A ruptura na bancada do PT, que expulsou os que
votaram em Tancredo, demonstra autoritarismo
O
Brasil está quente, em momento de boa ebulição, neste maio de 1985. Ser subeditora internacional do Jornal do
Brasil me obriga a viver duas vidas. A do meu dia a dia e a do mundo externo. Eu me preocupo com a
perda de prestígio da cidade do Rio após a fusão, com a expansão das favelas e
a discussão do pagamento de royalties pela Petrobras ao Estado do Rio. Mas sou
forçada pela função – felizmente – a desenvolver um olhar cosmopolita. Tento
atrair o leitor para um noticiário longínquo, que possa servir de lição ou
reflexão.Por que alguém lerá que o Iraque rompeu a trégua, bombardeou nove cidades iranianas, e que o Irã ameaçou transformar Bagdá num “inferno”? Mais fácil comover com a Argentina, que briga pela demissão de 600 torturadores. Ninguém vai se emocionar com os 100 mil mortos no ciclone de Bangladesh. Poucos jovens brasileiros localizam Bangladesh num mapa. Será que um dia o ensino vai melhorar? Só com o voto em partidos de esquerda, que priorizam a Educação. O Brasil aprendeu do que é capaz a direita militar, após uma ditadura que nos silenciou e mutilou.
Quem sabe o leitor se interessará por Ronald Reagan. O ex-ator Reagan já ganhou um apelido, meses após a vitória nas urnas: Lame Duck, ou “um político sem condições de obter um novo mandato”. De popular a impopular, rapidinho, de forte a fraco. Quem manda eleger alguém sem noção? Reagan ameaçou o Congresso de levar suas propostas “diretamente ao povo”, mas percebeu que sem os 535 congressistas não governaria. Experimenta uma série de derrotas. Tentou aprovar um orçamento de US$ 3 bilhões para os mísseis do Pentágono, não conseguiu. Agora, Reagan pretende reduzir drasticamente programas sociais para equilibrar o orçamento.
Isso nunca acontecerá no Brasil se votarmos direito. O Brasil terá um presidente civil que respeitará nossas prioridades. Ou é pura ilusão de uma jornalista de 30 anos, mãe do Bruno, de 3 anos. O editor do JB é um jornalista brilhante: Marcos Sá Corrêa. O chargista da página de Opinião é Millôr Fernandes e, na edição de hoje, 27 de maio de 1985, há o desenho de uma dentadura falante. “Responda depressa: você é a favor de colocar na cadeia homens limpos, de bom aspecto (e de colarinho branco!), ou prefere, como nós, continuar lutando nobremente pela manutenção da pobreza abjeta?”
Muito está em jogo no país. Os partidos políticos estão na berlinda – como diz o artigo da repórter de política do JB em Brasília, Eliane Cantanhêde. As três maiores frentes – PMDB, PFL e PDS – se engalfinham por poder. Dos pequenos partidos, chamados pejorativamente de nanicos, o PT esbarra na sua realidade de partido regional, o PTB sobrevive à custa de Jânio Quadros e o PDT é o que tem mais chances de crescimento. Os testes serão as convenções e a eleição de prefeitos em 15 de novembro. Discute-se até a possibilidade de votações por lista, sem legenda partidária. Você já pensou nisso?
O Partido dos Trabalhadores, ou PT, criado há apenas cinco anos, está dividido entre social-democratas e marxistas. Tem uma vocação mais reformista do que revolucionária. Quem sabe será uma alternativa para um país com tantas necessidades básicas, se conseguir não se tornar escravo dos sindicatos e de uma retórica populista. E se levar adiante seus propósitos éticos. Não fez bem ao PT expulsar três de seus oito deputados federais – Bete Mendes, José Eudes e Airton Soares – por votarem a favor de Tancredo Neves na eleição indireta deste ano. A ruptura, numa bancada tão pequena, demonstra intransigência e autoritarismo. Seu líder, Lula, engajou-se nas Diretas Já e foi um dos oradores mais carismáticos. O tempo dirá até onde o PT de Lula chegará.
O presidente José Sarney explica como será a reforma agrária. Deverá beneficiar 1,5 milhão de famílias por ano numa área de 130 milhões de hectares. Como são grandes os números no Brasil. Mesmo assim, o brasileiro continua apolítico. Só uma minoria sabe o que é Constituinte. Mas todos sabem que Zico foi o destaque do primeiro treino coletivo da nova Seleção Brasileira. Correu, driblou, combateu e fez gols, como sempre. O treino foi na Toca da Raposa.
Este conteúdo faz parte do especial retrô ÉPOCA 1985, em comemoração aos 17 anos de ÉPOCA. Confira outros materiais em http://glo.bo/1985.
Fonte: Ruth de Aquino - Época
Nenhum comentário:
Postar um comentário