Há que separar a euforia do emprego da euforia política
Com tantos generais nos gabinetes próximos do presidente e ao longo
da Esplanada, Jair Bolsonaro, mesmo que discordasse, não teria como
levar adiante uma reforma da Previdência Social que os atingisse. Mas
ele, além disso, concorda plenamente e encoraja o tratamento
diferenciado a essa categoria, a sua, vez que é capitão da reserva.
[criticar dizendo que uma categoria tem tratamento diferenciado e fundamentar a crítica, com argumentos sólidos, 'desmontando' as razões que são invocadas para justificar o tratamento considerando diferenciado, é a crítica gratuita, o criticar por criticar.]
O Exército, a Marinha e a Aeronáutica não ocuparam o governo em vão.
Não vão deixar escapar a única disputa em que realmente se envolvem
desde sempre, além daquela batalha anual por mais verbas: a de evitar a
mudança do seu sistema de aposentadoria. Nos últimos dias, com tantas
posses e transmissão de comando nas três forças, além das trocas de
ministros nos gabinetes do Palácio do Planalto e de vários ministérios,
seus interesses reais ficaram mais expostos.
Expressam, sem censura, a alegria de ter voltado ao poder,
– “agora
pelo voto”, como apregoam. E não se fazem de rogados quando questionados
sobre a reforma da Previdência.
Dizem que são disciplinados e acatarão
ordens, mas logo fica claro que estão marcando distância da vala comum:
“Somos diferentes”. [diferença que consta da famosa 'constituição cidadã', que não foi promulgada pelos militares, ou mesmo redigida.]
Livrando-se os militares das novas regras, outros funcionários
públicos devem também se sentir especiais e reivindicar uma saída
exclusiva para outras categorias. Com certeza, a Polícia Militar, a
Polícia Civil, delegados em geral, agentes penitenciários em particular,
entre outros que se submetem a riscos semelhantes em sua carreira,
unidos pela atividade de segurança. Daí para outras categorias do funcionalismo também mostrarem que seu
caso é singular, o caminho é curto, rápido e até justo, como se pode
achar, a princípio, embora muitos discordem dessa última condição. Uma
vez tirados os militares, o justo será deixar saírem todos os demais
cujas atividades são análogas. Ao arrastarem consigo outras categorias
do funcionalismo, os militares fragilizam institucionalmente e
politicamente a reforma da Previdência.
Automaticamente levam consigo, no mínimo, a Polícia Militar,
considerada uma força auxiliar do Exército. Como dar tratamento especial
ao Exército e não à PM, além de outras atividades a que estão amarrados
pela atividade de risco? Não há como separar as Polícias Militares das
Forças Armadas. As sessões da Comissão Especial que aprovou a reforma da Previdência
do ex-presidente Michel Temer mostraram
como pode funcionar o lobby
militar na votação. Seus representantes nas discussões eram os mais
reativos, os que se manifestaram de forma muitas vezes agressiva.
Por que seria diferente agora,
com líderes do governo e líder do partido do presidente, um é major, o outro delegado? Aberta a porteira para Forças Armadas e Polícia Militar, cria-se a
brecha no muro e todos podem sair. É essa a discussão a ser levada em
torno da ideia de não mexer na Previdência dos militares. Sem razão para argumentar contra sua inclusão na reforma, os
militares, infinitamente mais fortes hoje do que ontem, são cem por
cento fiadores do governo Bolsonaro e têm razão, desta vez, sim, de
estarem eufóricos com isso. Eufóricos por terem recuperado o poder e, já de posse do trono,
sentirem-se à vontade para responder perguntas sobre a reforma
prioritária.
Sem dúvida, estão mesmo no comando. Jair Bolsonaro não tem quadros no
seu partido, não conhece equipes que atuem em universidades e
institutos, não tem correntes de especialistas da academia, não tem
militância. Se falta um porta-voz, é anunciado logo um general; se há
expectativa sobre quem será o líder do governo no Congresso lá vem um
major de primeiro mandato
. [Bolsonaro é o presidente da República e nomeia para o seu Governo quem ele entender que atende melhor os interesses da Nação brasileira e dentro dos principios legais - até o presente momento, nenhuma nomeação foi feita em desacordo com as leis.]
Até o momento, no primeiro escalão, assumiram: o general Hamilton
Mourão, na vice-presidência
[o general Hamilton Mourão é vice-presidente da República, cargo para o qual foi eleito com quase 60.000.000 de votos.] o
general Augusto Heleno no Gabinete de
Segurança Institucional; o
general Santos Cruz na Secretaria de Governo;
o
general Maynard Santa Rosa, na Secretaria de Assuntos Estratégicos; o
general Otávio Santana do Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, ainda
não oficialmente nomeado. Rêgo Barros é ligado ao
general Eduardo Villas
Bôas, que deixou o comando do Exército e não vai para casa, assumirá um
cargo no Gabinete de Segurança Institucional no Planalto.
Há, ainda, no primeiro escalão, ministros egressos das Forças
Armadas: Fernando de Azevedo e Silva (Defesa),
Tarcísio Gomes de Freitas
(Infraestrutura),
Bento Costa Lima (Minas e Energia),
Marcos Pontes
(Ciência e Tecnologia),
Wagner Rosário (Controladoria Geral da União);
general Franklin Ribeiro de Freitas (Funai).
O
ex-comandante da Marinha, assim como o
ex-comandante do Exército,
ingressou na equipe: o
almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira foi
indicado por Bolsonaro para presidir o Conselho de Administração da
Petrobras.
[uma análise atenta dos citados, nesta matéria e em outras, só
permite a descoberta de uma fundamentação para ser contra as nomeações: o
'crime' de ser militar. Visto que, apesar do desejo de muitos,
ser militar não é crime, ao contrário é uma honra que dignifica, vale a
famosa frase do Zagallo: 'vão ter que engolir...'.]
No discurso de transmissão do cargo de comandante do Exército, o
general Villas Bôas, marcou a nova era com um exagero. Para ele, os dois
maiores brasileiros são Bolsonaro e Sergio Moro, os homens capazes de
mudar a agenda do país, de restaurar o patriotismo. Estava, porém,
exaltando terem finalmente chegado ao topo. É preciso separar a euforia do emprego da euforia da política, do
mando. Bolsonaro deu emprego para todos. O seu partido terminou virando,
na prática, um partido de duas alas:
a ala dos negócios da Economia,
tocada por Paulo Guedes, que tinha sua própria equipe adotada pelo
presidente,
e o partido do Quartel.
As três Forças assumiram as suas missões como quadros de um partido. E
foram tomando gosto: eles querem e a eles é permitido controlar o
governo.
Há muito pouco tempo, Jair Bolsonaro era visto no alto comando do
Exército como uma caricatura.
Aos poucos, as tropas da reserva, que
apoiavam sua candidatura, foram conquistando as da ativa até formar um
partido militar bolsonarista que tem o governo sob tutela.
Rosângela Bittar, Valor Econômico