No governo em geral e nas estatais, soma
de roubo e incompetência resulta do aparelhamento promovido nas
gestões de Lula e Dilma
Havia
desde muito uma desconfiança de que era exagerado o gasto do INSS com
auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. A direção do órgão resolveu fazer
um teste em Jundiaí, cidade no interior de São Paulo. Resultado: metade desses
benefícios foi cancelada. Os beneficiários podiam, sim, trabalhar. Estavam
apenas “encostados na caixa”, como se dizia antigamente.
Essa notícia
saiu no mesmo dia em que a Polícia Federal e o Ministério Público desfechavam a
Operação Greenfield, para apurar roubos nos quatro maiores fundos de pensão de
estatais. Neste caso, há suspeita inicial de desvio de R$ 8 bilhões.
Já no caso do INSS, parece dinheiro pequeno. Benefícios de um salário mínimo,
dois, três mil reais mensais, se tanto.
Nos dois
casos, porém, nos pequenos e nos grandes desvios de dinheiro público, a
história tem a mesma origem: uma combinação de fraudes e má gestão. Foi
assim também no caso da Petrobras e das demais estatais quebradas, como a
Eletrobras: roubo e pouco caso com o dinheiro dos outros. A gente até pode
entender o dilema pessoal de um médico-perito do INSS, bem intencionado. Ele
sabe que a pessoa pode trabalhar, mas, caramba, são apenas R$ 800, nada para o
governo, uma baita ajuda para o beneficiário.
Mas,
guardadas as proporções, enormes, e ainda no campo das boas intenções, é
parecida a situação do gestor de um fundo de pensão que arrisca um bilhão de
reais numa ação de rentabilidade duvidosa. O que há por trás disso, antes de se
falar em corrupção? A falta do “sentido da coisa pública”. O cliente do INSS acha que não tem nada demais cavar um
auxílio-doença. O médico, apressado, com uma fila enorme para atender, vacila,
mas, vá lá. O operador do mercado financeiro acha que não tem nada demais cavar
um bilhãozinho com o colega gestor de um fundo estatal para turbinar uma ação
de terceira. O gestor vacila — mas quem sabe dá certo, não é mesmo?
Está aí o
ambiente perfeito para o desenvolvimento da corrupção. Se não tem
responsabilidade pública, se a gestão é frouxa, se parece que ninguém está
ligando a mínima, por que não botar a mão na grana de verdade? Tudo
considerado, dá numa enorme subtração de dinheiro público. O INSS gasta mensalmente pouco mais de R$ 1 bilhão com
auxílio-doença pago há mais de dois anos e R$ 3,6 bilhões com aposentadoria por
invalidez também por mais de dois anos. Ora, se metade disso está
irregular, como se verificou em Jundiaí, pode-se chegar a uma economia de R$ 2,3 bilhões/mês. O déficit mensal do INSS, neste
ano, está na casa dos R$ 10 bilhões, de maneira que seria expressivo o
ganho com o cancelamento dos benefícios irregulares.
Na
história dos grandes fundos de pensão (Petros, dos funcionários da
Petrobras; Previ, do Banco do Brasil; Postalis, dos Correios; e Funcef, da
Caixa), a fraude inicialmente estimada chega a R$ 8
bilhões. Mas o rombo dessas quatro instituições investigadas está em torno dos R$
50 bilhões. Aqui, como no governo em geral e nas estatais em
particular, essa soma de roubo e incompetência resulta do aparelhamento
promovido nas gestões de Lula e Dilma. E não apenas o aparelhamento do PT,
mas a entrega de pedaços da administração para os partidos aliados e para os
capitalistas amigos.
O
discurso do PT sustenta que as elites deram um golpe para acabar com os
direitos do povão. Mas a LavaJato e seus similares estão apanhando expressivos
representantes das elites antes amigas e beneficiárias do governo. E não se
pode dizer que cancelar benefícios irregulares seja tirar direitos. Por
outro lado, entende-se por que tanta gente quer melar as investigações. A
corrupção espalhou-se dos pequenos aos grandes negócios.
Ainda
nesta semana, no mesmo pacote da avacalhação nacional, o Tribunal de Contas da
União encontrou indícios de irregularidades em um terço das doações feitas por
pessoas físicas para as eleições de outubro. Casos mais frequentes: mortos e beneficiários do Bolsa Família doando dinheiro
vivo. Costuma-se dizer pelo interior, a respeito de empreitadas
que acertam todas: cada enxadada, uma minhoca. Pode-se dizer na era
tecnológica: cada cruzamento de dados, uma corrupção. Por isso que não é
nem pouco exagerada a proposta de legislação anticorrupção apresentada pelo Ministério
Público. Exagerada foi a roubalheira.
Fonte: Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - O Globo
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