta não resolve o problema e cria outro.

Fonte:  Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Trégua e riscos

A crise brasileira ganhou uma pequena trégua neste início de ano. Os indicadores de confiança subiram, a bolsa se recuperou, e economistas que tinham uma visão mais cautelosa para o ano estão um pouco mais otimistas. Mais de R$ 6 bilhões de recursos estrangeiros entraram na Bovespa em janeiro, impulsionada pela alta dos preços das commodities e pela expectativa de que a recessão esteja próxima do fim.

A produção industrial divulgada ontem mostrou uma forte alta em dezembro, de 2,3%. Em meados do ano passado, houve cinco meses seguidos de crescimento da indústria e depois ela voltou a cair. Não é uma tendência, portanto, e já há previsões de queda nos dados de janeiro. Mas nas estimativas para o ano os economistas estão com dados positivos. O Bradesco, por exemplo, projeta um crescimento de 1% da produção industrial em 2017. No final do ano passado, vários indicadores vieram pior do que o esperado. Temeu-se que a recessão estivesse novamente se aprofundando, mas agora esse temor está passando.

O mercado financeiro tenta antecipar os ciclos econômicos, e a recuperação do Ibovespa é um sinal de maior confiança no futuro. A queda da Selic provoca um movimento de realocação nos investimentos, com saída da renda fixa para a renda variável. Deixar o dinheiro parado em títulos do Tesouro vai render menos, e a perspectiva de aceleração da atividade vai aumentar o lucro das empresas, explica o economista Álvaro Bandeira, do Home Broker Modalmais.  — A crise fiscal ainda é forte, mas já está mais claro que o país conseguiu se ajustar em várias áreas. Caiu a inflação, os juros estão em queda, o risco-país também diminuiu, assim como o dólar. O setor externo reduziu bastante o déficit em conta-corrente. A inadimplência está mais baixa, apesar do desemprego, e isso favorece o setor financeiro e facilita o destravamento do crédito — explicou Bandeira.

A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, admite que está um pouco mais aliviada, depois do susto com os números ruins da economia no final do ano passado. Pelas estimativas do Ibre, o país pode voltar ao azul já neste primeiro trimestre, em relação ao quarto, mas com um crescimento mínimo, de apenas 0,1%, e sustentado pela agropecuária. Silvia prefere olhar para o segundo trimestre, quando espera números positivos espalhados por vários setores: indústria, serviços, consumo e investimentos.  — Eu estava preocupada com o risco de uma nova recessão este ano, mas isso diminuiu bastante. A gente mantém a estimativa de alta de 0,3% para o PIB de 2017, mas com viés de alta. O ano começa fraco, mas vai acelerando, para chegar no quarto trimestre em um ritmo mais forte — afirmou.

O Ibovespa deu um salto de 7,37% em janeiro. As ações de alguns bancos subiram. A Vale saltou 30%, por causa da forte recuperação dos preços do minério de ferro. Álvaro Bandeira explica que isso puxou os papéis do setor siderúrgico e da área de mineração. A China anunciou o fechamento de siderúrgicas mais poluentes, e isso deve resultar numa produção menor de aço para competir com a produção local, no caso, a brasileira.

O índice americano Dow Jones chegou a bater recorde histórico, mas o cenário externo está incerto com toda a crise provocada pelas primeiras decisões do presidente Donald Trump.
— Duas coisas me preocupam este ano. A primeira é o cenário externo com o governo Trump, que vai provocar volatilidade. A segunda é a classe política brasileira se acomodar a partir do momento em que a economia voltar para o azul. É preciso manter o esforço contínuo de reformas. A Previdência precisa ser aprovada — disse Silvia Matos.

Os indicadores mostram que este ano é de pequena melhora, depois da grande hecatombe que foram os últimos dois anos. Há dois pontos de aguda incerteza. Aqui dentro, a crise política pode se agravar muito com todas as revelações da Lava-Jato. No exterior, os Estados Unidos viraram o grande ponto de interrogação com as decisões radicais do novo presidente. Será preciso ir retomando lentamente o ritmo de atividade econômica, apesar desses dois pontos de instabilidade.

