.. Como foi exposto, há 2.840 efetivos e mais 1.573 servidores que são
terceirizados, perfazendo um total de 4.413, que já é um número absurdo
para um simples tribunal, apenas um. Ah, leitor, não se irrite. Ainda
tem mais gente. Segundo o relatório anual de 2013...
O
Superior Tribunal de Justiça, que se autointitulou "tribunal da
cidadania", foi uma criação da Constituição de 1988. É formado por 33
ministros. O STJ recebe pouca atenção do grande público. O Supremo
Tribunal Federal acaba ocupando todos os espaços. Uma designação de um
ministro para o STJ passa geralmente em branco; já o mesmo não ocorre
com o STF.
Em 2011 e 2013, examinei os gastos do STJ e fiquei
estarrecido. Os artigos que publiquei, neste mesmo espaço, até hoje
circulam pela internet ("Triste Judiciário" e "Eles estão de
brincadeira"). Resolvi voltar ao tema, certo — e é a mais pura verdade,
acreditem — de que algo teria mudado. Contudo, constatei que a situação
não melhorou. Pelo contrário, piorou — e muito.
O curioso é que
todos os dados aqui apresentados estão disponíveis no site do STJ, mais
especificamente no Portal da Transparência. O último relatório de gestão
anual disponibilizado é de 2013. Os dados são estarrecedores. O
orçamento foi de R$ 1.040.063.433,00! Somente para o pagamento de
aposentadorias e pensionistas foram despendidos R$ 236.793.466,87, cerca
de um quarto do orçamento. Para os vencimentos de pessoal, foi gasta a
incrível quantia de R$ 442.321.408,00. Ou seja, para o pagamento de
pessoal e das pensões e aposentadorias, o STJ reservou dois terços do
seu orçamento.
Setembro é considerado o mês das flores. Mas no
STJ é o mês do Papai Noel. O bom velhinho, três meses antes do Natal, em
2014, chegou com seu trenó recheado de reais. Somente a dois ministros
aposentados pagou quase 1 milhão de reais. Arnaldo Esteves Lima ganhou
R$ 474.850,56 e Aldir Passarinho, R$ 428.148,16 — os dois somados
receberam o correspondente ao valor da aposentadoria de 1.247
brasileiros.
A ministra Assusete Dumont Reis Magalhães embolsou de
rendimentos R$ 446.833,87, o ministro Francisco Cândido de Melo Falcão
de Neto foi aquinhoado com R$ 422.899,18, mas sortudo mesmo foi o
ministro Benedito Gonçalves, que abocanhou a módica quantia de R$
594.379,97. Também em setembro, o ministro Luiz Alberto Gurgel de Faria
recebeu R$ 446.590,41. Em novembro do mesmo ano, a ministra Nancy
Andrighi foi contemplada no seu contracheque com R$ 674.927,55, à época
correspondentes a 932 salários-mínimos, o que — incluindo o décimo
terceiro salário — um trabalhador levaria para receber 71 anos de labuta
contínua.
Nos dados disponibilizados na rede, é impossível
encontrar um mês, somente um mês, em que ministros ou servidores — não
exemplifiquei casos de funcionários, e são vários, para não cansar (ou
indignar?) ainda mais os leitores — não receberam acima do teto
constitucional. São inexplicáveis estes recebimentos. Claro que a
artimanha, recheada de legalismo oportunista (não é salário, é
"rendimento"), é de que tudo é legal. Deve ser, presumo. Mas é inegável
que é imoral.
Em maio de 2015, o quantitativo de cargos efetivos
era de 2.930 (eram 2.737 em 2014). Destes, 1.817 exerciam cargos em
comissão ou funções de confiança (eram 1.406 em 2014). Dos trabalhadores
terceirizados, o STJ tem no campo da segurança um verdadeiro exército
privado: 249 vigilantes. De motoristas são 120. Chama a atenção a
dedicação à boa alimentação dos ministros e servidores. São quatro
cozinheiras, 29 garçons, cinco garçonetes e 54 copeiros. Isto pode
agravar a obesidade, especialmente porque as escadas devem ser muito
pouco usadas, tendo em vista que o STJ tem 32 ascensoristas. Na longa
lista — são 1.573 nomes em 99 páginas — temos pedagogas, médicos,
encanadores, bombeiros, repórteres fotográficos, recepcionistas,
borracheiros, engenheiros, auxiliares de educação infantil, marceneiros,
jardineiros, lustradores e até jauzeiros (que eu não sei o que é).
Para
assistência médica, incluindo familiares, foram gastos, em apenas um
ano, 63 milhões de reais e quatro milhões para assistência pré-escolar.
Pela quantia dispendida em auxílio-alimentação — quase 25 milhões —
creio ser necessário um programa de emagrecimento de ministros e
servidores. Mas os absurdos não param por aí. Somente para comunicação e
divulgação institucional foram reservados mais de sete milhões de
reais. E não será por falta de veículos que o STJ vai deixar de exercer
sua atribuição constitucional. Segundo dados de 31 de janeiro de 2015, a
frota é formada por 57 GM/Omega, 13 Renault/Fluence e 7 GM/Vectra, além
de 68 veículos de serviço, perfazendo um total de 146. E como são 33
ministros, cada excelência tem, em média, à sua disposição, quatro
veículos.
Como foi exposto, há 2.840 efetivos e mais 1.573
servidores que são terceirizados, perfazendo um total de 4.413, que já é
um número absurdo para um simples tribunal, apenas um. Ah, leitor, não
se irrite. Ainda tem mais gente. Segundo o relatório anual de 2013
(volto a lembrar que é o último disponibilizado) há mais 523
estagiários. Sendo assim, o número total alcança 4.936 funcionários!
É
raro uma Corte superior no mundo com os gastos e número de funcionários
do STJ. Contudo este não é o retrato da Justiça brasileira. Onde a
demanda é maior — como na primeira instância — faltam funcionários, o
juiz não tem a mínima estrutura para trabalhar e está sobrecarregado com
centenas de processos, além de — e são tantos casos — sofrer ameaças de
morte por colocar a Justiça acima dos interesses dos poderosos. No
conjunto não faltam recursos financeiros ao Judiciário. A tarefa é
enfrentar, combater privilégios e estabelecer uma eficaz alocação
orçamentária. Este dever não pode ser reservado somente aos membros do
Poder Judiciário.
Ele interessa a toda a sociedade.
Por: MARCO ANTONIO VILLA - É HISTORIADOR E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
Transcrito do site de Carlos Brickmann - www.brickmann.com.br