A
violência interfere no equilíbrio emocional dos policiais e compromete o
desempenho da tropa que deveria garantir a segurança
Cenas de descontrole policial seguidas
de extrema violência são praticamente diárias no noticiário nacional.
Mas esse desequilíbrio não é uma exceção nos quadros da lei. Novas pesquisas
feitas por várias instituições do País mostram uma realidade cada vez mais
concreta: os homens e mulheres que deveriam resolver conflitos nas perigosas
ruas brasileiras, e que possuem armamentos para fazê-lo, são mais mentalmente
instáveis do que o restante da população.
O convívio
diário com o risco de morrer e com o que há de pior na sociedade moldam
soldados psicologicamente abalados, cuja saúde mental está em frangalhos
e que possuem até sete vezes mais chances de se suicidar do que as demais
pessoas. Nas áreas mais afetadas pela criminalidade do Rio de Janeiro, por
exemplo, o índice dos policiais sofrendo alguma forma de perturbação psíquica
alcança 70%. E esse índice pode ser transportado para as outras metrópoles
brasileiras, afirmam peritos em segurança.
ANGÚSTIA
PMs têm dificuldade em admitir problemas e procurar ajuda
PMs têm dificuldade em admitir problemas e procurar ajuda
De acordo com especialistas
ouvidos por ISTOÉ, agentes das forças de segurança
que padecem de problemas psicológicos são um risco para si mesmos e para a
população que deveriam proteger, pois quanto mais abalados psiquicamente, mais
violentos ficam. Vide o mais recente relatório da Anistia Internacional, que
classifica o Brasil como um dos países onde a polícia mais mata no mundo. “Qualquer pessoa que não esteja bem
emocionalmente pode ter desvio de conduta por conta disso”, diz a
pesquisadora do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge
Careli (Claves) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Patricia Constantino. “Eles querem superar o medo demonstrando mais
força”, afirma o chefe do Estado-Maior da PM fluminense, coronel Róbson
Rodrigues.
ADRENALINA
Os policiais que mais apresentam distúrbio são aqueles que
exercem a profissão há pelo menos dez anos
Os policiais que mais apresentam distúrbio são aqueles que
exercem a profissão há pelo menos dez anos
Em
pesquisa que será lançada no mês de setembro, o Laboratório de Análise da
Violência (LAV) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) mostra a sombria consequência da instabilidade
mental nos quartéis. No estudo, realizado com 224
militares de 18 batalhões fluminenses, incluindo forças de elite como o Bope,
10% já haviam tentado se matar e outros
22% tinham considerado a possibilidade. Ou seja, 1 em cada 3 policiais
participantes flertou com o suicídio. Esses homens costumam ser das patentes
mais baixas, relatam insatisfação no serviço e apresentam dificuldades sono. A
maioria fez a tentativa à bala. “O
policial em situação de vulnerabilidade não deveria poder portar arma, porque
ele mata mais e atenta contra si mesmo”, diz Dayse Miranda, que coordenou o
levantamento.
Boa parte não planeja o ato e age por impulso, com o revólver à
mão. Em 2009, PMs tiraram a própria vida sete vezes mais do que a média da
população do estado. Dayse Miranda
prepara para o segundo semestre um estudo feito em parceria com o Ministério da
Justiça abrangendo as 27 unidades federativas. Os dados ainda não estão
prontos, mas os números de suicídios policiais devem ser elevados. “No Brasil, você vê um padrão que se
repete. Seja nas patentes, no tempo de serviço, na valorização. A insatisfação
está altamente associada ao comportamento suicida”, diz. Em comparação com
outros países, estamos atrás. Em dez anos de pesquisas feitas com cinco vezes
mais pessoas do que as entrevistadas pela equipe da Uerj, Austin (Texas), nos
EUA, contou apenas dois suicídios.
Em outro
trabalho, feito pela Fiocruz com mais de dois mil agentes, foi revelado que 36% dos policiais militares e 25% dos
civis do Rio apresentam sofrimento psíquico. Eles relataram ansiedade,
nervosismo, depressão e pensamentos suicidas, entre outros sintomas. “Esses números estão acima dos das outras
profissões”, afirma Patrícia, uma das autoras da pesquisa. De acordo com
ela, os casos são mais comuns entre
aqueles com mais de 10 anos de carreira, que estão cansados, estressados e já
vivenciaram as péssimas
condições de serviço.
A própria
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro possui uma análise indicando que membros das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas
favelas mais violentas dentre as que possuem essas bases – Nova Brasília, Parque Proletário e Vila
Cruzeiro, no Complexo do Alemão – têm mais
distúrbios. Dentre os homens e mulheres da lei que colocam a vida em
risco diariamente em zonas conflagradas, cerca de 3 em cada 4 são acometidos
por sofrimento psicológico. “Estamos
falando de uma área com indicadores parecidos com os da África subsaariana, há
muitos riscos que podem gerar um transtorno emocional”, diz o coronel
Rodrigues.
Não se pode mudar de imediato as condições nas quais esses agentes trabalham, mas é necessário criar mecanismos para atender aqueles que relatarem problemas, afirmam os especialistas. Algumas polícias, como as de São Paulo e do Rio, possuem programas de assistência psicológica em execução ou implantação. O assunto ainda é tabu entre as forças de segurança. O número dos que admitem seus distúrbios é baixo. “É necessário criar uma rede em que os próprios colegas aprendam a reconhecer um sinal transtorno e encaminhem aqueles que precisam de ajuda para tratamento”, afirma Dayse Miranda.
Fotos: MÁRCIO RIBEIRO/BRAZIL PHOTO PRESS; Alex Almeida/Folha Imagem
Fonte: Revista Isto É – On Line
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