Fonte: Blog da Míriam Leitão - Com  Alvaro Gribel, de São Paulo

terça-feira, 4 de outubro de 2016

A voz do silêncio

Vinte e cinco milhões de brasileiros não compareceram para votar. Isso é uma população maior do que a da Austrália. Além disso, há os votos brancos e nulos, que só nas capitais somaram 3,7 milhões. O silêncio dos que não quiseram escolher nas eleições precisa ser ouvido. Sempre há eleitores que preferem ficar à parte, erram no momento do voto ou anulam, mas um dos recados de domingo foi o desalento.

O eleitor tem toda razão de estar descontente. Há muitos motivos para desilusão, e o país está no meio de uma crise entre representantes e representados. No mundo inteiro, há desencanto com os processos políticos tradicionais. O poder está encastelado, dominado por oligarquias partidárias, sem capacidade de entender a velocidade de transformação do mundo atual. No Brasil, há tudo isso e mais o que temos sabido nos últimos anos das tenebrosas transações dos políticos para financiar suas campanhas e, em muitos casos, enriquecer pessoalmente.

A democracia brasileira precisa ouvir esse silêncio. A alienação eleitoral formada por esses ausentes e pelos votos nulos e brancos chegou a 43,14% em Belo Horizonte. Minas sempre foi estado em que se debate política de forma acalorada. O desinteresse é preocupante. Os índices chegaram a 42% no Rio, 38% em São Paulo e Porto Alegre. Na média do Brasil, ficou em 30%.

As urnas deste fim de semana deram vários recados ao Brasil. Um deles foi endereçado ao PT. A derrota do partido foi enorme e foi nacional. Se sua direção continuar falando aos militantes com o mesmo discurso autocomplacente de que é vítima das elites, da mídia, do Ministério Público e do Juiz Sérgio Moro, não sairá do lugar. O militante pode se sentir muito confortado com a explicação persecutória, mas o mais eficiente do ponto de vista político-eleitoral é a análise sincera do problema. O PT precisa de autocrítica e de estratégia de superação e renovação. O risco é achar que basta terceirizar suas culpas, encontrando um inimigo externo, e esperar que uma nova candidatura de Lula resgate o partido da crise. [aqui cabe lembrar que o Lula não conseguiu eleger nem o filho para o cargo de vereador - isto em São Bernardo, berço do PT e 'curral eleitoral' do Lula.]


O PT foi o protagonista de vários escândalos políticos recentes, principalmente os maiores Mensalão e Lava-Jato. Foram para a prisão três dos últimos tesoureiros e ex-ministros poderosos. O ex-líder no Senado do último governo foi preso por ordem do Supremo e fez uma devastadora delação premiada. Está evidente que culpar os inimigos não explica os fatos. Não é o único partido envolvido com os escândalos de corrupção, mas foi atingido em cheio.

Além disso, o partido que nos governou por mais de 13 anos levou o país à mais devastadora crise econômica das últimas décadas, com 12 milhões de desempregados. A soma dos escândalos políticos e da desorganização econômica é forte demais. Diante disso, o PT foi o grande derrotado nestas eleições. Não vai superar o momento culpando os outros por erros que cometeu.

Mas a crise entre eleitores e políticos vai além da decepção com um partido. O desalento é em relação aos políticos em geral. A sensação é de que estão todos envolvidos com os escândalos, de uma forma ou de outra. Além disso, há uma fadiga em relação a um sistema político ineficiente, com partidos demais, que pouco se diferenciam uns dos outros, e com a falta de prestação de contas ao eleitor do que os representantes fazem no exercício do mandato.  Não haverá uma única reforma que enfrente todos estes problemas, mas o Brasil deve se dedicar a aperfeiçoar o sistema político e melhorar a democracia. Deixá-la ser ameaçada pelo desinteresse dos cidadãos pode ser o mais perigoso dos caminhos.


