No meio da pauta bomba, surge uma ideia que parece
explosiva mas não é. Passou da hora de se atualizar o Fundo de Garantia
por Tempo de Serviço (FGTS). A solução pode não ser a que está sendo
proposta na Câmara, ou sugerida como alternativa pelo governo, mas
qualquer ideia é melhor do que deixar o patrimônio do trabalhador sendo
exaurido aos poucos pela sub-remuneração.
O FGTS foi instituído como poupança forçada pelo governo militar. De
lá para cá, não se modernizou nem ficou menos autoritário. O dinheiro é
do trabalhador em contas individuais, mas ele não tem acesso aos
recursos a menos que seja demitido, morra, compre a casa própria. Numa entrevista que fiz com o economista Pérsio Arida, para escrever o
livro “História do Futuro”, ele listou o tema da atualização do Fundo
de Garantia como uma etapa necessária para a modernização da poupança no
Brasil. E fez uma definição forte dos fatos: “O governo pega o seu
dinheiro, sub-remunera e só entrega ao dono em alguns casos. Uma
poupança forçada e penalizante. O país tira dos trabalhadores e dá para
os capitalistas. Simples assim. É a antidistribuição de renda”, disse Pérsio. Sugeriu que eu comparasse a remuneração do FGTS com outros
ativos. A diferença é gritante, e a perda é óbvia.
A Câmara, na esteira dos projetos para espezinhar o governo,
apresentou a proposta de remunerar o Fundo pelo mesmo índice da
caderneta de poupança, a partir do começo do ano que vem. Sairia,
portanto, de TR mais 3% para TR mais 6,17% ao ano. A perda seria menor. A
proposta não retroage, ou seja, não incide sobre o estoque do FGTS e,
por isso, não ameaça as contas públicas. Há outras propostas tramitando
para melhorar a governança do Fundo, como a que prevê a mudança do
conselho diretor. Hoje, 12 dos 24 conselheiros são escolhidos pelo
governo. A outra metade das cadeiras fica com trabalhadores e
empresários. A ideia é fazer um conselho com menos membros, 18, e cada
uma das partes teria seis cadeiras. Boa ideia, não há por que o governo
ter metade dos membros.
O governo argumenta que esse dinheiro é usado para financiar o
mercado imobiliário e, por isso, não pode ser remunerado acima do que é,
sob pena de desequilibrar o financiamento habitacional. Se fosse
verdade, além dos R$ 8 bilhões que distribui de subsídios, o governo não
teria lucro. E tem, em torno de R$ 13 bilhões. A alternativa que o
governo defende agora é distribuir meio a meio esse lucro com os
cotistas do fundo.
A inclusão do tema na agenda, neste momento, permite que todos
discutam como corrigir as distorções de uma forma de poupança
constituída em época autoritária e que precisa urgentemente de
atualização. O que Pérsio me explicou é que em outros países da América
espanhola existe a modalidade da poupança compulsória mas, em geral, o
trabalhador tem possibilidade de escolher o administrador dos recursos.
As instituições financeiras competem por esse dinheiro, e o dono tem a
possibilidade de escolha a quem lhe ofereça as melhores condições para o
objetivo que quer. No Brasil, é poupança forçada, sub-remunerada, e à
qual o dono não tem acesso, nem ingerência na escolha de quem administra
os recursos. “É uma enorme jabuticaba”, disse Persio. Gravei a
entrevista em 2012, no meio da colheita de ideias para o livro, e só
agora o tema aparece no debate público. Tudo é muito lento no Brasil,
mas antes tarde que nunca.
A Câmara de Eduardo Cunha tem produzido uma série de projetos que
miram o governo mas atingem o pagador de impostos. São, em geral,
distribuição de benefícios a grupos ou aumentos salariais de categorias
do setor público. Esta semana o governo concordou com o reajuste do
judiciário, na esteira do jantar de alguns ministros do Supremo com a
presidente Dilma. O aumento agora é mais um movimento no sentido
contrário ao bom senso. O país está no meio do redemoinho de uma crise
fiscal que está ameaçando o grau de investimento e a capacidade de
retomar o crescimento do PIB.
A correção mais justa do FGTS é daquelas tarefas que o Brasil precisa
enfrentar porque deixar tudo como está cria distorção, distribui lucros
para alguns e perdas para a maioria. Não é bomba, portanto, e por mais
que seja espinhoso é item necessário à modernidade monetária.
Fonte: Coluna da Miriam Leitão - O Globo
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