Fonte: Blog da Míriam Leitão

 

domingo, 31 de julho de 2016

Crise do emprego

O desemprego voltou a subir em dois indicadores esta semana, o que mede o emprego formal e o dado do IBGE. O país termina o primeiro semestre perdendo mais de meio milhão de empregos formais em seis meses. Desde as eleições, o número de desempregados aumentou em 5 milhões, saindo de 6,5 milhões para 11,5 milhões. Em um ano, a alta foi de 32%, com mais 3,2 milhões de desempregados.

O mercado de trabalho sofre por várias frentes. Há aumento na taxa de desocupação, diminuição do emprego formal, aumento do número de empregados domésticos que haviam tentado outra colocação e agora voltam. Houve um acréscimo de 224 mil pessoas nesta ocupação, num total de 6,2 milhões. O setor industrial fechou 1,4 milhão de vagas em um ano. O rendimento médio real caiu 4,2% em um ano.

É uma devastação o que está acontecendo com o emprego e ainda pode não ter chegado ao fundo do poço
. Em toda recessão, o desemprego é a última má notícia a chegar e a última a ir embora. Então, apesar dos pequenos sinais de melhora, os especialistas temem que a crise do emprego esteja longe do fim.  O Brasil tem um mercado de trabalho com problemas conjunturais – derivados da recessão – e tem distorções que se acumularam com o tempo e os erros não corrigidos. O país, ao fim desta crise, precisará encontrar formas de modernizar o ambiente econômico para que haja maior geração de emprego de qualidade.

Há setores que já enxergam alguma luz no fim do túnel. Ontem, a Abinee, do setor de eletroeletrônicos, divulgou que houve fechamento 753 postos de trabalho em junho, na 17ª retração mensal consecutiva. Mas o número deste mês foi 87% menor do que o do mesmo período do ano passado. Em sondagens recentes com empresários do setor, há relatos de melhora da confiança, segundo o presidente da Abinee, Humberto Barbato. O problema é que o nível de emprego atual no setor de eletroeletrônico caiu para 239,8 mil em junho, voltando ao mesmo patamar de fevereiro de 2006.

O Departamento Econômico do Bradesco também avalia que o ritmo de demissões vai diminuir no segundo semestre, e diz que esse nível elevado de desemprego, com queda do rendimento real, vai reduzir a inflação de serviços. A consultoria Rosenberg Associados acredita que o pico do desemprego acontecerá apenas no primeiro trimestre do ano que vem, mesmo que haja alguma recuperação do nível de atividade no segundo semestre.

No debate feito esta semana por este jornal, o sociólogo José Pastore manifestou esperança de que os indicadores comecem a melhorar, principalmente porque o governo terá que investir em obras de infraestrutura para combater a recessão. O economista José Márcio Camargo acha que o índice de desemprego pode chegar a 13% antes de cair. Os especialistas em mercado de trabalho concordam que é indispensável uma mudança radical na legislação, reduzindo-se o excesso de leis, súmulas, regras para se construir um mercado de trabalho dinâmico o suficiente para o momento atual.

Quando se fala com pequenas empresas, já é possível achar boas histórias. O presidente da Eurocolchões, Maurício Aballo, empresa que fabrica, importa e vende colchões no estado do Rio, conta que a rede de lojas da empresa cresceu de 18 para 35 unidades desde 2011. Ele demitiu, reduziu os custos com a folha de pagamentos em 15%, renegociou contratos e aumentou a produtividade. Parou de demitir no início deste ano e espera voltar com as contratações no ano que vem.

O CEO da Guarde Perto, Rodolfo Delgado, uma pequena empresa do segmento de self-storage, conta que conseguiu ampliar seu negócio através de financiamento. A companhia cresceu 59% no primeiro semestre deste ano e no mesmo período do ano passado registrou um aumento em 26%. O crescimento é explicado pela própria crise: empresas e famílias estão reduzindo gastos com aluguéis e guardando parte dos móveis.

É possível encontrar algumas histórias positivas, mas, em geral, o retrato do mercado de trabalho é de destruição de emprego. Ao fim da recessão ainda será preciso corrigir as distorções que se acumularam por décadas.


Fonte: O Globo - Coluna da Míriam Leitão




domingo, 20 de março de 2016

O inimigo de todos

Há um ponto em comum dos dois lados dessa batalha final da conflagrada cena política brasileira: inimigos de morte compartilham o mesmo sonho de que a Operação Lava-Jato arrefeça e, se possível, desapareça. Que seja anulada por um erro processual qualquer; que seja desmoralizada. Esse é o desejo do governo, do líder do impeachment da Câmara e do que vai presidir o processo no Senado. Eis o centro da contradição do momento político.

É incontornável o fato de que no comando desta primeira etapa do impeachment está um réu da Lava-Jato. É também fato que o governo se sente diretamente ameaçado pela operação, e o evento da ida do ex-presidente Lula para o abrigo anti-Moro da Casa Civil [mais conhecida como COVIL DE LADRÕES - devido a maior parte dos seus ocupantes durante os governos Lula e Dilma estarem presos ou responderem ações penais na Justiça.] é parte da estratégia de lutar contra a Lava-Jato. Até a oposição, depois da citação de Aécio Neves, tem restrições à operação. Na lista do impeachment há pessoas que não podem ser juízes de coisa alguma, como Paulo Maluf. Aliás, o mesmo personagem notório da tragédia brasileira, criminoso procurado em outros países, estava na longa lista de nomes que a presidente Dilma saudou na cerimônia-comício no Palácio do Planalto.

É bom que se lembre que a presidente Dilma não enfrenta o processo de impeachment pelas revelações da Lava-Jato, apesar de estar cada vez mais claro que houve dinheiro desviado da Petrobras na sustentação da base de apoio do governo, e no financiamento de campanha. Permanecem ainda inexplicados os depósitos da Odebrecht na conta de João Santana no exato momento em que ele prestava serviços à presidente Dilma na campanha. E há ainda os relatos dos parceiros de crime sobre pagamentos de propina aos políticos em cada negócio ou contrato da Petrobras. O governo fica cada vez mais tingido de sujeira no avanço das investigações.

É preciso renunciar à própria inteligência para acreditar que a presidente Dilma de nada soubesse, jamais tenha desconfiado do que se tramava para elegê-la e mantê-la no poder. Essa abstração da realidade já foi feita em relação a Lula no mensalão. E nos fez mal. O chefe passou a ser José Dirceu, que pode sim reivindicar o papel de chefe adjunto, mas não o do fim da cadeia de comando. Na hipótese irreal de que nem rumores tenham chegado aos ouvidos de Dilma, então ela deveria deixar o cargo, espontaneamente, por inépcia. É perigoso ter alguém tão alheio aos fatos no comando do país.

Mas a acusação central do impeachment é ter a presidente cometido crime fiscal. Quem viu nascer o arcabouço legal que garantiu a estabilização não consegue achar que é pouco o que foi feito por Dilma e sua equipe econômica. Houve manipulação de dados fiscais para escamotear a verdade das contas públicas e contornar a Lei de Responsabilidade Fiscal, e isso foi a origem do colapso em que estamos, com inflação e recessão. Ela fez uma gestão temerária da política econômica. Isso é muito sério.

O impeachment ganhou força com o andar das investigações da Lava-Jato ainda que não tenha sido este o centro da denúncia dos juristas que apresentaram o pedido de impeachment. Mas a Lava-Jato esteve o tempo todo na mente dos que comandam este processo, principalmente o deputado Eduardo Cunha. O que alimentou o ódio de Cunha foi a convicção de que o governo teria usado a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e até o Supremo contra ele na investigação.

 A acusação é completamente falsa, porque tudo o que o governo gostaria, como se ouviu nos diálogos de Lula, era usar a PF, a PGR e o STF para se proteger. O governo de fato mandou enviados especiais para sondar ministros do Supremo. Um dos ministros chegou a ouvir a sugestão de que "controlasse Sérgio Moro", esse inconveniente juiz de primeira instância. E respondeu que Moro tem autonomia de decisão, e se não gostam dos seus julgamentos, recorram às instância superiores.

O caminho do TSE seria de fato o melhor para enfrentar as dúvidas sobre a relação da campanha de Dilma com os crimes investigados na Lava-Jato. No Congresso o processo tem um vício de origem. Para o país discutir de forma mais correta se deve ou não abreviar o tempo da chapa Dilma-Temer no poder, o melhor seria a Justiça. E a solução que mais atende às aspirações do país, neste momento, é a realização de novas eleições, sem os vícios que, se sabe agora, teve a eleição de 2014.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Marcelo Loureiro, interino


domingo, 28 de fevereiro de 2016

Criaturas de Santana

Era forte, muito forte o sentimento de que estavam protegidos pela capa da impunidade. Só isso explica João Santana e sua mulher, Mônica Moura. Eles trabalharam em campanhas presidenciais, usaram técnicas agressivas de publicidade e mantiveram contas secretas no exterior, onde receberam recursos de empresas e lobistas. Isso, depois de Duda Mendonça ter admitido que assim é que o PT lhe pagava.

Este não é o primeiro grande caso de corrupção investigado no Brasil. O Mensalão colocou o ex-chefe de Santana diante de uma CPI e da Justiça. Duda escapou do pior, mas ajudou a revelar o esquema. Disse que foi forçado pelo PT a abrir uma offshore para receber parte do dinheiro. Admitiu o caixa dois e pagou a multa.

De lá para cá, o país está claramente dobrando sua aposta no combate à corrupção através do Ministério Público, da Justiça e Polícia Federal. A Lava-Jato tem métodos e ação mais precisos, mais elaborados. Santana e Mônica acham que poderão se livrar com a estratégia de admitir alguma coisa para perder os anéis e ficar com os dedos. Eles reconhecem a existência de contas no exterior não declaradas, mas Santana diz que não sabe quem depositou nessa conta e seu advogado corrobora: “ele é um criador.”

Na Pólis de Santana e Mônica, as criaturas não tinham limites. Elas podiam subestimar a inteligência alheia, manipular os sentimentos, mentir sobre adversários e escamotear a crise que agora nos consome. As criações de João Santana fizeram mal ao país e à democracia brasileira, mas isso não levaria o casal à prisão. Revela, contudo, a arrogância e a sensação de impunidade que tinham. Ele fez tudo isso, enquanto dinheiro duvidoso era depositado por lobista e por empreiteira em uma de suas contas. A planilha da Odebrecht divulgada pela “Época” indica que pode ter havido ligação mais direta. Santana orientava Dilma Rousseff a mentir em debates e entrevistas, vivia na intimidade do poder como conselheiro político mesmo após as eleições, enquanto tinha seis contas não declaradas no exterior. Em novembro passado, diante dos avanços da Lava-Jato, fez uma declaração retificadora na Receita admitindo cinco contas, mas não a que recebeu o dinheiro de Zwi Skornicki e da Odebrecht.

O que contaram Santana e Mônica nos depoimentos é risível. Receberam no exterior porque trabalharam no exterior, não trouxeram o dinheiro, mas pretendiam fazê-lo, receberam caixa dois, mas nunca no Brasil, e sim em suas campanhas presidenciais em outros países. 

Mônica cuidava de toda a parte administrativa e financeira, a tal ponto que o distraído criador nem sabe dizer quanto e quem lhe pagou. A estratégia clara é admitir crimes menores para se livrar da cadeia e também proteger a presidente Dilma Rousseff e seu mandato.

No exterior, eles trabalharam para presidentes como Hugo Chávez e José Eduardo dos Santos e por essas campanhas admitem caixa dois. O que liga os dois políticos é a prática antidemocrática. José Eduardo do Santos é presidente desde 1979, seu governo é uma ditadura corrupta que faz eleições para encobrir seu caráter autoritário. Sua filha Isabel dos Santos é considerada a mulher mais rica da África, com fortuna avaliada em US$ 3,7 bilhões pela revista “Forbes”. Sua riqueza tem relação direta com o ambiente de corrupção instalado pelo governo para o qual João Santana trabalhou. Hugo Chávez tinha, como todos vimos, a decisão de se eternizar no poder, golpeando as instituições. Ele morreu, mas deixou seu ectoplasma que governa o país rumo à ruína.

Pela versão das primeiras horas após a prisão, eles aceitaram dinheiro de origem duvidosa, mas só no exterior. No Brasil, tudo foi feito dentro da lei. Uma delinquência com limites geográficos. No início da campanha, ele concedeu uma entrevista ao jornalista Luiz Maklouf na Época”, em que disse que a presidente Dilma ganharia fácil no primeiro turno, enquanto haveria com os outros candidatos uma “antropofagia de anões”, e explicou: “eles vão se comer lá embaixo e ela, sobranceira, vai planar no Olimpo”. A história não foi assim, houve segundo turno, mas o que o país quer saber agora é o que aconteceu no Olimpo. Ele diz de si mesmo que tem ideias muito rápidas. Agora é a hora de mostrar isso, mas que a ideia seja crível, porque os velhos truques não funcionam mais. O país está mudando.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão
 

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Um erro caro

A produção industrial terminou o ano de 2015 em um nível 17% mais baixo que em 2010. A política ao setor não só fracassou, como também contribuiu para o rombo nas contas públicas. Os relatórios de estimativas de renúncia fiscal, divulgados em cada início de ano pela Receita, revelam que mais de R$ 130 bilhões podem ter sido gastos para estimular o setor. É difícil dizer quanto custou, mas é fácil saber que deu errado.

Os números vermelhos da indústria se repetiram nos últimos anos, mas em 2015 foi recorde em todas as séries: 8,3% de queda. O Boletim Focus, com previsões do mercado financeiro para 2016, prevê uma nova contração este ano, de 4%. E há números mais pessimistas, como da consultoria Rosenberg Associados, que estima uma contração de 4,5%.

Os dados ficam piores quando se sabe que o governo abriu mão de bilhões em receitas para estimular o setor. Ou seja, ao mesmo tempo em que a indústria desabou mais de 8% no ano passado, as desonerações contribuíram para que o Governo Federal fechasse o ano com déficit primário de 1,9% do PIB e entrasse no atual labirinto fiscal.  O ministro Armando Monteiro Neto me disse em entrevista na Globonews que agora não há mais espaço para aquele tipo de política industrial e que a melhor forma de tentar estimular a indústria no momento é com acordos comerciais que abram mercados. Quando perguntei se a política anterior estava errada, ele admitiu apenas que foi excessiva. Isso, outras pessoas do governo têm admitido: o erro teria sido na dose.

Aqui neste espaço sempre critiquei a política de escolher “campeões” e de beneficiar empresas e setores com renúncias fiscais e subsídios implícitos e explícitos. A discussão se o erro foi da política em si — que é a minha convicção — ou apenas de dose vai continuar, mas os dados favorecem quem critica o que foi feito porque não apenas a produção industrial despencou como foi aberto um rombo sem solução nas contas públicas. O “Valor Econômico” publicou um levantamento que mostra que apenas o subsídio via BNDES para as empresas, seja da indústria ou de outros setores, vai custar ao todo R$ 323 bilhões e pesará sobre os contribuintes até 2060. Apenas o que foi transferido aos empresários entre 2008 e 2014.

Questionada sobre o quanto foi gasto em desonerações ao setor industrial, a Receita Federal respondeu que não tem essa informação pronta. Já o economista e gerente de estudos técnicos do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) Álvaro Luchiezi Jr. explica que é possível saber o quanto foi estimado com esse tipo de gasto nos Demonstrativos de Benefícios Tributários que o órgão emite no início de cada ano. Somando o que foi previsto ao setor industrial, a conta chega a R$ 135 bilhões entre 2011 e 2015.  — Esse demonstrativo não é um valor exato, apenas o quanto a Receita estimou que iria acontecer. De qualquer forma, as desonerações tiveram um custo fiscal elevadíssimo. A folha de pagamentos, por exemplo, teve custo de R$ 22 bilhões no ano passado e não estimulou o crescimento. Pelo contrário, aumentou o déficit e diminuiu a confiança — afirmou.

O economista Marcos Lisboa, que foi secretário de política econômica do Ministério da Fazenda no primeiro mandato do presidente Lula e hoje é presidente do Insper, há muito tempo vem chamando atenção para o fato de o país não conseguir medir com clareza os resultados, e os custos, de vários programas de incentivo ao crescimento.  — A conta foi ficando bem confusa, com as diversas medidas tomadas e os criativos critérios contábeis que foram sendo adotados. Desde o ano passado há um esforço da Fazenda para acertar os números. Várias estimativas já foram divulgadas, por exemplo, sobre o custo do PSI — disse Lisboa.

Para 2016, a estimativa da Receita é de mais R$ 32,2 bilhões de gastos com desonerações ao setor industrial, um pouco menos que os R$ 33,4 bi estimados para o ano passado. A principal despesa vem com o Simples Nacional, com custo estimado de R$ 16,8 bilhões. Depois, vem o gasto com a Zona Franca de Manaus, com mais R$ 5 bi. Ao setor automotivo, há a rubrica de R$ 1,47 bilhão e mais R$ 748 milhões para o Inovar Auto. Muito foi feito para proteger a indústria, mas estava errado, e por isso não funcionou e custou caro.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão - Com Alvaro Gribel, de São Paulo - O Globo
 

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Governo apresenta ideias que já aplicou antes



Um dos problemas do governo é que ele só consegue ter ideias que já usou anteriormente. As sugestões comentadas para recuperar a economia se baseiam no aumento do crédito. A reedição do Conselhão foi outra novidade antiga que reapareceu nos últimos dias.

A falta de apetite por crédito é comentada no setor privado e na esfera pública. Os dados que o BNDES apresentou ontem mostram isso. Desembolsos e consultas caíram fortemente em 2015. A terapia estudada pelo governo, de aumentar a oferta de financiamento, tem um problema na origem. O que leva uma empresa a buscar crédito é a confiança de que seu investimento dará retorno. Sem confiar nisso, a demanda por recursos cai. Esse ponto não deve ser desconsiderado.

No passado, o governo incentivou o crescimento com o endividamento das pessoas e das famílias. De dois anos para cá, porém, o cenário econômico deteriorou muito. O momento agora é outro. Hoje, famílias e empresas estão abrindo mão de financiamento.   

A ideia do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social também é antiga, vem desde os tempos de Lula. O Conselhão, como ficou conhecido, pouco funcionou até agora. O governante vai aos encontros para falar. O setor privado já esteve presente ali e as mudanças na economia não aconteceram. Às vezes, as reuniões serviam para produzir apoio a algum setor específico. A composição do grupo mudou, até porque alguns antigos integrantes estão sendo investigados. Agora, há artistas e representantes da sociedade civil.

Todo mundo sabe, porque já foi dito por pessoas próximas, que a presidente Dilma não gosta muito de conselhos, não é uma boa ouvinte. É preciso ver se as sugestões do conselhão serão acatadas. Por enquanto, não tem surgido ideia boa para recuperar a economia. A situação é difícil. O país está em recessão com inflação alta. Lidar com os dois problemas ao mesmo tempo é complicado. O remédio para uma doença acaba piorando a outra.

Fonte: Coluna da Miriam Leitão – O Globo